Áudio do whatsapp |
Áudio compartilhado no WhatsApp diz que o artigo 1º da Constituição prevê intervenção em casos como a greve de caminhoneiros. Tudo mentira
Oficial militar acena para caminhões do Exército na Rodovia GO-010, em Goiás - 26/05/2018 (Ueslei Marcelino/Reuters |
Por João
Pedroso de Campos
“A greve
dos caminhoneiros,
que entrou no oitavo dia nesta segunda-feira, 28, e o desgaste
político que a paralisação da categoria causou ao governo do
presidente Michel
Temer (MDB)
alvoroçaram os saudosistas da ditadura militar e os entusiastas de
uma “intervenção
militar constitucional”.
Não são poucos os boatos que têm circulado no WhatsApp e
nas redes sociais nos últimos dias afirmando que os militares estão
prestes a tomar o poder.
Uma
dessas lorotas, compartilhada no aplicativo de mensagens por meio de
um áudio, era exata: a intervenção militar teria se dado à
meia-noite desta segunda-feira. O emissor da mensagem, que fala como
um dos caminhoneiros em greve, diz que esse era o prazo de “sete
dias e seis horas”, previsto pela Constituição para que os
militares “retirassem à força” o governo.
Veja
abaixo a transcrição do áudio:
“Pedro,
é o seguinte, na Constituição, no artigo primeiro, fala que são
sete dias e seis horas para o Exército poder tomar conta de tudo,
tomar a frente, chegar lá com todo seu comboio dos tanques
militares, caminhões, soldados, chegar lá na frente do plenário
em Brasília e retirar à força o governo. Hoje está no sexto dia.
Vai dar sete dias e seis horas na segunda-feira à meia-noite. As
tropas já estão mobilizando as carretas, os tanques já estão
passando. Passou aqui ontem três carretas e seis tocos com os
homens dentro deles. Os próprios rodoviários avisou (sic) a gente
que o governo já caiu, é só questão de a gente segurar. A gente
não pode afrouxar agora. O presidente e a mídia, a mídia
comprada, toda essa mídia comprada, eles estão falando que o
Rodoanel liberou, não, nada liberou. Eles estão reorganizando a
rodovia, porque no estado de São Paulo existe um mandato, um
assinado judicial que não pode ficar nenhum veículo parado na
faixa de rolamento e acostamento, então eles estão organizando os
caminhões. O Exército está em Brasília organizando os caminhões.
Tem que aguentar até segunda-feira meia-noite, que é o dia da
intervenção militar. Não tem mais boca, o governo perdeu, já
era, acabou, só que a gente tem que segurar. É o artigo primeiro
da Constituição brasileira, sete dias e seis horas”.
Como todos sabem,
a intervenção militar alardeada pela mensagem apocalíptica não
aconteceu à meia-noite desta segunda-feira. Comboios das Forças
Armadas não estão cercando o “plenário” e o governo do
presidente Michel Temer, embora enfraquecido politicamente, não
acabou.
Isto
posto, cabe ressaltar que nem o artigo 1º da Constituição Federal
nem qualquer outro artigo preveem que os militares possam tomar o
poder após sete dias e seis horas de greve de alguma categoria. É
risível imaginar essa norma escrita na Carta Magna de qualquer país
democrático. O primeiro artigo da Constituição promulgada em 1988
diz o seguinte:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I
– a soberania;
II
– a cidadania;
III
– a dignidade da pessoa humana;
IV
– os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V
– o pluralismo político.
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
O artigo
142 da Constituição de 1988, amplamente evocado pelos
intervencionistas como base para a tal “intervenção
constitucional”, também é claro sobre quem manda nas Forças
Armadas:
“As
Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de qualquer destes, da lei e da ordem”.
O trecho acima
quer dizer que uma iniciativa do Exército, da Marinha ou da
Aeronáutica para garantir a lei e a ordem só pode ocorrer a partir
de iniciativa dos “poderes constitucionais”, isto é, Executivo,
Legislativo e Judiciário. Quando há problemas na segurança
pública, por exemplo, o presidente pode acionar os militares por
meio de decretos de Garantia da Lei e da Ordem, as populares GLOs,
utilizadas recentemente em crises no Espírito Santo e no Rio de
Janeiro. Outra medida possível, como vemos atualmente no Rio, é a
intervenção federal — e não “intervenção militar”,
embora conduzida por um interventor militar — na
segurança pública. Neste caso, a intervenção teve de ser aprovada
também pelo Congresso Nacional e impede que os parlamentares aprovem
qualquer Proposta de Emenda à Constituição (PEC) durante sua
vigência.
Qualquer
ação militar em nome da lei e da ordem tomada fora desses
parâmetros é, portanto, inconstitucional. Costuma-se chamar de
“golpe”
qualquer ação das Forças Armadas contra os “poderes
constitucionais”, especialmente o Executivo e presidentes
democraticamente eleitos.”
“Como
o Me
Engana que Eu Posto frequentemente
alerta ao leitor, “denúncias” e notícias bombásticas
propagadas exclusivamente no WhatsApp, ao largo da imprensa
profissional, como é o caso, devem ser vistas com alto grau de
desconfiança. Revistas, jornais, rádios e emissoras de TV com
jornalistas profissionais têm coberto ostensivamente a greve dos
caminhoneiros e são os meios mais indicados para obter informação
em meio a tanta desinformação e fake news.”
Agora
você também pode colaborar com o Me
Engana que Eu Posto no
combate às notícias mentirosas da internet. Recebeu alguma
informação que suspeita – ou tem certeza – ser falsa? Envie
para o blog via WhatsApp, no número (11) 9 9967-9374.
Fonte: Veja.com
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