FARSA Vladimir Herzog morreu na tortura, mas montaram um falso suicídio (Crédito: Divulgação) |
“Depois
de três décadas de democracia, defender a intervenção militar no
Brasil é bandeira de quem está mal intencionado ou mal informado.
Aos menores de 50 anos ainda cabe a justificativa da falta de
conhecimento histórico. Aos que têm mais de 50, é recomendado que
ativem a memória, pois viveram sob um regime de exceção, que
desconhecia direitos, determinava o que podia ou não ser publicado,
lido ou assistido nos cinemas, teatros e até nas novelas. Um sistema
autoritário que não admitia contestação, que perseguiu, torturou
e matou aqueles que ousaram pensar diferente. A história registra
que nas duas décadas da ditadura militar que tomou o País em 31 de
março de 1964, 475 pessoas morreram ou simplesmente desapareceram
por motivos políticos. E ainda hoje há dezenas de mães que não
encontraram sequer ossadas para poder velar seus filhos, cujos sonhos
foram interrompidos nas casas da morte mantidas pelo regime. Para
elas, o verso “saudade é arrumar o quarto do filho que já
morreu”, de Chico Buarque de Holanda, não é poesia. É história
real!
Em
nome de uma suposta moralidade, de uma falsa ordem pública, do
combate ao fantasma do comunismo e de um nacionalismo ufanista,
parlamentares como Leonel Brizola, Rubens Paiva, Plínio de Arruda
Sampaio, Miguel Arraes e Marcio Moreira Alves foram cassados sem
nenhum rito jurídico. Em apenas três meses, os militares retiraram
os direitos políticos de 441 pessoas, entre elas os ex-presidentes
Juscelino Kubitschek e João Goulart, seis governadores, 55 deputados
e senadores. “Quem viveu sob tantos desmandos sabe que defender a
volta da ditadura é um imenso equivoco histórico”, observa o
ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. “As
ditaduras de qualquer viés ideológico retiram dos cidadãos a
possibilidade de escolherem seu destino.”
Ao
longo dos anos e dos seguidos Atos Institucionais, que rasgaram
qualquer norma jurídica vigente e deram ares de legalidade a um
regime de arbítrio, professores, artistas e cientistas se viram
forçados a viver no exílio ou na clandestinidade. Estudantes eram
massacrados. Operários como Manoel Fiel Filho e jornalistas como
Vladimir Herzog foram tirados de suas casas sem nenhum mandado,
conduzidos às dependências militares e dias depois apresentados
como suicidas, apesar de eloquentes provas que descreviam as torturas
sofridas em repetidas sessões de pau de arara, choques elétricos e
afogamentos, dentre outras práticas ainda mais perversas. A censura
barrava qualquer acesso à informação. Aqueles que se atreviam a
falar em direitos humanos, direitos civis ou liberdade de expressão
eram rotulados como inimigos do Brasil e entravam na lista das
próximas vítimas. Em junho de 1964, o sistema já havia listado
cinco mil nomes desses supostos inimigos, que passaram a ter todos os
passos controlados e conversas gravadas sem nenhum tipo de
autorização judicial. Os generais de plantão no Palácio do
Planalto gozavam de amplos poderes. “É fácil pedir ditadura
quando se vive em uma democracia. Mas é difícil querer democracia
quando se vive em uma ditadura, amordaçados e sem liberdade de
expressão”, lembra o senador Humberto Costa (PT-PE).
Já
com o Congresso sob domínio e com poderes para cassar mandatos de
parlamentares eleitos sem maiores explicações, em 1968 os militares
miraram as baionetas para um fragilizado e capenga Poder Judiciário.
Veio o famigerado Ato Institucional número cinco (AI-5) e com ele o
fim de qualquer garantia constitucional. Assim, tornavam-se “legais”
as prisões arbitrárias, tolerava-se a tortura como instrumento para
obter informações e instituía-se oficialmente a censura prévia.
Cabia a censores definir o que as pessoas podiam ou não ler ou
assistir, inclusive na programação de rádios e tevês. Naquele
dezembro de 1968 foi dado ao brasileiro uma “vida de gado”, como
diz o compositor Zé Ramalho, referindo-se a um povo que vive
alienado à espera da chegada de um messias.
Logo
depois de assinado o AI-5, o presidente-general Costa e Silva fechou
o Congresso e todas as Assembleias Legislativas. Ele e os
governadores, escolhidos sem nenhuma participação popular, passaram
a assumir as funções do Legislativo. O mesmo ato ainda deu
permissão para que o presidente pudesse destituir de seu cargo
qualquer funcionário público, inclusive juízes. “A sociedade
sabe muito bem o quanto foi caro reverter esse processo para que
fosse retomada a democracia”, afirma o deputado Rodrigo
Garcia (DEM-SP). “Custou muitas vidas e defender a intervenção
militar nesse momento interessa apenas a quem aposta no quanto pior
melhor”, completa o deputado.
Durante
as duas décadas de ditadura, uma eficiente máquina de propaganda e
marketing tratou de construir a imagem de um País pulsante,
abençoado por Deus, bonito por natureza e rumo à liderança
mundial. Sob o slogan de “Brasil Ame-o ou Deixe-o”, enquanto nos
porões do regime centenas de pessoas eram seviciadas e mortas, a
propaganda oficial mostrava uma Nação em crescimento nunca visto
anteriormente. De fato, no início dos anos 1970 o Brasil mostrou
crescimento perto de 10% ao ano. Tornou-se uma espécie de paraíso
das multinacionais – principalmente as do setor automobilístico –
mas graças a uma monumental dívida externa, cuja conta até hoje
nos atrapalha. Quando deixaram o poder em 1984, os militares
registravam uma dívida equivalente a 54% do PIB, valor quatro vezes
superior ao que encontraram em 1964. Um crescimento que, se de um
lado contribuiu de forma inquestionável para a industrialização do
País, de outro propiciou uma concentração de renda absurda. Em
1965 os 1% mais ricos do Brasil recebiam 10% da renda média do País.
Em 1968 esses mesmos 1% abocanhavam 16% da renda nacional. Quando a
desigualdade se tornava visível, a ditadura se justificava dizendo
que era preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois
distribuí-lo. “Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande
parte de nosso parque industrial, melhorado técnica e
tecnologicamente nossa infraestrutura, quando veio a conta, veio
muito alta”, afirma Guilherme Grandi, professor da FEA/USP.
Outra
percepção tão falsa quanto recorrente é a de que no período da
ditadura não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram
que existia corrupção no regime militar, sem que houvesse qualquer
tipo de investigação”, diz Grandi. Segundo ele, a promiscuidade
entre os interesses privados e os órgãos públicos foi aprimorada
no regime militar. E, de fato, mesmo com a censura e com os órgãos
de fiscalização sob absoluto controle dos generais, escândalos
como o caso Lutfalla, que propiciou o desvio de recursos públicos do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para a família de Paulo
Maluf, um aliado de primeira hora dos militares, não passaram
despercebidos, embora ninguém tenha sido responsabilizado por eles.
O mesmo ocorreu com o caso da quebra do grupo Coroa-Brastel, que
teria sido favorecido com empréstimos irregulares concedidos pela
Caixa Econômica Federal e deixou milhares de investidores a ver
navios.
“Depois
de tudo o que passamos, defender a intervenção militar é agredir a
sociedade, é querer tirar do brasileiro o direito de escolher seus
governantes e o destino do País. Quem faz esse discurso é abutre da
democracia”, diz o ministro da Segurança, Raul Jungmann. Já entre
os ministros do STF e na Procuradoria Geral da República, a defesa
da intervenção militar vem sendo tratada como um crime, definido
pela Lei de Segurança Nacional, uma das heranças da ditadura.”
Fonte:
istoe.com.br
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