Da Fábula: A formiga e a cigarra |
Artigo de Ana Paula Ferreira
Quando os liberais falam de economia em períodos de crises é muito comum usarem o termo austeridade. E o que de fato ela representa? Ela está vinculada com a ideia de retidão, de prudência, bom senso, disciplina, fazer sacrifícios com vistas a desfrutar disso mais tarde. É o que tentam introjetar nas pessoas desde a mais tenra idade através principalmente da fábula “A formiga e a cigarra”, ilustrando que quanto mais indisciplinados, mais correremos o risco de passarmos pelo frio ou pela fome. Não que não haja certa sabedoria na fábula, mas ela evidencia como se estivéssemos sujeitos apenas a nossas decisões, o que não é verdade.
Para falar de austeridade com os adultos a linguagem é outra.
Comparam o orçamento doméstico com o orçamento público e
dizem que assim como a família não pode gastar mais do que
arrecada, o “bom” gestor também não pode ter esse
comportamento desviante.
Entretanto, essa comparação é infundada por três motivos.
Primeiro porque o governo tem a capacidade de estabelecer o
aumento de seu orçamento e assim, escolher entre tributar os
mais ricos ou taxar os mais pobres. Já a maioria das famílias
não possuí a liberdade de vender a força de trabalho, mas sim
a necessidade e, portanto, dificilmente há negociação do
salário, e sim aceitação.
O segundo motivo é que quando o governo acelera o
crescimento econômico com programas sociais ou políticas de
incentivo isso retorna na forma de impostos e, portanto, há um
aumento de receita. Com as famílias já acontece o contrário.
Se gastarem com supermercado ou no pagamento de suas
contas, esse valor não lhes voltará.
E a terceira razão que evidencia o equívoco dessa comparação
é porque as famílias quando contraem dívidas junto às
financeiras, elas não definem as taxas de juros, e aliás, elas
também não emitem moeda, diferente do governo federal que
possuí essa flexibilidade.
Assim sendo, a austeridade não provoca o crescimento de uma
nação. Pelo contrário. Se há o corte de gastos públicos, haverá
menos retorno e consequentemente menos receita para novos
investimentos. Qual é o interesse na sua aprovação se não há
benesses para a maioria da população? Trata-se de uma
escolha política para coroar os mais ricos, afinal ao gerar o
desemprego, haverá menos pressões trabalhistas e
consequentemente achatamento salarial seguido de aumento
da desigualdade de renda. Além disso, a diminuição de gastos
com educação, saúde e várias outras pastas, abre espaço para
setores corporativos da sociedade. Deixo como exemplo o
faturamento do grupo Unimed que fechou em 2020 com o
maior lucro desde 1998.
E no nosso cenário municipal? Como que o governo Sérgio
Azevedo tem conduzido a economia? Tomando como
referência uma análise feita pelo professor Tiago Mafra na
audiência pública sobre o Plano Plurianual de Poços de
Caldas, é possível perceber uma retração dos investimentos
em diversas áreas. Na educação o plano prevê a redução de
mais de 50% em setores tais como Programa Municipal da
Juventude, que atende crianças e adolescentes em período
complementar à escola, serviço normalmente utilizado por pais
e mães trabalhadores. Na saúde estabelecem um corte de mais
de 10 milhões no Programa de Vigilância em Saúde e na pasta
de Esporte o corte estimado é de 14 milhões, o que impactará
diretamente programas de incentivo à prática desportiva. O
investimento em moradia popular praticamente é citado no
Plano de forma insignificante, mesmo num momento de crise
econômica que inúmeras famílias passam por enormes
dificuldades em pagar o aluguel.
Em linhas gerais é isso que é a austeridade: impacta os mais
vulneráveis e os pequenos empresários, afasta o poder público
de suas responsabilidades com a maioria dos cidadãos e, no
final, não gera a receita que é tão divulgada. Aliás, gera sim,
mas apenas para uma elite econômica que discursará a plenos
pulmões a favor da austeridade do outro.
Ana Paula Ferreira
Supervisora escolar, mestre em Educação.
Militante do Coletivo Educação e do Coletivo Mulheres
pela Democracia, em Poços de Caldas, MG
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