sábado, 26 de março de 2022

"O Portal para Infinitos Universos"

 

“Eu sempre imaginei que o Paraíso seria um tipo de biblioteca."                                     
Jorge Luis Borges                                                                                                                    

Em 1851 foi publicada a primeira edição de “Moby Dick”, que trouxe reconhecimento ao escritor norte-americano Herman Melville. Tornou-se um daqueles clássicos cujo nome as pessoas ouviram falar ao menos uma vez. Herman foi inspirado pela história real de uma baleia branca que se tornou o terror dos marinheiros que se atreviam a navegar no Pacífico Sul caçando baleias, na costa sul-americana – e que foi retratado no filme “No Coração do Mar”.

Este livro fantástico marcou minha vida de uma forma peculiar. O ano era 1990. Havia completado 19 anos de idade, e tinha iniciado a minha carreira profissional. A sensação de ganhar o próprio salário, ainda que pouco inicialmente, alimentava as minhas esperanças adolescentes de autonomia financeira futura. Mas já me deparava com um dilema, tão comum aos jovens desta faixa etária:  eu deveria ingressar em uma faculdade?

Meus pais nunca me pressionaram a tomar qualquer decisão neste sentido. Eu não queria mais passar vários anos estudando sem a perspectiva de ganhar meu próprio dinheiro. Foi este fator que pesou quando decidi cursar a escola técnica. Queria fazer algo que me permitisse ingressar no mercado de trabalho o mais rápido possível.

Poucos anos depois, o dilema retornou. E devido a percepção de que as pessoas sem “educação superior” ganhavam menos. Além disso, os profissionais que estavam na faculdade, mesmo sem ainda concluir a graduação universitária, tinham mais chances de conseguir um emprego do que aqueles que nunca tinham passado pela porta de uma instituição de ensino superior - como eu mesmo. 

Entrar em uma universidade significaria abrir mão, mesmo por alguns meses, de emprego. Isto porque eu planejava me preparar adequadamente para alcançar uma vaga em uma universidade pública, e precisaria do tempo que eu alugava para alguém para relembrar matérias e assuntos que não via há anos. Ou seja, para que eu pudesse alcançar meu sonho de autonomia, eu ficaria mais dependente, ainda que por algum tempo.

Eu não sabia que decisão tomar. Até que, aproveitando o tempo vago de um final de semana, parei em frente à minha estante de livros para escolher uma companhia para as horas que tinha à frente. Surpreendentemente, “Moby Dick” saltou aos meus olhos. Surpreendente porque eu já tinha lido o livro, anos atrás. E não tinha gostado muito da história. Que estranha força me fez escolhê-lo para novamente mergulhar em suas páginas, eu não sei.

O que me lembro com muita exatidão foi o sentimento que a história me causou ao relê-la. A saga do capitão Ahab e sua obsessão em matar a baleia branca que havia lhe causado uma incurável ferida na alma me envolveu de uma maneira que não tinha me envolvido anos antes. Lembro-me da sensação que tive ao perceber que a fixação de Ahab foi o que causou a tragédia do “Pequod”, o nome do navio baleeiro que comandava. Não estaria eu, tão obcecado com dinheiro e autonomia, também dirigindo meu navio para um final que era o oposto do que eu desejava? Não seria o desejo de autonomia o quanto antes a minha baleia branca?

Tudo o que sei é que, no dia seguinte, o livro voltou a descansar na estante, e eu tinha me decidido a ingressar na faculdade. Mesmo que isto significasse alguns passos atrás em alcançar meu sonho de autonomia financeira.

Herman Melville escreveu uma história sublime. E que influenciou a decisão de um jovem muito distante dele no tempo e no espaço. Será que ele, ao baixar a tinta no papel e narrar sua obra imortal, teve esse vislumbre, na quantidade de mentes e corações que poderia tocar?

Os livros tem este poder. Atravessam o tempo de uma maneira de provocar inveja nas próprias pirâmides. Há um ditado egípcio que diz que “todos temem o tempo, mas o tempo teme as pirâmides.” Os livros, à sua maneira, rivalizam com as maravilhas de pedra que descansam no Egito. 

E atravessam o espaço de uma forma que nenhuma pirâmide poderia fazer. É possível termos acesso ao pensamento e habilidades de escritores e escritoras de qualquer lugar do mundo. Percepções de outras épocas e lugares, registros, histórias, culturas, sentimentos e ideias, tudo ao alcance de nossas mãos, olhos e corações.

Os livros não podem nos mudar apenas na forma de pensar e agir. Podem modificar até mesmo nossa estrutura cerebral. Segundo a pesquisadora norte-americana Maryanne Wolf, como a leitura não é uma ação para o qual nosso cérebro está naturalmente “pré-programado”- ao contrário da fala, por exemplo – o ato de ler gera novas conexões cerebrais que possibilitam novas habilidades à leitora contumaz. Ler de forma atenciosa e profunda se torna um momento de profunda conexão consigo mesmo e com aquele que escreveu o texto, uma comunhão que pode transformar vidas.

Em 2010, a gigante de tecnologia Google calculou quantos livros existem no mundo. E chegou ao incrível número de 129,8 milhões de títulos. A Unesco calcula que, a cada ano, são publicados cerca de 2,2 milhões de novos títulos. Nem em seus sonhos mais loucos Gutemberg poderia imaginar tal número. 

Monteiro Lobato, Jack London, Helio do Soveiral, José Louzeiro, Conan Doyle, Agatha Christie, Lúcia Machado de Almeida, Murilo Rubião, Mario Quintana... são tantos e incontáveis escritores e escritoras que me encantaram e abriram as portas do Universo que não haveria espaço para render-lhes algum agradecimento. Com seus textos, poesias, contos, romances e novelas, mostraram ao curioso e ávido por conhecimento que, podemos ser mais do jamais pensamos, e apoiar positivamente muitas pessoas, compartilhando boas histórias e os engrandecedores valores que aparecem em suas entrelinhas.

E graças a eles e elas, que desenvolvi e mergulhei na característica que permite que consigamos contornar os desafios que a vida nos apresenta e abre as portas para infinitos universos: a Criatividade.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

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