segunda-feira, 29 de outubro de 2018

“Vitória de Bolsonaro cria grave ameaça à democracia no Brasil”

Bolsonaro, a esposa, o deputado não reeleito Malta 

Por Carlos Lopes – Hora do Povo


As declarações de Bolsonaro, após conhecido o resultado do segundo turno das eleições, de que seu governo será “defensor da Constituição, da democracia e da liberdade” ou que “liberdade é um princípio fundamental”, não são comoventes – ou seja, não são dignas de confiança e não inspiram a menor confiança.
Pelo contrário, elas significam que os democratas do Brasil necessitam se unir – e unir o povo brasileiro – em defesa, precisamente, da democracia.
Nenhum projeto de ditador, até agora, falou a verdade sobre suas intenções, exceto quando o poder era uma perspectiva longínqua.
Em 1º de abril de 1964, quando o presidente constitucional e eleito, João Goulart, foi destituído por um golpe de Estado, o pretexto era a defesa da Constituição de 1946.
Oito dias depois do golpe, a 9 de abril de 1964, a Constituição foi rasgada pelos seus supostos defensores, com o Ato Institucional nº 1 (v. Figuras e figurinhas em 1964: antes e depois do golpe contra o Brasil).
Foi também entre juras de respeito à lei que Mussolini assumiu como primeiro-ministro da Itália e Hitler como “chanceler” do Reich alemão.
Ditaduras e ditadores mentem.
A ditadura é inseparável da mentira.
MALTA
No encontro em que Bolsonaro comemorou sua vitória, o principal acontecimento foi a oração puxada por Magno Malta, que acaba de perder, rejeitado pelos eleitores, seu mandato como senador pelo Espírito Santo.
A religião, para Bolsonaro, sempre foi instrumental, como dizem alguns. Na verdade, um expediente eleitoreiro. A tal ponto que não se sabe direito qual a sua religião, apesar do batismo em Israel (v. Pastor que batizou Bolsonaro recebeu propina de R$ 6 milhões da Odebrecht).
A aparição de Malta, na comemoração de Bolsonaro, no domingo à noite, fazendo a oração, somente tornou mais nítido o cunho dessa sua suposta religiosidade.
Malta é aquele sujeito que, no Senado, em 2010, fez o mais bajulatório discurso de apoio a Lula, e à então candidata Dilma Rousseff, que aquela casa já ouviu (disse ele: “vai ser uma vergonha muito grande se Dilma perder para José Serra no Espírito Santo”; e, também, “se minha mãe, dona Dadá, estivesse viva, chamaria Lula de ‘meu filho’”; ou, sobre a corrupção nas obras do aeroporto de Vitória: “Lula liberou [a verba], mas os empresários gananciosos superfaturaram a obra e o Tribunal de Contas da União acabou suspendendo as obras. Portanto, a culpa não é do Presidente”).
Malta foi um dos envolvidos por receber propina da máfia dos sanguessugas; seu irmão, Mauricio Pereira Malta, indicado por ele, no governo Lula, para a assessoria parlamentar do Ministério dos Transportes, era uma das figuras que armaram o esquema das propinas de empreiteiras naquele órgão; e o próprio Magno Malta é um dos investigados pela Operação Lava Jato.
Esse foi o cidadão que fez a oração de graças pela vitória de Bolsonaro, que disse pretender combater a corrupção.
PRESENTE E PASSADO
A única coisa notável em Bolsonaro, há mais de 30 anos, é o incensamento da ditadura, do golpe de Estado, e, inclusive, da tortura – pelo menos desde que foi levado a um Conselho de Justificação do Exército Brasileiro, pelo plano, em 1987, de colocar “bombas de baixa potência” em instalações militares, para confrontar o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves (v. Terrorismo de baixa potência).
Fora essas descargas pela ditadura e pelo golpe de Estado – ou os elogios a um torturador, Carlos Brilhante Ustra, como se fosse algum herói (ou como se torturar e assassinar fossem atos de heroísmo) – Bolsonaro não existe como político.
Exceto isso, ele é um reacionário raso e comum, e nada mais.
Tanto assim que, fora essas odes (Deus!) à ditadura, ao golpe de Estado e à tortura, ninguém é capaz de se lembrar de algo notável que ele tenha feito nas últimas três décadas.
Mas não é somente por esse passado, por essa reiteração na propaganda do crime (a Constituição, em seu artigo 5º, inciso XLIV, considera o golpe de Estado como crime inafiançável) – que, por si, já o condena – que as palavras de Bolsonaro não merecem confiança.
Há sete dias – não mais que sete dias, no dia 21 de outubro -, ao falar para apoiadores, Bolsonaro disse, sobre os que se opõem a ele: “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”.
Ele não estava falando de perpetradores de delitos – tanto assim que os seus ataques se dirigiam, desde seu adversário no segundo turno, Fernando Haddad, a quem ameaçou de cadeia, até o jornal “Folha de S. Paulo”, passando pelo MST (v. Saudoso da ditadura, Bolsonaro ameaça opositores com exílio e prisão).
Além disso, o que é “lei de todos nós”?
Nós, quem?
No Brasil existem leis – e elas não permitem prender ou exilar oposicionistas somente porque são oposicionistas.
Porém, há mais.
Os filhos de Bolsonaro, até agora, foram incapazes de mostrar qualquer pensamento próprio. Do ponto de vista político – inclusive eleitoral – são apenas extensões do pai.
Por isso, a declaração de um deles de que, para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), “você não manda nem um jipe, cara, manda um soldado e um cabo. Não é querendo desmerecer o soldado e o cabo não. (…) Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros do STF?” foi vista e sentida como uma declaração do pai.
E, realmente, não houve dúvidas, porque todos sabem que essa é a opinião de Bolsonaro. O filho, apenas, manifestou-a em público numa hora inconveniente para o pai – antes do primeiro turno das eleições (v. Para decano do STF, ataque bolsonarista ao Tribunal atinge lei e liberdade).
Evidentemente, fechar o STF é a mesma coisa que rasgar a Constituição.
Notemos que essa declaração do rebento bolsonariano foi no último dia 9 de julho – há pouco mais de três meses – e se referia ao resultado das eleições e à possibilidade do STF proferir uma sentença desfavorável ao seu pai.
Portanto, a solução para uma sentença da Justiça seria o fechamento de seu órgão máximo, aquele que tem por função a guarda da Constituição em última instância.
Entretanto, há mais.
O vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, além de também incensar o torturador Brilhante Ustra, falou na possibilidade de um “autogolpe” – certamente, não para garantir a Constituição, que Mourão odeia abertamente (“seria muito bom que pudéssemos trocá-la”, disse ele, acrescentando que uma outra Constituição para substituir a atual “não precisa ser feita por eleitos pelo povo”).
Mas, o que é o “autogolpe”?
Na entrevista à GloboNews, Mourão falou em golpe do presidente da República (“Ele [o presidente] pode decidir empregar as Forças Armadas. Aí você pode dizer: ‘mas isso é um autogolpe’”).
Essa declaração foi no último dia sete de setembro.
Mas, qual a diferença disso para a seguinte declaração?
ENTREVISTADOR: Se você fosse hoje o Presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?
JAIR BOLSONARO: Não há menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! Não funciona! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma, porque não funciona. O Congresso hoje em dia não serve pra nada, xará, só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, dê logo o golpe, parte logo para a ditadura (Entrevista ao programa Câmara Aberta, 23 de maio de 1999).
Mourão, apenas, repetiu a declaração de Bolsonaro de alguns anos atrás.
FANFARRAS E AMEAÇAS
No entanto, as declarações de Bolsonaro, de suposta fidelidade à Constituição e amor à liberdade (sem a menor autocrítica de declarações como: “Pau-de-arara funciona. Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso”), significam que ele descobriu que não é fácil dar um golpe no Brasil de hoje, mesmo estando na Presidência da República.
Essa história de “golpe no mesmo dia” era fanfarronada – e nada demonstra isso melhor do que suas próprias (e falsas) declarações de agora.
Mas isso não quer dizer que não haja uma ameaça real, uma ameaça séria à democracia no Brasil.
Até mesmo porque, em nenhum momento, Bolsonaro fez alguma crítica à suas declarações do passado. Por exemplo:
Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, quando, um dia, nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar pra fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”.
HISTÓRIA DE HOJE
O Brasil já passou por muitas situações difíceis.
Em todas elas, o país foi salvo por seu povo.
A velha ditadura recolheu-se, em 1985, com o presidente de então saindo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.
Forçoso reconhecer, diante de Bolsonaro & cia., os que governaram durante a ditadura parecem estadistas – e, pelo menos um deles, até foi. Não por acaso, exatamente aquele que Bolsonaro e Mourão mais detestam – o general Ernesto Geisel.
A atual ameaça terá que ser enfrentada do mesmo modo – ainda que os momentos sejam diferentes.
Os homens que nos antecederam – um Tiradentes, um José Bonifácio, um Caxias, um Floriano, um Getúlio, um João Goulart, um Tancredo, um Ulysses Guimarães – nos legaram um país.
Não será um grupelho de indivíduos sem respeito pelo povo – e, portanto, pela democracia e pela Pátria – que o destruirá.”
CARLOS LOPES
Fonte: Hora do Povo

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