“Para ver muita coisa é preciso despregar os olhos de si mesmo.” Friedrich Nietzsche
Uma recente pesquisa realizada pelo Datafolha indica que 7% dos cidadãos brasileiros acreditam que a Terra é plana. Ou seja, pelo menos 11 milhões de pessoas acreditam que não é por acaso que a Terra é chamada de “planeta”. E este número é de apenas brasileiros. Se somarmos a quantidade de pessoas, ao redor do mundo, que entendem que Copérnico, Galileu e outros gênios e cientistas estavam mentindo ou errados, provavelmente teremos um número assombroso de pessoas que vislumbram o Sol girar em torno da Terra. E isto em uma época onde civis vão ao espaço e a primeira viagem interplanetária tripulada por seres humanos desponta no horizonte.
Particularmente, entendo que não há problemas quando alguém duvida do formato da Terra. A Ciência nasceu da dúvida e do questionamento, quando pessoas corajosas, sonhadoras e com pensamento crítico olharam o intrigante universo à sua volta e se permitiram refletir de forma diferente daqueles à sua volta. Muitos arriscaram sua vida e até mesmo a perderam, ao ousar falar e divulgar suas ideias, por mais estapafúrdias que parecessem.
Então, pode-se afirmar que dentro de todo terraplanista (como são denominados aqueles que acreditam que a Terra é chata) tem, dentro de si, o espírito crítico de um cientista, o potencial de alguém que pode visualizar coisas que outros não veem. Mas da mesma forma que nem toda semente de laranja se torna uma laranjeira, o potencial científico que existe em um terraplanista não se desenvolve.
Sempre que me deparo com o assunto do terraplanismo eu me lembro de Johannes Kepler. O astrônomo alemão é considerado um dos maiores gênios da Humanidade, responsável pela descoberta das três leis do movimento planetário. Kepler amava a Matemática, e considerava que esta ciência era a forma de como Deus estruturou o Universo. Em uma ocasião, afirmou que a Geometria existiu e existe desde antes da Criação. É coerente com a mente de Deus. A Geometria forneceu a Deus um modelo para a Criação. A Geometria é o próprio Deus.”.
Kepler concordava com as ideias de Copérnico e Galileu, de que a Terra girava em torno do Sol. Mas que leis regem estes movimentos e dos demais planetas? Professor de Matemática, Kepler teve uma inspiração que considerou a resposta para esta questão que o afligia. Já que Deus era o grande geômetra, os movimentos dos planetas e sua posição no Sistema Solar obedeceriam à estrutura dos considerados “sólidos perfeitos” da Geometria. As órbitas e os movimentos planetários obedeceriam a esta formação perfeita, uma amostra da atuação divina.
Para provar a sua teoria, Kepler precisava ter acesso aos dados dos movimentos planetários ao longo de vários anos, de maneira que pudesse comparar os registros dos movimentos dos planetas com o formato dos “sólidos perfeitos”. Entrou em contato com o melhor observador astronômico da época, o dinamarquês Tycho Brahe, que era o astrônomo real em Praga. Motivado pela possibilidade de provar sua teoria e por perseguições religiosas, Kepler mudou-se com a família para a corte do boêmio Brahe, com cuja convivência não foi nada fácil.
Apesar de admirar Kepler e seu trabalho, Brahe não disponibilizava ao colega alemão todos os dados que dispunha. Kepler somente teve acesso aos dados completos e que tanto precisava após a morte de Tycho, em 1601. Kepler contou que, em seus últimos momentos, Tycho Brahe murmurava: “Que eu não tenha vivido em vão! Que eu não tenha vivido em vão!”.
Pois não viveu. De posse das preciosas anotações e registros de Tycho, o cientista alemão pôde finalmente comparar de forma profunda os seus cálculos dos movimentos dos planetas baseados na estrutura dos “sólidos perfeitos” com os dados dos movimentos reais, registrados com precisão por Tycho.
E o resultado deixou Kepler perplexo. Porque simplesmente os seus cálculos não batiam com os registros efetuados por Brahe.
Kepler fez e refez os cálculos. Mas os resultados simplesmente não se encaixavam com as anotações efetuadas pelo seu falecido colega.
“Se eu pudesse ignorar os resultados, teria adaptado minha hipótese aos resultados, mas não era permissível ignorá-los.”. Assim, abandonou a ideia de que a estrutura do sistema solar obedeceria a dos “sólidos perfeitos”, tendo os planetas órbitas perfeitamente circulares. Experimentou então a ideia das órbitas planetárias como sendo elipses, e os dados se encaixaram perfeitamente. Kepler iniciou a descoberta e a definição das leis que governam a órbita dos planetas, leis estas que mudaram a Astronomia e que, anos mais tarde, apoiou a um certo Isaac Newton na definição da lei da Universal da Gravidade.
Kepler ousou pensar diferente, em uma época onde isto era considerado um crime punível com a morte. Mas sua coragem perante aos outros foi menor do que a coragem que teve perante a si mesmo: a de abandonar a sua hipótese original. Imagine a angústia de Kepler, homem de Ciência mas ao mesmo tempo extremamente religioso, ao fazer os mesmos cálculos dezenas de vezes, na busca infrutífera de provar que estava certo – quando, na verdade, não estava. Apenas quando abriu mão do que acreditava e rendeu-se ao que os fatos lhe mostravam que ele pôde encontrar a perfeição que buscava, nas leis que tão graciosamente descrevera mais tarde.
Kepler superou um dos grandes desafios que o ser humano possui: o de enxergar além do que se pode ver. Nossa mente precisa de “certezas”, de “explicações”, o que levou a nos tornarmos “interpretadores da natureza”. E uma vez que a mente encontra uma explicação que considera plausível, é preciso muita força de vontade para superar esta força tão potente, que pode nos fazer rechaçar algo novo até mesmo quando a novidade é para nosso próprio bem.
É esta poderosa força interna que fez o médico húngaro Ignaz Semmelweis terminar sua vida em um manicômio. Ignaz percebeu que a alta taxa de mortalidade de recém-nascidos em hospitais poderia estar relacionada com a higiene dos profissionais que atendiam às mulheres em trabalho de parto. Na época, era comum que os médicos saíssem de uma sala de cirurgia para outra sem nenhum procedimento de assepsia. Ignaz então determinou que médicos e parteiras lavassem as mãos antes de iniciar qualquer procedimento – e o número de mortes caiu vertiginosamente. Mesmo assim, foi perseguido por seus pares, que não aceitavam os resultados claramente alcançados e que mostravam que Ignaz estava certo. O resultado foi a depressão de Ignaz, que o levou à internação e à morte precoce.
Assim, o problema não é ter uma ideia ou uma percepção, mas tornar-se escravo dela. Somente quando conseguimos aliar o questionamento e a dúvida ao estudo profundo e à autocrítica que estamos trilhando o caminho da característica que nos faz ver além: a Sabedoria.
P.s.: Este texto é dedicado a Carl Sagan, o sábio do Cosmos que mostrou-me a história de Kepler e o cuidado que devemos ter em não nos tornarmos prisioneiros de nós mesmos.
Maurício Luz |
1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”.
E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..
Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ.
Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.
Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012).
Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019).
Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é sempre bem-vinda!