Por: Rafael Rocha
“O
Estado deve fazer uso dos meios legais para receber os tributos que
lhe são devidos, e não apreender de forma abusiva, ilegal e imoral
o veículo dos cidadãos, por estarem em atraso no pagamento dos
impostos.
Muitos
Estados brasileiros estão adotando a prática abusiva da apreensão
de veículo como forma de coagir o cidadão a pagar os tributos
devidos. Carro apreendido por IPVA atrasado é um abuso por parte da
administração estatal e deve ser combatido com todos os meios
jurídicos possíveis.
Se
seu carro foi apreendido por dívidas com IPVA, você sabia que isso
é um abuso e deve ser proibida tal prática? O ideal é andar com os
impostos em dia, mas nesta crise, infelizmente, muita gente não
consegue pagar as contas.
Para
quem quer saber ser o Estado pode apreender um veículo por estar com
impostos atrasados, encontrará neste artigo uma orientação
completa do que deve fazer.
Existe
um princípio no Direito administrativo – o princípio da
legalidade – que diz que a Administração pública só pode fazer
o que está na Lei, e o administrado (pessoas físicas ou jurídicas)
pode fazer tudo que a Lei não proíbe. Nesse sentido, percebe-se que
o Estado, ao apreender um veículo por estar com IPVA atrasado, age
em total desacordo com a legalidade.
É
necessário, então, apontarmos a diferença entre o IPVA e o
Licenciamento:
1- O QUE É O IPVA?
IPVA
(Imposto sobre a propriedade de
veículos automotores) –
É o imposto cobrado anualmente pela Receita Estadual. Metade do
dinheiro arrecadado fica no município no qual o veículo foi
emplacado, a outra parte vai para os cofres públicos para ser
aplicado em diversas áreas, como saúde e educação.
O
valor cobrado por esse imposto é calculado a partir do valor do
veículo, sendo 1% para veículos destinados à locação e para os
que utilizam Gás Natural Veicular (GNV), e 2,5% para os demais
veículos.
2- O QUE É CRLV?
CRLV
(Certificado de Registro e Licenciamento de veículos) –
Conhecido como licenciamento, o CRLV é um documento que concede o
direito de livre tráfego ao veículo. É um documento de porte
obrigatório e deve ser apresentado à autoridade de trânsito sempre
que solicitado, sob pena de multa e perda de pontos na carteira, caso
não esteja portando o documento ou esteja com o licenciamento
atrasado.
O Código
de Trânsito Brasileiro é
claro ao falar da apreensão do veículo no caso de não ter o
licenciamento atual:
Art. 230. Conduzir o veículo:
V – que não esteja registrado e devidamente licenciado;
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e apreensão do veículo;
Medida administrativa – remoção do veículo
É
aqui que mora o problema, porque não há possibilidade de ter o
licenciamento sem pagar o IPVA, taxas e demais multas que possam
estar registradas nesse veículo.
O
Estado condiciona a liberação do Licenciamento à quitação de
todos os débitos do veículo. Daí o fato de se fazer a blitz para
apreender o veículo não pelo atraso no IPVA, mas do Licenciamento.
Assim,
o Estado acha que está legalmente amparado para promover aquilo que
considero abuso de poder de polícia: a apreensão do veículo por
atraso no pagamento de tributos, da qual discordo e vou demonstrar
por que é ilegal, abusivo, imoral e, por isso, deve ser combatido.
Entendo
que é inconstitucional esse dispositivo de Lei do Código
de Trânsito Brasileiro,
o que pode ser proferido por qualquer juiz de primeiro grau. Sendo
inconstitucional, obviamente o Estado não pode utilizar a apreensão
do veículo por falta do pagamento do Licenciamento, do IPVA, ou de
qualquer outro tributo, pois trata-se de um ato abusivo de poder de
polícia do Estado.
3- POR QUE O ESTADO NÃO PODE APREENDER VEÍCULO POR TRIBUTO EM ATRASO?
Entendo
que configura conduta arbitrária e ilegal a apreensão de veículos
com o intuito coercitivo de cobrança do tributo e, com base nos
princípios constitucionais, passo a demonstrar a ilegalidade e a
destruir a pretensão do Estado.
3.1 – O PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO
Confisco,
ou confiscação, é o ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao
fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por
sentença judicial, fundados em lei.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco.
Dessa
forma, percebemos que o princípio do não confisco diz que o Estado
não pode utilizar os tributos para retirar os bens do cidadão e
incorporá-los ao tesouro estadual, ou repassá-lo a outros.
A Constituição impõe
um limite ao poder do Estado de tributar e da forma de cobrar esses
tributos. Em alguns estados, como a Bahia, por exemplo, já houve
suspensão desse tipo de blitz para apreensão de veículos.
3.2 – DAS SÚMULAS 70,323 E 547 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O
STF já tratou dessa questão e impede de forma sumular, ou seja,
quando demonstra o seu entendimento reiterado, que é
inconstitucional o Estado apreender bens com o fim de receber
tributos.
SÚMULA 70
É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
SÚMULA 323
É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
SÚMULA 547
Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Pelas
súmulas apresentadas, percebe-se que o entendimento do STF é
totalmente contrário à blitz que apreende o veículo, por ser
cabalmente inconstitucional.
Observe
outros princípios constitucionais que são desrespeitados:
3.3 – FERE O DIREITO À PROPRIEDADE
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade.
Veja
bem, um cidadão não pode ter o seu bem arrancado de suas mãos sem
se defender, porque o direito de possuir bens é assegurado
pela constituição.
A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.
O Estado é limitado ao exercer desapropriação e proibido de
realizar confisco através de impostos.
Caso
o Estado queira receber os tributos, que procure os meios legais,
fazendo uso do devido processo legal,
e não através de um descarado abuso de poder de polícia.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O
direito à propriedade é sagrado, não podendo ser usurpado por
ninguém, nem mesmo pela administração pública.
3.4 – ATINGE O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A Constituição,
que é a Lei Maior, infinitamente acima do Código
de Trânsito Brasileiro,
informa o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O
texto não poderia ser mais claro! O que a blitz do governo está
fazendo é totalmente contrário ao que o texto legal diz. Para que
alguém venha a perder o seu bem, ainda que temporariamente, tem que
haver o devido processo legal.
O
devido processo legal é aquele em que o cidadão tem o direito de
apresentar sua defesa, contradizer à acusação. E o que a blitz
faz? Apenas TOMA o bem do cidadão, sem que esse possa se defender.
Um absurdo!
O
devido processo legal é garantia de liberdade, é um direito
fundamental do homem, consagrado na Declaração Universal
dos Direitos
Humanos:
Art. 8º Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
E
ainda, na Convenção de São José da Costa Rica, o devido processo
legal é assegurado no art. 8º:
Art. 8º – “Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (…)”
Dessa
forma, quando o Estado apreende o veículo do cidadão por não
pagamento de tributos, ofende a Constituição,
a Carta Universal de Direitos Humanos e o famoso Pacto de São José
da Costa Rica, do qual o Brasil é um país signatário, ou seja, que
o admitiu em seu ordenamento jurídico.
3.5 – OFENDE O DIREITO AO TRABALHO
Muitas
pessoas fazem uso do veículo para o trabalho, seja para a condução
até o local da atividade, para uso direto como transporte de
pessoas, ou para utilização indireta, como o carro da empresa.
O
Estado, ao apreender um veículo, está em grande parte ofendendo o
princípio do Direito ao trabalho. Caso o carro seja levado, a
empresa pode inclusive fechar. A moto que o jovem utiliza para ir ao
serviço e desafogar os ônibus é tomada pelo Estado, gerando um
caos maior ao transporte público e dificultando o trabalho. Pense
nos mototaxistas!
A Constituição
Brasileira diz
o seguinte:Art. 6º São
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.
Em
tempos de crise, como esta que o Brasil vive, não pode a
Administração Pública piorar a situação sob o pretexto de
receber tributos. O exercício do trabalho é o direito à
sobrevivência, à própria dignidade – o que vou tratar a seguir.
3.6 – ATACA O DIREITO À DIGNIDADE
Já
se imaginou tendo o veículo apreendido? Pessoas olhando? Chegar em
casa ou no trabalho sem o veículo? Consegue pensar em uma vergonha
maior? É uma indignidade sem tamanho!
O
Estado não pode utilizar sua conduta para impingir dor e sofrimento
ao administrado, com o fim de coagi-lo a pagar tributos. Trata-se de
um terrível ataque à dignidade humana.
Rizzatto
Nunes considera, ainda, a dignidade da pessoa humana como sendo um
supraprincípio constitucional, entendendo que se encontra acima dos
demais princípios constitucionais. Leia:
Art. 1º- A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
Trata-se
de um fundamento, ou seja, todo o ordenamento jurídico é sustentado
por esse princípio, não podendo o Estado utilizar um meio que
aflija esse conceito.
Entendo
que apreender um veículo por falta de pagamento de tributo é
ofender a dignidade humana. Ter o veículo apreendido por impostos em
atraso é humilhante, degradante, é uma violência sem tamanho.
4- QUAL SERIA A MEDIDA CORRETA PARA O ESTADO RECEBER TRIBUTOS EM ATRASO?
O
Estado deve fazer uso dos meios legais para receber os tributos que
lhe são devidos, e não apreender de forma abusiva, ilegal e imoral
o veículo dos cidadãos, por estarem em atraso no pagamento dos
impostos.
Sem
dúvida que o meio correto para se cobrar a dívida dos tributos é
fazer uso da EXECUÇÃO FISCAL, uma medida judicial que vai cobrar do
cidadão o pagamento do tributo, podendo, inclusive, lhe protestar o
nome e inscrevê-lo no cadastro de proteção ao crédito.
Nesse
processo de execução fiscal, o cidadão terá o direito de
apresentar a defesa necessária e possível, e o juiz proferirá a
decisão respeitando o devido processo legal.
Esse
é o meio correto, pois apreender o veículo por atraso nos impostos
é o mesmo que expulsar a pessoa de sua casa por ter atrasado o IPTU.
5- O QUE O CIDADÃO QUE TEVE O SEU CARRO APREENDIDO EM BLITZ POR IMPOSTOS EM ATRASO PODE FAZER?
Em
primeiro lugar, a melhor forma de defender o seu direito é procurar
um advogado para lhe dar a melhor orientação e apontar as
estratégias a serem tomadas.
Entendo
que o cidadão que teve o seu veículo apreendido por falta de
pagamento de impostos deve ajuizar uma ação para restituir o seu
veículo; e buscar algumas indenizações contra o Estado.
Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O
Estado deve indenizar por danos morais aqueles
que tiveram o seu veículo apreendido em blitz de cobrança de
impostos. A indenização por dano
moral é
aquela utilizada para compensar a dor psicológica que a pessoa
sofreu ao ser tomado o seu veículo.
Penso
que o Estado deve indenizar os danos materiais.
Já viram como são os pátios de veículos apreendidos? Sol, chuva,
nenhuma proteção ou cuidado. Ali somem peças, ocorrem danos de
toda natureza.
O
Estado deve indenizar os lucros cessantes.
Muita gente utiliza o veículo para defender o pão de cada dia, ou
seja, seu sustento e de sua família. Havendo provas de que deixou de
receber pagamentos como honorários, salários, diárias ou quaisquer
outras formas de remuneração pela perda do veículo, este deve ser
indenizado.
O
Cidadão deve procurar se defender das atrocidades que o Estado
comete. O que percebemos é que há ruas esburacadas, estradas
destruídas, gasolina caríssima, furtos e roubos batendo recordes,
péssima sinalização; e ainda vem a blitz para apreender o veículo
das pessoas?"
ROCHA,
Rafael.É
ilegal apreender veículo em blitz por tributos atrasados?. Revista
Jus Navigandi,
ISSN 1518-4862, Teresina, , n.
4824, 15set.2016.
Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2017.
Fonte: Jus.com.br
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