Sobrinho Simões e Elsa Lagartinho falam sobre as doenças do futuro |
Por Ana Mafalda Inacio
“Uma
hora e dois minutos. Foi quanto bastou para que Sobrinho Simões e
Elsa Logarinho lançassem algumas questões sobre o futuro. Poderiam
ter sido duas, quatro, quantas pudessem levar-nos a esmiuçar o
sentido de cada palavra, de cada pensamento de um e de outro, para
melhor aprofundarmos o que de inquietante aí vem. Mas sempre no
pressuposto de que o que dizemos hoje pode não ser verdade em 2064.
Tudo vai depender dos políticos que mandarem no mundo e das
políticas que definirem. Fala-se muito do esgotamento dos recursos
naturais mas, na opinião dos cientistas, a política, a comunicação
e os relacionamentos também se esgotaram. «Hoje já não somos só
o que comemos, somos muito mais e seremos cada vez mais aquilo que os
políticos definirem para o nosso bem-estar, desde as políticas
ambientais, de saúde, de trabalho, de natalidade, de compensação,
etc.», diz Sobrinho Simões.
Seremos
tudo o que conseguirmos prevenir e fazer para mudar a nossa vida. Sem
medos nem receios da palavra envelhecimento, porque este é o caminho
a partir do momento em que se nasce. «Começamos a envelhecer assim
que nascemos», diz Elsa Logarinho. Afinal, é esta a doença que aí
vem, de forma crónica, não aguda, e para todos, «se não dermos
antes cabo do mundo», alerta o professor.
Hospital
de São João, no Porto, numa manhã de terça-feira antes do Natal.
As agendas dos dois cientistas estão recheadas de compromissos, mas
um e outro adaptaram-nas. Para a conversa levaram pensamentos, ideias
para discutir, mas também uma só pergunta: o que vai acontecer? O
DN lançou outra.
Que
doenças vamos ter em 2064? «Muitas, não tenho dúvidas, e a Elsa?
Não sabemos o que nos vai acontecer, isso é impossível. Sabemos
que vamos ficar muito velhinhos, vamos esticar tanto a idade das
pessoas que vamos ter mais doenças, mas de outro tipo. Os cancros,
por exemplo, serão pequeninos. O corpo de um velhinho não tem
energia para que um cancro se desenvolva. Vão aparecer na mesma, até
mais, mas quanto mais velhinhos ficarmos mais pequeninos serão.»
"Os
políticos podem decidir que a partir de hoje ninguém come carne,
ninguém anda de carro e ninguém usa plásticos. Nós obedecemos e
assim acredito que possa haver mudanças."
«O
que tem graça é que os cancros vão aumentar muito como incidência,
mas não como causa de mortalidade», completa Elsa. «Vamos morrer
de outras coisas. Em relação às doenças neurodegenerativas e ao
Alzheimer, está previsto que em 2050 dupliquem, mas a esperança
média de vida também vai aumentar para os 80 e muitos anos. Se hoje
uma pessoa com 65 é capaz de procurar um geriatra, em 2064 projeto
que só o faremos com 75 ou mais anos.»
Mas
quais são as doenças que nos vão atacar mais?, insistimos. As que
já existem, como o cancro, a diabetes, a artrite reumatoide, ou
outras? Para o professor Sobrinho Simões, «vamos ter é
insuficiência cardíaca, doenças cardiovasculares, insuficiência
sistémica, essas vão ser as grandes doenças». Elsa Logarinho fala
em «infeções e doenças virais. «Nem vai ser preciso que sejam
vírus de estirpes muito raras, podem até ser de estirpes banais,
mas se atacarem alguém em idade mais avançada será difícil dar a
volta à infeção. Consegue fazer-se isso em pessoas mais jovens,
mas com idade avançada não, porque já houve uma perda de resposta
autoimune.»
© Leonel
de Castro/ Global Imagens
O
professor olha para a doutora e explica: «O que a Elsa está a dizer
é muito importante. Vêm aí as doenças por falência da capacidade
de resposta do organismo, porque vamos chegar a muito velhinhos e
perder cada vez mais a eficiência na reparação de erros no nosso
organismo, os erros que se vão acumulando ao longo do tempo. Só que
seremos tão velhinhos que nada disto será dramático.»
Não?
Nem assustador ou doloroso? O envelhecimento não nos fará sentir
assim? «Não. Nada será dramático», responde o professor já
reformado. Pelo contrário, «vai ser a possibilidade que temos de
sobreviver com uma qualidade de vida muito longa».
"Vêm
aí as doenças por falência da capacidade de resposta do organismo,
porque vamos chegar a muito velhinhos e perder cada vez mais a
eficiência na reparação de erros no nosso organismo."
Lado
a lado na sala de reuniões do serviço de patologia, o diálogo
entre os dois faz-nos perceber que vamos chegar a velhos, a muito
velhinhos, com cancros, infeções e sem resposta imunitária para
algumas situações. «À medida que temos envelhecimento vamos tendo
ou não resposta imunitária à inflamação. Por isso, hoje usamos
muito uma palavra, inflammaging», diz Sobrinho Simões.
O
que é o envelhecimento senão um estado inflamatório? A diferença,
diz Elsa Logarinho, «é que é um estado inflamatório crónico e
não agudo. Não é como uma gripe». A bioquímica, que aos 15 anos
soube que queria seguir investigação, esclarece: «O nosso
organismo vai acumulando células velhinhas, zombies, senescentes, e
essas células são pró-inflamatórias, enviam para o sistema
imunitário químicos e proteínas que provocam estados
inflamatórios. Mesmo as células saudáveis que estão vivas e na
vizinhança acabam por estar sujeitas a essa inflamação. Daí o
inflammaging.»
Sobrinho
Simões interrompe: «Em 2064, as pessoas vão ter mais de 100 anos.
A doutora sabe disto muito mais do que eu. Ela estuda o
envelhecimento. Mas há algo que eu sei: temos muito pouca tradição
de começarmos a cuidar-nos desde o nascimento.»
A
conversa toca num ponto essencial: «Temos a palavra cuidar, mas ao
contrário do que se pensa o cuidar não é compaixão - que também
é importante. Mas este cuidar tem que ver com a ética do care. É o
cuidar desde o nascimento. Portanto, a primeira coisa a fazer para se
ter um velhinho razoável, saudável, é que seja cuidado desde
recém-nascido, para já não falar da gravidez», afirma o
patologista, acrescentando que se há mudanças que temos de fazer no
futuro esta é uma delas. «As pessoas têm de começar a pensar em
cuidar-se muito antes. As crianças têm de brincar, saltar à corda,
têm de se mexer e têm de se relacionar.»
"A
falta de atenção, de tempo, de ausência de relacionamentos, pode
levar-nos a doenças ainda mais graves: às sociopatias. Serão estas
as doenças do futuro? Não, Estas já são doenças do presente."
Elsa
Logarinho interrompe-o também: «Isso é muito interessante. Os
estudos sobre o envelhecimento estão a tentar perceber qual é o
impacto a nível celular de todas as receitas que conhecemos, como as
dietas, a restrição calórica, os períodos de jejuns, a
importância do sono, o respeitar o ciclo circadiano, o exercício
físico. Todos estes fatores estão a ser testados no modelo animal
para se perceber a nível celular e molecular como podem influenciar
e aumentar a esperança de vida no modelo animal e, depois,
certamente no humano.»
Sobrinho
Simões lança a dica da fome à investigadora e ela
responde: «A fome é um aspeto muito curioso. Quando ficamos
doentes, o que nos acontece logo? Deixamos de comer. É uma resposta
ao estado inflamatório do nosso organismo. Faz-nos jejuar para
baixarmos a inflamação.»
Ele
acrescenta: «É uma resposta inteligente do organismo. As pessoas
têm de dormir, as crianças têm de brincar, de aprender a lavar os
dentes, não podem ter cáries, tudo isto importa.» E ela garante:
«O pior no envelhecimento é o açúcar.»
Sobrinho
Simões continua: «Há dietas que podem associar-se a certos
tratamentos de doenças. Não são aquelas em que nos dizem que
podemos comer muitos brócolos. Gostam de brócolos? Comam, mas não
se encham disso. Temos é de ter esta noção: diminuir os hidratos
de carbono. Os portugueses fazem uma alimentação hipercalórica,
encharcam-se em açúcar.» Neste momento, e de acordo com dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS), trinta por cento das nossas
crianças sofrem de obesidade. Não pode ser, algo tem de mudar. E a
carne? Há que eliminá-la de vez da alimentação?, perguntamos.
«Isso não, mas consumi-la com bom senso», defende o professor.
«A
carne também tem o problema da sustentabilidade ambiental. A sua
produção está a destruir o ambiente», argumenta a investigadora.
O professor brinca: «As vacas é que estão a dar cabo disto tudo,
mas nós gostamos tanto de carne... A grande descoberta é que em
dois milhões de anos o ser humano ficou muito esperto. É algo
extraordinário, e não sou crente. Saiu melhor do que as encomendas,
mas agora podemos dar cabo de tudo.»
Dar
cabo do mundo? «Claro», responde o professor. «Não é o
capitalismo que vai dar cabo disto. Muito antes de acabar o
capitalismo acaba o mundo, literalmente. As pessoas não fazem ideia
do que está a acontecer com o clima ou com a biodiversidade.» A
investigadora do I3S, que integra o Instituto de Patologia e
Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup),
interrompe-o: «O desequilíbrio da biodiversidade compromete o
futuro e, em termos de projeções de doenças, podemos dizer que os
grandes predadores - ratos, insetos, mosquitos -, que estão a ter
migrações muito atípicas, são os maiores portadores de vírus. Na
pior das projeções para 2064, posso prever que apareçam novas
estirpes de vírus que não conseguiremos controlar. Estirpes com
outras temperaturas, humidades. Por exemplo, o degelo do Ártico.
Está tudo preocupado com o aumento do nível do mar, e com o que
está no gelo? É que ali também estão vírus e bactérias que
desconhecemos e que podem chegar cá.»
O
ambiente e a biodiversidade entram na conversa. «Havia uma
diversidade brutal de espécies e um equilíbrio que nos mantinha,
mas se rebentarmos com ele ninguém consegue prever o que vai
acontecer... e certamente que não é bom. Depois, em 2064, não
vamos caber todos, seremos uns dez mil milhões a ocupar o solo, a
usar a água e todos os outros recursos. Não vamos aguentar.»
Mas
se há doenças que prevê para o futuro são as infeções e a
falência do sistema. Todas as outras já nos acompanham e vão ser
tratadas ou retardadas. «Estamos a esquecer-nos de uma coisa: os
implantes», alerta Elsa. «Os ciborgues», ataca o professor. «Mas
tudo quanto é prótese e implante só irá funcionar para cinco por
cento da população. Pode haver um ciborgue para um Simões, mas
para um milhão será difícil.» Ri-se: «Gosto muito dela porque
pensa muito bem. Está a pensar melhor do que eu pensava [riem-se].
Nós cientistas devíamos conversar mais vezes.»
Como
cientistas muito têm falado do fim dos recursos naturais - da água,
do esgotamento dos solos, mas há outros dois pontos que se
esgotaram: «A política esgotou-se. Por isso temos um desequilíbrio
brutal. Veja a erupção dos populismos disparatados. E há outra
coisa que queria discutir : a pouca disponibilidade para termos
atenção. Ninguém tem atenção, não acha?», questiona o
patologista.
«Acho.
Isso é o que algumas pessoas chamam de personalidade computorizada.
Estamos a tornar-nos pessoas do yes, no, like, delete. Transpondo
isso para as doenças, serão as que implicam questões
psicológicas.»
Sobrinho
Simões vai mais longe e defende que a falta de atenção, de tempo,
de ausência de relacionamentos, pode levar-nos a doenças ainda mais
graves. «Às sociopatias.» Serão estas as doenças do futuro? Não,
diz, estas já são doenças do presente, mas «podem agravar-se no
futuro».
A
cientista concorda: «Serão mais graves porque há a perda de
contacto com a natureza, com a comunicação. As pessoas sabem cada
vez menos relacionar-se. Já não contam histórias uns aos outros»,
comenta o professor, contador nato de experiências vividas. «A
falta dessa componente afetiva e emotiva vai refletir-se social e
economicamente», argumenta Elsa Logarinho. «Às vezes penso que
quando há grandes desequilíbrios na sociedade aparecem medidas
retificativas. No futuro, quero acreditar que vai acontecer o mesmo e
que alguma coisa será feita.»
© Leonel de Castro/ Global Imagens |
«Tem
de ser feita alguma coisa, quanto mais não seja por medo»,
argumenta o cientista. A investigadora reforça: «Tem de haver uma
mobilização mundial. Independentemente dos políticos doidos ou
não, tem de haver algo que permita convergir no sentido de medidas
retificativas e eficazes, quer no ambiente quer no trabalho ou em
todas as outras políticas. Os políticos podem decidir que a partir
de hoje ninguém come carne, ninguém anda de carro e ninguém usa
plásticos. Nós obedecemos e assim acredito que possa haver
mudanças...»
A
sociedade de que falam, a que não tem disponibilidade para a
atenção, tempo para relacionamentos, deixará de ser competitiva?
«Não
sei», responde o professor. Será uma sociedade repleta de
personalidades computorizada? «Já é uma sociedade do imediatismo,
em que acabou toda e qualquer forma de nos expressarmos que não seja
por uma emoção. Não há tempo para os sentimentos, já ninguém os
quer. O imediatismo trouxe a recompensa imediata para tudo. Por isso
pergunto à Dra. Elsa: o que vai acontecer? Como serão estes miúdos
dos computadores? Serão competidores? O que vão eles trazer-nos?»
«Eles
podem ser competidores ou não, mas a adição à tecnologia é um
comportamento aditivo e isso nunca é saudável. Ou seja, pode
acontecer que muitas das pessoas desta geração, ao terem este
comportamento aditivo, percam uma certa noção da responsabilidade
com o trabalho, com a família e isso...» O professor interrompe e
lança mais uma certeza: «A família acabou. E não só. E o sexo?
Como vai ser? É que isto também tem importância.»
«O
sexo será virtual», diz Elsa Logarinho a rir. O professor insiste:
«Isto é muito importante. Há muitos estudos que dizem que os
jovens fazem cada vez menos sexo.» E isso vai tornar-se uma doença?
Vai influenciar o envelhecimento? «Vai afetar a demografia»,
responde Sobrinho Simões. «Acabaram as crianças nas sociedades
desenvolvidas, eu não vejo crianças, só vejo corpos velhinhos. Mas
não sei o que vai acontecer, sou de uma geração em que o sexo era
das melhores coisas que havia. Agora, parece que dá um trabalhão,
que é uma chatice.»
O
sexo será ou não uma compensação para o ser humano? Uma expressão
de afeto? Será só uma necessidade? Poderá ser substituído por
outros estímulos? As perguntas ficam no ar. Elsa ri-se. «Eu tenho
miúdos pequenos e fico passada quando me dizem que não têm nada
para fazer, se a televisão está desligada ou se estão sem o
tablet. Digo-lhes logo: vão brincar. Mas isto é o que acontece
hoje, tanto crianças como jovens têm pouco contacto com o exterior.
E isso vai influenciar também a forma como vamos envelhecer.»
Vivemos
a geração das crianças superesterilizadas. Onde é que isso irá
levar-nos? A mais autoimunidades? Sobrinho Simões reage: «As
alergias estão a aumentar extraordinariamente, em parte por isso. É
assustador. Os pais e os professores têm medo de que as crianças
brinquem, que se sujem, que tenham contacto com a água ou com a
terra. Eu não queria acreditar quando li que um terço das crianças
portuguesas não sabiam saltar à corda.»
Para
os cientistas, esta questão é importante e faz-nos regressar às
doenças. Quais vão ser piores? Quais as que são o mal menor? Como
as prevenir? O investigador não tem dúvida: «Para mim, as piores,
se não estiver diminuído mentalmente, serão as que estão
associadas à falta de mobilidade, visão e audição. E o mais
engraçado é que estas aparecem em grande parte porque não temos a
tal ética do cuidar, do care, de um estilo de vida que nos leve a
viver muito mais fora do que dentro.»
A
investigadora do I3S, também nascida e criada no Porto, curso feito
na universidade da cidade, relembra que «o envelhecimento é
contínuo, nós próprios adiamos a nossa idade desde o dia em que
nascemos». Por isso, tudo o que se fizer para o nosso bem-estar «tem
de ser preventivo e não retificativo. Espero que em 2064 a sociedade
esteja mais informada sobre qualidade de vida, acredito que haverá
maior tendência para seguir boas dietas, para se fazer exercício
físico regularmente e que tudo isto ajude a aumentar a esperança
média de vida, porque a que se alcançou até agora foi pela
melhoria dos cuidados médicos.»
Agora
é a vez da medicina. O que nos trará no futuro a área que
progrediu à velocidade da luz no último século - da penicilina à
robótica? «Vamos ter mais capacidade para tratar, prestar cuidados
médicos», diz Sobrinho Simões.» O mais interessante vai ser
perceber «quanto mais a medicina e a investigação poderão
estender a nossa longevidade pelo tratamento dos órgãos», lança a
bioquímica.
«Se
nos mantivermos todos com os nossos órgãos, se não fizermos
substituições de peças, até onde poderemos ir? Há um estudo
sobre a esperança média de vida para indivíduos com 100 anos que é
igual tanto para o início do século xx como para o xxi. Parece que
os 100 anos são a nossa base genética. O que acha?» Sobrinho
Simões responde: «A espécie tem limites. Individualmente,
poderemos ir até aos 110 ou 120, mas no geral não.»
Sendo
o cérebro o órgão mais difícil de tratar e estando as doenças
neurodegenerativas a aumentar, o futuro é assustador? «Não. O que
é preciso é estimular a regeneração», explica o patologista.
«Sabemos que as células pró-inflamatórias no cérebro estão a
contribuir para a incidência ou para o agravamento das doenças
neurodegenerativas, como Alzheimer ou Parkinson. Se conseguirmos
retificar estes estados inflamatórios, através de melhor qualidade
de vida, ou de medicação que se descubra entretanto, talvez possa
adiar-se a neurodegeneração», diz a investigadora.
O
que envelhece primeiro no nosso organismo? É possível saber? Não,
dizem-nos. Os órgãos comunicam uns com os outros. Mas o que é
pior? Ter um fígado velho com um cérebro jovem ou um cérebro mais
velho e um fígado novo? Isto será inevitável? «Não, mas é uma
verdade», diz o professor. «Pode haver assimetrias em que nem a
cabeça nem o corpo funcionam», adianta Elsa Logarinho, que espera
que o futuro traga «terapias antienvelhecimento eficazes».
E a
depressão? O tempo que tinham para conversar está a terminar e
ainda não se falou da doença que dizem ser a epidemia deste século.
Portugal é dos países da Europa onde mais se consome ansiolíticos
e antidepressivos. A perspetiva de uma sociedade computorizada levará
a que a doença aumente ainda mais? Para a investigadora, «a
depressão vai crescer», mas diz que esta não é a sua área e que
tem muita dificuldade em classificar as doenças. «O que me preocupa
é o rótulo dado a estas doenças.» Sobrinho Simões comenta: «Há
muitas demências, mas não sei se há mais depressão. O que sei é
que somos dos povos do mundo que mais medicamentos tomamos para a
depressão. Somos grandes consumidores de pastilhas, pingos e TAC.»
«Eu
tomo algumas. Só de pensar que vou ter uma dor de cabeça tomo logo
uma pastilha», confessa. Elsa assume: «Não tomo nada. Mas no caso
do professor parece funcionar, pelo menos previne.»
Depois
do riso, a preocupação. «Ninguém sabe se a depressão está a
aumentar, o que está a aumentar são os velhinhos. E voltamos ao
mesmo, às doenças do futuro, que, no fundo, será uma só: o
envelhecimento.»
Doenças
previsíveis como artrite reumatoide, artroses, diabetes, cancro e
Alzheimer vão acompanhar-nos. Disto não há que duvidar. Poderemos
ser surpreendidos pelas imprevisíveis: as virais. E a surpresa pode
chegar pelo simples facto de se rejeitar a vacinação. «Podemos
voltar a ter doenças que pensávamos estarem erradicadas», alerta
Elsa. «Mas podem trazer algo mais sério, como o que aconteceu na
viragem do século xxi, o vírus HN1, ou até uma peste. É
catastrófico, eu sei, mas é o imprevisível.»
Para
2064, Sobrinho Simões tem um grande receio: «Como vai ser o poder?
Vai ser mais concentrado, mais capitalista, de face chinesa ou
americana? Vão ser poucos a mandar e o resto a trabalhar? Vão
querer que sejamos muito saudáveis e felizes para sermos mais
produtivos? Ou vão querer apenas mão-de-obra barata e tratar-nos à
bruta? Esta é a grande questão: como vai ser a política?»
«Se
não forem parvos, vão querer que sejamos civilizados, magrinhos,
saudáveis, simpáticos, bem-educados», diz a rir-se. Elsa
acrescenta: «E põem-nos a trabalhar até aos 80 anos.»
«Exatamente. Não tenho dúvidas de que as doenças do futuro serão
aquelas que os políticos quiserem, aquelas que surgirão das
políticas que aprovarem quer a nível ambiental quer de trabalho,
natalidade, lazer, prazer. Tudo isto importa.»
No
final, ainda há tempo para elogios, perguntas e comentários entre
os dois. «Aprendi imenso com ela. Pensa muito bem. Ainda está na
fase em que pensa que é praticamente imortal. Eu já estou na fase
em que não estou assustado, mas triste com a velhice. A Dra. Elsa
ainda tem o olho brilhante quando fala de tudo.»
Elsa
Logarinho contra-argumenta: «Eu é que continuo a aprender com o
professor. É um exemplo do que é o envelhecimento ativo. Portanto,
não pode estar pessimista. É o que todos deveríamos projetar para
nós em 2064.» Ele, que já passou por um acidente vascular
cerebral, confessa: «Sabe, tenho uma toxicodependência: o trabalho.
É uma fuga em frente.» Ela responde de forma positiva: «Apesar de
tudo, não é bom estar aqui?» «Sim, é bom. Se pudermos
levantar-nos de manhã», responde o professor a rir-se. O tempo
acabou. Agora esperava-o uma reunião em Coimbra."
Será
esta a receita para 2064?
Fonte: Diário de Notícias (Portugal)
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