Por Diogo Magri - EL PAÍS
"Com mais 2.009 óbitos confirmados nas últimas 24 horas, o Brasil superou nesta quarta-feira (24) a barreira das 300.000 mortes pela covid-19. Em um ano de pandemia, o país demorou 10 meses para chegar a duas centenas de milhares de vítimas, mas completou o último terço do trágico número numa velocidade recorde: 11 semanas, entre 7 de janeiro e 24 de março. O contexto explica os dados que representam o auge da “maior crise sanitária de todos os tempos”, como classificou a Fiocruz: atrasos na vacinação, boicote às medidas restritivas, falta de auxílio emergencial e uma nova variante mais transmissível que infecta famílias inteiras —até os mais jovens, que eram imunes aos sintomas mais graves da doença, hoje também ocupam espaço nas UTIs brasileiras.
Wygner Oliveira, 26, foi um deles. Sem nenhuma comorbidade ou problema de saúde, o coordenador de marketing de uma empresa de fast-food em Goiânia testou positivo no fim de fevereiro. Segundo ele, precisava sair do home office para visitar restaurantes da capital do Estado uma vez por semana, quando provavelmente se infectou. Com a oxigenação abaixo dos 90%, aguentou seis dias de falta de ar, dor de cabeça e tonturas até o hospital ter oxigênio para interná-lo, em 28 de fevereiro. Chegou a ficar com 72% do pulmão comprometido na UTI e saiu apenas em 6 de março, um dia antes do indicado pelos médicos. Isso porque quis ir ao velório da sua mãe, dona Célia, 65, que morreu por conta da covid-19 no dia anterior. Ela, que ajudou o jovem antes de ser internado, precisou ser intubada quando Oliveira já estava na UTI.
“Não lembro dos dias na UTI, não sabia que ela estava internada. Foi muito dolorido”, diz o jovem. “Eu não tenho problema de saúde, não fumo e não bebo. Já estou há 12 dias em casa, mas não sinto gosto e cheiro de nada, tomo três remédios para evitar a necrose no pulmão, tenho queda de cabelo, dores de cabeça diárias, fraqueza e falta de ar de acordo com os movimentos que faço”, conta. A possibilidade de se tornar incapaz fisicamente, relata Oliveira, é seu maior medo no momento.
Goiás registra, nesta quarta, 98,34% dos leitos de UTI para pacientes com o novo coronavírus ocupados. São apenas nove leitos livres de 541 totais. Boa parte deles, ao que indicam os estudos, não é mais composta por idosos. Segundo levantamento feito pela Fiocruz, 48,4% do total de internações em março no país são de pessoas com menos de 60 anos, a maior proporção na pandemia. Em março de 2020, o número era de 41,8%, e em dezembro desceu para 33%. No Estado de São Paulo, a faixa etária não idosa já corresponde a mais da metade das hospitalizações: 50,8% —em dezembro, o número era de 39,8%. Segundo dados da Sivep-Gripe processados pelo Observatório Covid-19 BR, o número de infectados entre 15 e 29 anos dobrou em São Paulo de fevereiro para março, enquanto a porcentagem de hospitalizações dessa faixa etária saltou de aproximadamente 5% no mês passado para quase 12,5% do total ainda que, segundo a entidade, as porcentagens “com certeza” serão alteradas com a chegada de mais dados. “As subidas e descidas do fim são muito mais um efeito dos atrasos das notificações. Como o contágio está generalizado, e afetando todas as faixas etárias, o aumento em algumas idades que antes eram menores acabam chamando mais a atenção”, ressalva Rafael Lopes, do Observatório.
Conforme informou a Prefeitura de São Paulo, o primeiro paciente a morrer por covid-19 sem conseguir um leito de UTI na maior cidade da América Latina foi Renan Cardoso, de 22 anos. Renan foi atendido em uma UPA da zona leste, na noite de 11 de março, e foi mantido em observação com dificuldade de respirar. No dia seguinte, foi solicitada uma vaga na UTI para o Sistema Cross, que regula os leitos do SUS no Estado, mas ele só foi liberado às 17h38 do dia 13. Renan havia morrido por uma parada cardiorrespiratória 20 minutos antes. “Não deu tempo por falta de socorro. Por falta de oxigênio, o meu filho não está aqui”, disse a mãe de Renan, Maria de Jesus, em entrevista à TV Globo. Nesta quarta (24), a Grande São Paulo tem 91,7% dos seus leitos de UTI ocupados.
No Hospital Emílio Ribas, um dos principais da capital São Paulo, a infectologista Rosana Richtmann garante que ao menos um terço dos internados tem menos de 40 anos. “É uma nova pandemia, diferente do que vimos no ano passado. A nova variante não tem um grupo específico, transmite mais fácil e tem uma virulência mais forte, provocando um aumento muito grande de casos graves entre os jovens”, afirma ela. Rosana Paiva dos Anjos, infectologista e professora da PUC-SP, corrobora: “O rejuvenescimento da covid-19 é uma percepção para todos os médicos que trabalham na linha de frente. Até porque, entre os idosos, quem tinha que desenvolver uma resposta já o fez e, quem não conseguiu, já foi a óbito”.
Richtmann pontua que, com uma transmissibilidade maior, o aumento de jovens infectados é fruto também de um aumento generalizado dos contágios, independente da faixa etária, como ressaltou o observatório. “Ainda assim, tem uma questão comportamental, com o ‘cansaço’ da pandemia”, diz. “O jovem tende a ser mais resistente ao isolamento, se expõe mais”, pontua Paiva dos Anjos. “Ele ainda demora mais para procurar o hospital quando é acometido, por achar que é mais resistente, então costuma chegar com um caso mais grave, que requer uma recuperação mais lenta”, acrescenta. De acordo com as médicas, essa postura, aliada ao fato dos mais novos não morrerem precocemente na terapia intensiva por terem mais condições de se recuperarem, faz com que essa faixa etária ocupe um leito de UTI por mais tempo que a média, algo relevante num contexto de lotação da terapia intensiva por todo o país.
“Subestimei o vírus e me ferrei”
Natália Albuquerque, 20, testou positivo em dezembro de 2020, mas tem os sintomas da doença até hoje. A estudante de arquitetura e urbanismo no Mackenzie, em São Paulo, diz que provavelmente foi infectada em uma aula de spinning que, apesar do distanciamento, fez em local fechado e com ar condicionado. “Foram 15 dias com dor de cabeça, sem olfato e paladar, e fiquei bem. Só que voltou um mês depois”, relata. Ela diz que estava em uma viagem que fez para Balneário Camboriú-SC, no fim de janeiro, quando percebeu que não sentia mais o cheiro de um perfume. A partir daí, teve olfato e paladar novamente prejudicados, sem conseguir diferenciar alimentos. “É difícil explicar, mas tudo tem um cheiro muito ruim, de esgoto, podre. Não consigo comer arroz e feijão e nem beber outra coisa que não seja água”, conta.
Natália pesquisou, foi a uma otorrinolaringologista e, depois de exames, descobriu que tinha parosmia, uma disfunção do olfato relacionada a uma inabilidade do cérebro que aparece como uma das possíveis sequelas da covid-19. Após mais de um mês de tratamento com exercícios, vitaminas e soros, a estudante diz estar “60% bem”, uma evolução relativamente rápida —ela conta que descobriu casos que demoraram mais de um ano antes de melhorar. Ainda como parte do tratamento, ela foi receitada com gabapentina, um medicamento anticonvulsionante usado para casos de epilepsia com diversos efeitos colaterais, entre eles alguns que, segundo Natália relata, poderiam ajudá-la no olfato. “Mas ainda não tive coragem de tomar, acho que só se piorar”, confessa.
Natália Albuquerque, 20, tem olfato prejudicado quatro meses após a infecção. |
Wygner e Natália, que sofrem na pele as sequelas, têm recados parecidos. “Eu acabei servido de exemplo pra pessoas próximas, que não imaginavam alguém saudável ficando em um estado tão crítico. É nítido que as pessoas só começam a dar importância sobre o que está acontecendo quando ocorre na família”, aponta Wygner. “Eu mesmo tinha essa visão, meus amigos ainda pensam assim”, continua Natália. “Eu saí na quarentena para me divertir, mas não é brincadeira. As sequelas ficam, mexem o psicológico, tiram alguns prazeres. As pessoas têm que tomar cuidado e não subestimar, porque eu subestimei e me ferrei”."
Fonte: El País - Brasil
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