Kit Covid-19 |
Por Maria Alice Prado - Veja São Paulo
"O chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19 foi propagandeado pelo presidente Jair Bolsonaro desde os primeiros meses da pandemia. Na mesma época, estudos científicos ao redor do mundo já certificavam a ineficácia de qualquer tratamento preventivo para a doença. No entanto, o “kit covid” continuou a ser difundido pelas autoridades federais brasileiras e pelo próprio Ministério da Saúde. Passadas mais de 300 mil mortes pela Covid-19 no país, médicos relatam efeitos colaterais graves em pacientes que tomaram medicamentos sem comprovação científica para o vírus, como lesão renal, arritmia cardíaca e dificuldade no tratamento de casos graves.
O “kit covid”, distribuído por secretarias municipais da Saúde pelo Brasil afora, inclui drogas como hidroxicloroquina, ivermectina, corticoides, azitromicina e anticoagulantes. “O que tem preocupado muito [os médicos] é que as pessoas estão desesperadas para tomar algum tipo de tratamento. Muitas vezes, elas não só lançam mão do 'kit covid', mas de várias outras coisas, como vitamina D, de anti-inflamatórios, corticoides. Não tem sido incomum a gente ver pacientes com muitos efeitos colaterais decorrentes desse tipo de medicação”, relatou o Dr. Christian Morinaga, gerente do Pronto Atendimento do Hospital Sírio-Libanês, à VEJA São Paulo.
O Dr. Carlos Carvalho, chefe de pneumologia do Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas (Faculdade de Medicina da USP), confirma a incidência de lesão em ductos na região do fígado em pacientes que fizeram uso de ivermectina, droga usada para combater verminoses. Em alguns casos, ele relata a necessidade de transplante hepático (fígado). O médico afirma que há a impressão que as infecções mais graves pela Covid-19 são notadas em pacientes que fizeram uso do “kit covid”.
“Aqui nós temos hoje 150 pacientes internados no InCor. Se eu fizer uma enquete, eu te diria que dois terços a três quartos desses pacientes que estão aqui internados, sendo a maioria deles intubados, tomaram o kit covid”, descreve o pneumologista. “Quem falou que deu o ‘kit covid’ para população e disse que o resultado foi estupendo não vivenciou o doente grave que tá aqui nas UTIs e no Hospital. A maior parte dos que estão aqui hoje tomaram”, continua. Nesta semana, o Estadão relatou que cinco pacientes entraram na fila do transplante de fígado após tomarem os medicamentos do chamado 'tratamento precoce'.
Para os pacientes que fizeram uso da cloroquina ou hidroxicloroquina e contraíram a Covid-19, os médicos relatam alterações no ritmo cardíaco. O Dr. Christian diz que o uso indevido da ivermectina e da azitromicina pode inflamar o fígado. Nos pacientes infectados com a Covid-19 em um estágio avançado da doença, quando é necessário outras medicações para o tratamento, a inflamação e os demais efeitos colaterais prejudicam a cura da infecção. “Quanto mais órgãos vitais forem inflamados e lesados maior é a letalidade dessa doença”, explica Dr. Carlos Carvalho.
Os casos de hepatite medicamentosa têm aumentado, mas a gente não teve notícia de nenhum caso grave, felizmente. Nestes casos, com a suspensão da medicação, houve melhora. Porém, é um quadro potencialmente grave que, num pior cenário, pode prejudicar muito o tratamento”, explica Christian sobre os casos no Sírio-Libanês. No entanto, Luiz Carneiro D’Albuquerque, chefe de transplantes de órgãos abdominais do HC-USP e professor da universidade, disse ao Estadão que dos quatro pacientes colocados na fila do transplante no HC, dois tiveram a condição de hepatite e morreram antes da operação.
Preocupações
A hidroxicloroquina é um medicamento normalmente utilizado no tratamento de lúpus, artrite reumatoide, doenças fotossensíveis e malária. A ivermectina é um vermífugo usado para combater vermes, piolhos e carrapatos. A azitromicina é um antibiótico utilizado em casos de infecção bacteriana. Nenhum deles previne a contaminação pelo coronavírus.
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