terça-feira, 18 de maio de 2021

"Na CPI, Araújo diz que Bolsonaro promoveu corrida à cloroquina"

Ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo na CPI da Covid no Senado

Por Felipe Frazão - Estadão

"O ex-chanceler Ernesto Araújo jogou nesta terça-feira, dia 18, a responsabilidade sobre a estratégia para obtenção de vacinas para o Ministério da Saúde. Na prática, Araújo implicou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na escassez de vacinas, na véspera do interrogatório do general da ativa do Exército à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. No depoimento, Ernesto Araújo também envolveu diretamente o presidente Jair Bolsonaro nas decisões de mobilizar a rede diplomática do Itamaraty em busca de medicamentos alternativos à vacina e sem eficácia científica comprovada, como a cloroquina fabricada na Índia e um spray nasal em desenvolvimento em Israel.

Evasivo durante o depoimento, Araújo disse que o Itamaraty servia como um executor de solicitações da Saúde, tanto na busca por insumos farmacêuticos, vacinas e equipamentos hospitalares. Toda a coordenação técnica e estratégica, segundo o ex-chanceler, era do Ministério da Saúde. “A linha do Itamaraty foi atuar na linha do que era pedido pelo Ministério da Saúde”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores.

Confusão sobre vacinas

Araújo disse ainda que nas reuniões ministeriais dais quais participou a compra de vacinas para a covid-19 não era discutida especificamente. A exceção foi o encontro que ocorreu em fevereiro ou março deste ano, quando se teria debatido o contato de Bolsonaro com a Pfizer. “Com exceção em março ou fim de fevereiro onde se decidiu que o presidente faria contato com presidente da PFizer para obtenção da vacina da Pfizer. Foi reunião onde o presidente disse ‘sim, quero falar com o presidente da Pfizer’”, relatou Araújo.

Para senadores oposicionistas da cúpula da CPI, o depoimento de Ernesto deixa Pazuello em situação delicada. “Ele sistematicamente enfatizou que todas as iniciativas da política externa aconteceram em função de decisões e influência do Ministério da Saúde, à exceção da importação de cloroquina, porque ele discutiu com o presidente, e da viagem a Israel. Ao dizer isso ele transfere o ônus da responsabilidade ao ex-ministro Pazuello, diretamente, sem subterfúgios”, disse o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). 

Bolsonaro só falou de comprar a vacina da Pfizer em fevereiro

“A melhor coisa que Eduardo Pazuello tem a fazer é vir a essa CPI e colaborar, ele está sendo abandonado. O que está sendo feito pelo governo com o senhor Pazuello é um ato de covardia. Está sendo entregue aos leões para ser o bode expiatório e pagar o preço sozinho. A pergunta a ele será: O senhor foi o único responsável por tudo isso?”, afirmou o Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão.

Corrida por cloroquina

O ex-chanceler confirmou a troca de mensagens revelada pelo jornal Folha de S. Paulo com a Embaixada em Nova Déli para tentar viabilizar a compra de insumos de fabricação de cloroquina. Araújo disse que conversou com o presidente Bolsonaro sobre a busca por cloroquina e que havia um pedido do Ministério da Saúde, pois o medicamento poderia entrar em falta. A intenção era preservar o estoque regulador de remédios propagandeados pelo presidente e contestados na comunidade científica. 

Segundo ele, Bolsonaro chegou a pedir uma conversa por telefone com o premiê indiano, Narendra Modi, na tentativa de sensibilizar o governo da Índia a dar aval para a importação. “Nesse caso é o mesmo caso anterior: um pedido do Ministério da Saúde, tendo em vista, pelo que nos foi comunicado à época, a baixa do estoque de hidroxicloroquina no Brasil, um remédio usado inclusive para outras doenças”, disse Araújo. “O presidente da República, em determinado momento, pediu que o Itamaraty viabilizasse um telefonema dele com o primeiro-ministro (Modi).”

Ele também disse que a viagem a Israel, realizada neste ano, para conhecer o spray que o presidente dizia ser milagroso e que estava em fase de testes surgiu a partir de um telefonema de alto nível político, em fevereiro, entre Bolsonaro e o premiê israelense Benjamin Netanyahu. Ele não soube especificar qual a função exercida na missão pelo assessor presidencial Max Guilherme Machado de Moura, ex-policial militar que atuou como segurança de Bolsonaro. Segundo ele, o assessor fez contatos políticos.

Em pelo menos duas ocasiões, a versão do ministro se chocou com informações repassadas ao Itamaraty ao Congresso Nacional. À CPI, o MRE disse que viabilizou a recepção no País de contribuições vindas da Venezuela. O governo bolivariano autorizou a doação de uma carga de oxigênio em cilindros durante a crise de Manaus (AM), que provocou um colapso em UTIs e mortes. Também houve indicação da White Martins de que havia estoque disponível em sua planta venezuelana. 

Participação do assessor do presidente em comitiva

O Brasil não mantém relações com o governo Nicolás Maduro, a quem Bolsonaro se opõe. Senadores contestaram essa versão de intervenção do Itamaraty, já que nem mesmo um avião foi disponibilizado para buscar oxigênio hospitalar no país vizinho. Caminhões trouxeram o oxigênio por via terrestre.

Araújo por fim negou que tenha telefonado à chancelaria de Maduro, seja para pedir a doação, seja para agradecer pela carga remetida pelos chavistas.

No entanto, disse ter determinado, ao saber da possibilidade de doação, que diplomatas se mobilizassem e acompanhassem procedimentos burocráticos, através da Agência Brasileira de Cooperação, "para viabilizar o mais rápido possível essa doação, sem nenhum percalço político, de nenhuma maneira".  

“Eu me lembro de que coloquei colegas, funcionários de alto nível para monitorar, inclusive durante a noite, se houvesse algum problema na passagem da Receita Federal ali na fronteira, para que pudéssemos comunicar: ‘Não, isso é uma doação que, sim, nós estamos aceitando’. Então, fizemos plenamente o nosso papel, sem nenhum impedimento de natureza política”, afirmou Araújo. 

O ex-ministro admitiu que houve omissão de informações ao Congresso. Segundo ele, a missão de Israel foi solicitada depois de um telefonema, em fevereiro, entre o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e Bolsonaro, em que trataram com "entusiasmo"de medicamentos com potencial de cura da covid-19. À CPI e à bancada do PSOL na Câmara, o Itamaraty não relatou o telefonema que implica Bolsonaro e disse que houve convites reiterados em 2020 para visita de Ernesto Araújo, depois que o general Gabi Ashkenazi assumiu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do país.

Ernesto negou embates públicos com a China. Em alegação falsa, ele disse que nunca proferiu, em seu entendimento, frases de cunho preconceituoso ou antichinês. Também afirmou que frases do presidente, seus filhos e aliados já rebatidas por Pequim em protestos diplomáticos do governo Xi Jinping, possam ter atrapalhado as relações entre os países ou prejudicado a obtenção de vacinas ou insumos fabricados na China.

“Nenhum dos atos do presidente prejudica as nossas relações”, disse o ex-ministro. "Não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito em nenhum momento como antichinesa. Houve determinados momentos em que, como se sabe, por notas oficiais, o Itamaraty, eu tomei a decisão, nós nos queixamos de comportamentos da Embaixada da China ou do embaixador da China em Brasília, mas não houve nenhuma declaração que se possa qualificar como antichinesa. Enfim, não há nenhum impacto de algo que não existiu."

Com a base do governo acuada, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi ao plenário da comissão elogiar a participação do ex-ministro. Ele disse que Ernesto foi “transparente, esclarecedor e não caiu em desavenças com o presidente”. “Hoje a oposição teve mais um dia difícil”, provocou o filho do presidente.


Os senadores quiseram saber sobre a interferência no governo do vereador no Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mas o ex-ministro esquivou-se de responder. Também disse que em reuniões com ministros no Palácio do Planalto não saberia dizer se havia pessoas de fora do quadro de servidores federais presentes que talvez não conhecesse.
 
Ernesto mudou versões durante o depoimento e alegou que teve dificuldade de compreender perguntas. Ao responder ao senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), disse que o presidente nunca o havia demandado para atuar ou se omitir em relação a vacinas. Citou apenas uma ocasião em que Bolsonaro quis saber dos motivos que levaram ao atraso no envio dos primeiros 2 milhões de doses da AstraZeneca fabricadas na Índia – e que não foram as primeiras exportadas pelo país, ao contrário do que sustentou perante aos senadores. Depois disse que participou de algumas reuniões na presença do presidente."

Fonte: Estadão

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