sexta-feira, 18 de novembro de 2022

"CACs perdem direitos e têm de devolver armas? Entenda ‘revogaço’ de decretos proposto por Lula"

s armas nas mãos de civis quase triplicaram. Passaram de 695 mil para 1,9 milhão, somando registros da Polícia Federal e do Exército Foto: Wilton Junior/Estadão
As armas nas mãos de civis quase triplicaram. Passaram de 695 mil para 1,9 milhão, somando registros da Polícia Federal e do Exército Foto: Wilton Junior/Estadão© Fornecido por Estadão

Por História por Ítalo Lo Re, Estadão

"A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira, 17, que o governo deve revogar atos do presidente Jair Bolsonaro (PL) que culminaram no aumento do acesso a armas de fogo pela população. Conforme levantamento do Instituto Sou da Paz, foram ao menos 44 regulamentos nesse sentido ao longo dos últimos anos, a grande maioria decretos e portarias.

Como consequência, as armas nas mãos de civis quase triplicaram. Passaram de 695 mil para 1,9 milhão, somando registros da Polícia Federal e do Exército. São mais de 1 milhão só com CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a revogação das normas pelo governo Lula teria efeito imediato para dificultar novas compras, mas o que será feito com as armas já adquiridas está indefinido.

Na avaliação do gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, não deve haver mudanças drásticas para a maior parte das pessoas que têm armas hoje. “O que eu acredito que mudará é a correção de excessos”, explica. Como exemplo, ele destaca que o governo Bolsonaro liberou até 15 fuzis por CACs, além de permitir a compra de até 6 mil munições por ano. Alguns desses limites, portanto, podem ser reduzidos.   

“Para pessoas que compraram armas de calibre restrito, pode ser que o governo volte a restringir esses calibres”, continua Langeani. Nesse caso, ele destaca que há diferentes caminhos sobre o que fazer com os estoques já comprados.    

Após proibir posse de fuzil por civis, países como Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, optaram por uma política específica de “recompra” dessas armas, pagando um valor de indenização. No Brasil, o que ocorreria com a revogação dos decretos não está tão claro.

Paralelamente, o gerente de projetos do Sou da Paz ressalta que outro ponto que pode ter alterações são os pré-requisitos para adquirir e manter uma arma. “A lei brasileira diz que é preciso não só apresentar antecedentes criminais e passar por testes psicológicos, como comprovar necessidade (de aquisição da arma). Esse tipo de requisito deve voltar a ser solicitado”, afirma Langeani.

Ele também aposta que os prazos de validade dos testes de aptidão devem ser alterados. “Quando a Lei (do Desamarmento) foi aprovada, em 2003, uma pessoa que comprava uma arma para ter em casa, ou mesmo para praticar tiro esportivo, precisava, a cada três anos, apresentar de novo os requisitos (como exames de vista e psicológico) para dizer que ela estava em condições de manusear essa arma”, diz. “Bolsonaro mudou isso para dez anos.”  

Mudanças de Bolsonaro promovidas por decreto facilitam reversão

Levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que mais de 90% das cerca de 44 alterações nos regulamentos que facilitam a aquisição de armamentos foram feitas por decretos e portarias. Na prática, isso facilita a reverter as medidas e adotar novas políticas.

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    Reunião equipe de transição                         Foto: fornecida por Estadão

“Assim como Bolsonaro editou os decretos, o Lula, ou qualquer outro presidente, poderá revogar”, afirma o professor de processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró.

Nesse contexto, Badaró aponta que o governo pode criar, assim como fez na época do Estatuto do Desarmamento, um programa de entrega de armas de fogo mediante indenização. “É uma questão de opção do governo. Se fizer isso, ele vai estimular o desarmamento da população”, afirma o professor de Direito. O recolhimento generalizado, por outro lado, é uma hipótese apontada como improvável.

Sobre uma possível judicialização desse assunto no futuro, o professor de Direito afirma que não dá para prever se haverá uma escalada nesse sentido, mas não descarta essa consequência. “Tanto usuários quanto fabricantes de arma de fogo muito provavelmente buscarão, no Poder Judiciário, barrar a eficácia de um eventual decreto que restrinja a possibilidade de aquisição de utilização de armas de fogo.”

Para Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a revogação dos decretos e portarias é a “parte mais fácil”. “Mas só isso não basta, é preciso investimento adequado e ação”, afirma. Do contrário, ele alerta que uma arma de fogo pode continuar em circulação na sociedade até por mais de 50 anos.

Dados reunidos pelo Instituto Sou da Paz apontam que, em 2021, a Polícia Federal teve o pior desempenho em apreensões desde 2013. “É necessário investir na Polícia Federal e no Exército para que possam exercer fiscalizar a circulação de armas irregulares”, destaca Marques. Os órgãos são os responsáveis por monitorar as armas com civis no País.  

Decretos podem ser revogados por outros decretos, aponta professor

Professor de Direito Constitucional do Mackenzie, Flávio de Leão reforça que, quando uma lei passa a vigorar, precisa ser regulada, detalhada e operacionalizada. É aí que entram os decretos presidenciais. “Eles são atos típicos e de competência do Poder Executivo. Então, podem ser revogados por outros decretos”, explica.

Segundo ele, essas normas entram em vigor de imediato e podem gerar uma situação de ilegalidade mesmo para quem adquiriu as armas regularmente. Não é uma situação de direito adquirido, como costuma ocorrer com aposentadoria. “Não se está privando a pessoa de ter armas, o decreto regula a quantidade”, afirma Leão.

Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para referendar a decisão do ministro Edson Fachin sobre três ações distintas relacionadas às dezenas de afrouxamentos da política de controle de armas, feitas pelo Executivo nos últimos três anos e meio.

As decisões não revogaram decretos publicados pelo governo federal, mas anulam alguns pontos que o Supremo considera terem extrapolado o poder regulamentar do Executivo. A decisão estabeleceu que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada para quem demonstrar necessidade concreta, por razões profissionais ou pessoais, e que a compra de armas de uso restrito depende do “interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional”."

Fonte: Estadão

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