Imagem: Edgar Kanaykô |
Por frei Gilvander Moreira
"Em um país latifundiário como o Brasil, com uma das maiores concentrações de propriedade fundiária do mundo, o que causa uma brutal injustiça agrária, que sustenta injustiça social, urbana e ambiental, é necessária a luta pela terra para democratizarmos o acesso à terra, mas esta luta não pode ser feita com uma metodologia anacrônica, precisa estar em sintonia com os desafios e complexidade da atualidade. Não pode ignorar a historicidade de certas concepções. “A burguesia revoluciona as relações de produção e passa a conquistar cada vez mais espaços, a dominar a natureza através do conhecimento metódico, e converte a ciência, que é um conhecimento intelectual, uma potência espiritual, em potência material, por meio da indústria. Nesse quadro, surgem as cidades como local determinante das relações sociais. Em lugar do que ocorria na Idade Média, em que o campo determinava a cidade, a agricultura determinava a indústria, na época moderna é a cidade que passa a determinar as relações no campo e é a indústria que rege a agricultura” (SAVIANI, 2013, p. 82).
Santana e João, casal exemplar no P.A Paulo Freire, em Arinos, MG! Exemplo de luta pela terra!
Dermeval Saviani tem razão ao pontuar as mudanças, acima referidas, mas consideramos que o poder opressivo não está apenas nas cidades em si e nem na indústria em si, mas no sistema do capital que ancora na cidade e na indústria organizadas de forma capitalista – e atualmente no capital financeiro – a trama opressiva que superexplora a classe trabalhadora e expropria o campesinato.
De Riachinho/MG: Dona Antônia, 1ª professora do sertão do Urucuia, e Sr. Vadu: uma história exemplar
A luta pela terra para ser pedagogia de emancipação humana precisa aglutinar e construir uma unidade entre muitos aspectos que são imprescindíveis e indissociáveis na construção do novo ser humano e de uma sociedade para além do sistema do capital. Um desses aspectos é a continuidade da luta pela terra e o zelo constante por todos os aspectos da luta. Quando acontece a descontinuidade dos processos de formação de base e de lideranças, deixam-se alguns aspectos atrofiados, vitórias parciais conquistadas na luta pela terra são comprometidas e o que era avanço se torna um retrocesso.
Horta Comunitária e Escola Indígena na Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: BELEZA!
A experiência de luta pela terra, com tudo que a envolve, atesta que a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e muitos outros Movimentos Sociais Camponeses, como sujeitos que, ao lado de muitas outras forças vivas e rebeldes da sociedade, estão tocando adiante algo de transformação social e de emancipação humana, fazendo-se humano e sujeito social construindo História, despertando o que há de melhor no sujeito humano. Nessa esteira, Roseli Caldart defende que “educação como formação humana na perspectiva da emancipação humana e da transformação social é o desenvolvimento da consciência histórica: o saber-se parte de um processo que não começa nem termina com cada pessoa, ou cada grupo humano, ou cada classe social” (CALDART, 2012, p. 93). Para se emancipar humanamente não basta ‘desenvolver a consciência histórica’ reconhecendo-se parte de um processo histórico e cultural, mas exige-se a construção de condições históricas materiais que de fato promovam transformação na raiz maior geradora de ideias mistificantes – ideológicas - que mais encobrem o real do que o revelam. Até porque a experiência se dá em determinadas condições materiais objetivas que a molda, conforme avalia Edward Thompson: “Experiência foi, em última instância, gerada na vida material, foi estruturada em termos de classe, e consequentemente o ser social determinou a consciência social” (THOMPSON, 1981, p. 189).
"Não aceitamos despejo nem mortos!" Povo da Ocupação Fábio Alves no Barreiro, em BH/MG.
Não se caminha rumo à emancipação sem se pensar autenticamente, o que é perigoso. Reconhecemos a diferenciação existente entre verdade e conhecimento. “Não existe conhecimento desinteressado” (SAVIANI, 2013, p. 8). Conhecimento exprime relações de poder e dominação. Temos que buscar sempre elucidar os conflitos, confrontos, antagonismos, que muitas vezes são dissimulados nos discursos sobre a luta pela terra. A busca por pedagogia de emancipação humana implica desmascarar muitas pedagogias que, travestidas de pedagogias emancipatórias, são, de fato, pedagogias brutais e violentadoras, conforme denuncia Miguel Arroyo referindo-se às lutas dos movimentos populares camponeses: “As vítimas dessas brutais e persistentes pedagogias ao afirmar-se presentes desocultam as pedagogias de inferiorização, subalternização, que pretenderam destruir seus saberes, valores, memórias, culturas, identidades coletivas” (ARROYO, 2012, p. 13). Pela sua atuação coletiva, sua presença no meio dos camponeses injustiçados e dos movimentos populares ou nas escolas e universidades, a CPT, o MST e outros Movimentos Camponeses apresentam pela sua práxis outras pedagogias. “Reconhecer ou ignorar essas pedagogias de libertação, emancipação passa a ser uma questão político-epistemológica para as teorias pedagógicas” (ARROYO, 2012, p. 15). Isso passará pela desconstrução de processos pedagógicos que, de forma tergiversada, decretam e constituem a classe camponesa como inferior, inexistente, subalternizada. Pensar e fazer e/ou fazer e pensar a luta pela terra para que seja pedagogia de emancipação humana exige considerar “os elementos materiais da formação humana” (ARROYO, 1991, p. 215). A luta pela terra pode ser pensada como pedagogia de emancipação humana, pois pode criar relações sociais que transformem o modo de produção capitalista superando-o e criando as bases para um sistema de produção onde sejam superados dois grandes obstáculos: a propriedade capitalista da terra e a divisão do trabalho que resulta em superexploração dos trabalhadores através da extração permanente e ampliada de mais-valia.
Com + de 600 casas, Povo da Ocupação Prof. Fábio Alves, no Barreiro, BH/MG, jamais aceitará despejo
“A sociedade contemporânea assenta toda na exploração das amplas massas da classe operária por uma minoria insignificante da população, pertencente às classes dos proprietários agrários e dos capitalistas. Essa sociedade é escravista, pois os operários “livres”, que trabalham toda a vida para o capital, só “têm direito” aos meios de subsistência que são necessários para manter os escravos que produzem o lucro, para assegurar e perpetuar a escravidão capitalista” (LÊNIN [1905], 2012, p. 1).
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Enfim, a luta pela terra, enquanto pedagogia emancipatória, nos mostra que sem conquistarmos justiça agrária será impossível conquistarmos justiça social, urbana e ambiental e superarmos as brutais desigualdades econômicas, sociais, raciais, de gênero etc. Na injustiça agrária, por meio do aprisionamento da terra, está o tronco que sustenta todas as outras injustiças. Ou seja, enquanto perdurar no Brasil uma estrutura fundiária pautada no latifúndio, as classes camponesa e trabalhadora seguirão sendo superexploradas pelos capitalistas da cidade e do campo. E pior, toda a biodiversidade seguirá sendo devastada. Portanto, lutar pela democratização do acesso à terra se tornou uma necessidade para continuarmos existindo. Sem luta pela terra e sem resistência na terra, não existiremos."
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Frei Gilvander Moreira escreve para o Jornal
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
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