Ritalina tem propriedade de estimular concentração e reduzir impulsividade (GETTY IMAGES) |
Durante a década de 1960, era comum, nos Estados Unidos, que crianças hiperativas recebessem um medicamento para ajudá-las a se concentrar nas aulas.
A
chamada "pílula da matemática", a ritalina, continua
sendo um dos tratamentos mais usados em vários países para tratar o
transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
Seu
principal componente, o metilfenidato, da família das anfetaminas,
tem a propriedade de estimular a concentração e reduzir a
impulsividade.
Essas
qualidades eram consideradas necessárias dentro da transformação,
durante a década de 1960, do sistema escolar dos EUA, que queria
competir com a União Soviética no contexto da Guerra Fria, de
acordo com o historiador Matthew Smith, da Universidade de
Strathclyde (Escócia) e autor do livroHyperactive: The
Controversial History of ADHD ("Hiperativos: a
controversa história do TDAH", em tradução livre).
Atualmente, Ritalina é usada em diversos países para tratar o transtorno de hiperatividade e outras condições - (SCIENCE PHOTO LIBRARY) "Havia uma corrida científica e espacial com a União Soviética, e por isso o novo sistema educativo exigia que as crianças permanecessem sentadas em suas carteiras fazendo tarefas", disse. |
Então
como ela acabou virando a solução predileta dos pais e psiquiatras
para os pequenos hiperativos?
Fármacos no pós-guerra
Existe
uma lenda de que Panizzon batizou o medicamento de "ritalina"
em homenagem a sua mulher, Margarida, que chamava pelo apelido
carinhoso de Rita.
"Ela
tomava o comprimido antes de jogar tênis. Aparentemente, sofria de
pressão baixa e isso lhe dava um empurrão na partida",
destacou Smith.
O
laboratório onde ele trabalhava, Ciba, começou a comercializar o
fármaco para adultos com a mensagem de que era mais forte que uma
xícara de café, mas não tão intenso, nem com os efeitos
secundários de outras anfetaminas mais potentes.
Havia uma corrida científica e espacial com a UniãoSoviética, e por isso o novo sistema educativo exigia
que as crianças permanecessem sentadas em suas
carteiras fazendo tarefas Matthew Smith, Historiador
Na
época de seu surgimento, o mercado de medicamentos passava por
várias mudanças e avanços.
No
pós-guerra, começaram a ser tratadas doenças como tuberculose, e
teve início a vacinação contra a pólio.
"As
pessoas começaram a recorrer a fármacos como solução para tudo",
disse Smith, acrescentando que drogas psiquiátricas também geraram
otimismo e que isso se manteve por mais duas décadas até a
descoberta de efeitos secundários e de seu potencial viciante.
Fórmula para crianças
Em
uma pesquisa de 1937, o psiquiatra Charles Bradley fez uma
descoberta: depois de administrar anfetaminas a um grupo de crianças
para tratar dores de cabeça, ele notou que elas tinham o
surpreendente efeito de estimular sua concentração.
A chamada "pílula da matemática" continua sendo um dos tratamentos mais usados nos EUA e outros países para regular o TDAH - (GETTY IMAGES) |
Sua
descoberta foi investigada duas décadas depois, quando o psicólogo
clínico Keith Conners, em 1964, da Universidade Johns Hopkins em
Baltimore (EUA), fez o primeiro ensaio clínico aleatório com
ritalina em crianças com "transtornos emocionais".
O
jovem pesquisador estava intrigado com a possibilidade do tratamento
com drogas, porque os baseados em terapia não pareciam dar
resultado.
O
estudo mediu concentração, níveis de ansiedade e impulsividade.
A
resposta das crianças foi imediatamente positiva.
Estavam emocionadas de tomar um remédio que ajudava com suas tarefas. Sentiam que já não eram crianças problemáticas ou másKeith Conners, Psicólogo
"Estavam
emocionadas de tomar um remédio que ajudava com suas tarefas.
Sentiam que já não eram crianças problemáticas ou más",
disse Conners à BBC.
Depois
que Conners e seus colegas publicaram os resultados, a ritalina
começou a ser usada com mais frequência para tratar hiperatividade
em crianças americanas.
Segundo
o historiador Matthew Smith, os professores começaram a indicar
crianças com problemas de conduta a psiquiatras, que quase sempre
diagnosticavam transtorno de hiperatividade.
"O
sistema escolar pressionava as crianças a se sentarem quietas nas
carteiras e se concentrarem", disse Smith.
Consumo 'excessivo'
Apesar
de haver ajudado a popularizar o medicamento na sociedade americana,
Conners acredita que hoje ele é usado em excesso.
Para psicólogo Keith Conners, há excesso no diagnóstico de TDAH |
"Quando
começamos, não conseguíamos convencer as pessoas de que havia
crianças com TDAH. Agora parece que elas são encontradas até
embaixo das pedras", disse ele à BBC.
O
psicólogo considera que este transtorno está sendo diagnosticado de
forma excessiva e que outros fatores são ignorados.
"Um
número significativo de crianças em idade escolar é dignosticado
com TDAH quando, na realidade, pode ser que sejam muito jovens para a
série em que estão. Ou podem ter outras desordens parecidas com o
TDAH", disse.
No
Brasil, a discussão sobre consumo excessivo da droga entre crianças
também ocorre.
Um
boletim divulgado no ano passado pelo Ministério da Saúde diz que,
segundo o Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de
Medicamentos, o Brasil era, em 2010, o segundo maior consumidor de
ritalina do mundo.
O
ministério recomendou que os Estados aumentassem o controle sobre
prescrição e distribuição da droga para evitar a "medicação
excessiva" de crianças.
O
documento diz que há estimativas discordantes sobre a ocorrência de
TDAH em crianças e adolescentes no Brasil, que variam de 0,9% a
26,8%.
Fonte: BBC Brasil
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