Por Pedro Magalhães Ganem
"Quanto mais
eu leio (ultimamente
só tenho lido sobre criminologia) mais
eu me insurjo contra o Estado (ou
ao que ele atualmente representa) e, consequentemente, a sua
capacidade de piorar a situação, sendo que nesse
texto falarei um pouco do pós estupro e de toda a
dificuldade existente
no Sistema para que uma mulher denuncie as práticas abusivas.
Deixo claro que não
desconheço, tampouco desmereço a violência sexual praticada contra
pessoas do sexo masculino, quase sempre voltados para as crianças,
mas nesse texto tratarei sobre a violência contra a mulher, haja
vista que é aquela que mais vejo em meu ambiente de trabalho.
Já
vou falando logo que não
quero e nem posso relatar e dimensionar o real sofrimento das
mulheres,
até mesmo pelo fato de que não sou mulher, apenas
quero relatar a atuação do Estado e
como ele faz questão, sabe-se lá o motivo, de também ser mais um
violentador.
Além
do inimaginável sofrimento causado pela violência sexual, quando a
mulher tem que relatar esses fatos, muitas vezes nas
Delegacias, enfrenta
os mais diversos obstáculos e
constrangimentos possíveis.
Você
já foi a uma Delegacia ou ao IML/DML?
O
ambiente não é nada
acolhedor.
Não me refiro aos servidores, mas de todo o lugar em si. Ninguém
entra ali e fica confortável para
relatar o que quer que seja, muito menos uma violência sexual.
Imaginemos,
então, a
vítima, abalada pelo crime, entra em uma Delegacia, e passa a
relatar (a
pessoas que estão acostumadas a trabalhar na maioria das vezes
apenas com "bandidos", talvez sem a sensibilidade
necessária para o assunto), na presença de um Delegado, um Escrivão
e, talvez, um advogado quais foram os atos praticados.
São feitas perguntas
específicas, minuciosas, forçando a memória e o psicológico já
abalado da vítima.
Caso
o réu tenha sido preso, deverá passar pelo procedimento
de reconhecimento.
Na
maioria dos casos, os
relatos são feitos a homens,
ou seja, a
mulher, agredida
por um homem, tem
que esclarecer os fatos para outro homem,
meio que de forma a convencê-lo de que aquilo realmente se tratou de
um crime.
Além
da estrutura física deficiente, o servidor, muitas vezes,não
foi preparado pelo Estado para
atuar nessa seara da forma como deveria ser, isto é, não
tem o tato necessáriopara
abordar os assuntos sem ser agressivo e inquisidor.
Ademais,
após prestar suas declarações, a
vítima é submetida a exames para
comprovação da prática criminosa e coleta de eventuais vestígios.
Exame
de conjunção carnal e coito anal.
Só o nome já é estranho, imagina o procedimento.
Cara,
não é por nada, mas esses
exames são feitos nos mesmos lugares onde são feitos os exames
cadavéricos (não
necessariamente na mesma sala, mas no mesmo ambiente), no IML/DML,
imagina só, então, o climão a que a vítima é exposta.
Dependendo
do resultado dos exames, pode ser ouvida novamente. Caso contrário,
se for proposta a ação criminal, passados, por sorte, alguns meses
ou pouco mais de um ano,será
chamada para ser ouvida perante um juiz ou uma juíza.
Durante
a audiência, com o representante da Justiça e do Ministério
Público, bem como da defesa do acusado, podendo ser Advogado ou
Defensor Público, será novamente
perguntada sobre todos os fatos que deram ensejo ao
processo, detalhadamente, bem
como terá quereconhecer
o réu.
Mais
uma vez ela esbarra em uma estrutura física precária e um sistema
penal não
está preparado para lidar com vítimas, apenas com "bandidos".
Novamente,
poderá ser perguntada de
forma a parecer que ela mesma era a acusada e não a vítima,
sendo até mesmo "julgada".
Algumas
vezes, passados
alguns anos dos fatos (caso
o réu esteja solto, o inquérito tenha demorado para ser concluído,
a Vara em que tramita esteja sobrecarregada) é queserá
chamada para prestar suas declarações em Juízo.
Assim, aquilo que talvez já estivesse "adormecido", quando
é forçada a reviver, por meio da audiência, aflora
novamente,
causando ainda mais transtornos.
E
olha que nem estou falando do fato do
caso em si ser exposto pela mídia,
pois nesse caso as consequências são ainda mais catastróficas,
tamanha a repercussão que pode tomar.
Percebe-se,
então, que em todos os momentos a
vítima é forçada (muitas
vezes na forma literal da palavra) a
reviver a cena de violência, contando
para pessoas estranhas e, talvez, intimidadoras, em ambientes também
estranhos e intimidadores, tudo o que passou, detalhe por detalhe.
Na
hipótese do acusado ter sido preso, sendo inserido no Sistema
Carcerário, damos início (ou continuidade, não sei) a mais um
problema, pois o Estado, mais uma vez com a sua capacidade de
estragar tudo, apenas
prende a pessoa e acredita que está tudo certo e
que com um passe de mágica, após um período preso, a pessoa terá
capacidade de voltar para a sociedade, "ressocializado".
Sem falar dos casos em
que o acusado é absolvido, mas já foi exposto pela mídia como
sendo um estuprador, condenando-o para o resto da vida, isso se
continuar vivo por muito tempo.
Já
passou da hora de o
Estado se preocupar com o nosso bem estar,
em todos os possíveis e imagináveis momentos."
em
busca da mudança de paradigmas
Capixaba,
espírita, formado em Direito, atuante e sempre um estudante das
áreas jurídicas. BLOG: pedromaganem.com; FACEBOOK:
facebook.com/pedromaganem CURRICULO LATTES:
http://lattes.cnpq.br/5664464113483902
Fonte:
Jusbrasil
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