segunda-feira, 3 de junho de 2019

Ecologia: Fórmula do fim da água


Fórmula do fim da água

Por Roberto Andrés - Arquiteto-urbanista, professor da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA       

"Há uma tragédia ambiental em curso no planeta, e o Brasil está na vanguarda"


Há uma tragédia ambiental em curso no planeta, e o Brasil está na vanguarda. Os impactos são tremendos, mas não recebem a atenção devida. Os efeitos da destruição acelerada das condições de vida na Terra já estão aí e se intensificarão nos próximos anos.

Um exemplo: os surtos de doenças como dengue e febre amarela em Minas Gerais podem ter relação direta com os crimes da Vale em Mariana e Brumadinho, apontam especialistas da Fiocruz. O mar de lama matou milhares de animais, dentre eles predadores dos mosquitos. Com os rios contaminados, a população passa a armazenar água em condições precárias. Os mosquitos se proliferam, e as doenças e mortes vão às alturas.
As condições de vida na Terra dependem de um fino equilíbrio. Se apenas começamos a sentir os efeitos destrutivos do rompimento de barragens de rejeitos, o que dizer de processos extensivos e continuados, como a emissão excessiva de gás carbônico, o desmatamento e o envenenamento das terras e águas?
Somente nos primeiros cinco meses deste ano, o Brasil liberou 169 novos agrotóxicos – mais do que em todo o ano de 2015. No nosso país são permitidas substâncias altamente perigosas para a saúde, que já foram proibidas na maior parte dos países da Europa – onde estão os donos de boa parte das fabricantes dos pesticidas.
Sabe-se que esses agrotóxicos causam doenças como depressão, câncer e Parkinson e que há pouco controle de sua contaminação pela infiltração no solo. Segundo dados oficiais, ao menos oito pessoas são contaminadas diariamente por agrotóxicos no Brasil, mas esse dado tende a ser maior graças à subnotificação e à contaminação indireta.
O desmatamento na Amazônia nos primeiros 15 dias de maio foi o maior da última década. Se depender do desmonte que está sendo empreendido pelo governo de Jair Bolsonaro, esse número crescerá. A destruição da política ambiental em todos os seus aspectos parece ser uma das metas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, um político do Partido Novo condenado por falsificar mapas, fraudar documentos e intimidar funcionários quando era secretário de Meio Ambiente do governo de São Paulo.

O desmonte no Ministério do Meio Ambiente é tão grave que foi capaz de reunir todos que já lideraram a pasta desde o governo Itamar Franco. A carta dos ex-ministros denuncia a “política sistemática, constante e deliberada de destruição das políticas ambientais” pelo governo atual, além do desmantelamento institucional dos organismos de proteção e fiscalizadores.
A gravidade do desmatamento da Amazônia para as condições climáticas no Brasil é enorme. Em um artigo brilhante, o climatologista Antonio Nobre demonstra como a floresta amazônica funciona como um importante regulador do clima na parte sul do continente.
O pesquisador demonstra como a floresta bombeia água do solo para a atmosfera, criando rios voadores que irrigam o continente: “Se a floresta for removida, o continente terá muito menos evaporação do que o oceano contíguo, o que determinará uma reversão nos fluxos de umidade, que irão da terra para o mar, criando um deserto onde antes havia floresta”. A conclusão do autor é que “o caos climático previsto tem o potencial de ser incomensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial”.
E a tragédia não termina aí. Quem acompanha o debate das mudanças climáticas sabe que o aquecimento do planeta acirrará problemas de escassez de recursos naturais, desigualdade, doenças e tragédias “naturais”, de modo impossível de se prever – como ninguém previa que o rompimento de barragens de minérios levaria a epidemias de dengue.
A obsessão de alguns com a fórmula da água talvez seja só falta de assunto. Mas os governantes autoritários mundo afora, com seu desprezo ignorante pelo aquecimento do planeta e pela destruição ambiental, têm mostrado que dominam muito bem as fórmulas capazes de destruir as condições de vida que conhecemos, tão dependentes dos ciclos das águas.”
Fonte: jornal O Tempo 

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