Por
BBC News
“Tainara da Silva de
Aquino tinha 25 anos quando foi morta a tiros na casa onde morava com
seus dois filhos bebês, em Santa Maria (RS), no dia 9 de maio. Seu
ex-companheiro foi preso sob suspeita de ter praticado o crime.
'Ligue 180' recebe
denúncias sobre assédio e violência contra a mulher
O caso resume algumas
das principais características dos homicídios de mulheres no
Brasil. Segundo os dados do Ministério da Saúde compilados pelo
Atlas da Violência, lançado na quarta-feira (05/06) pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), foram registrados 4.936 assassinatos de
mulheres em 2017.
É uma média de 13
homicídios por dia, o maior número em uma década.
Assim como Taianara, a
maior parte das vítimas (66%) é negra, é morta por armas de fogo
e, em boa parte dos casos, dentro de casa.
O Atlas da Violência
traça um cenário calamitoso de homicídios. Houve um recorde de
65.602 assassinatos registrados no Brasil em 2017, em sua maioria
vitimando jovens homens em episódios de violência urbana e briga
entre facções criminosas.
Mas, ao mesmo tempo,
geram especial preocupação os assassinatos de mulheres, negros e
pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e
intersexuais).
Uma análise geral dos
homicídios por raça, por exemplo, mostra que, dos assassinatos
cometidos em 2017, três quartos das vítimas eram negras.
Questões de gênero
No que diz respeito às
mulheres, o Atlas calcula que aumentou em 20,7% a taxa nacional de
homicídios femininos entre 2007 e 2017.
Esse aumento se dá
sobretudo entre mulheres negras: elas viram seu número de homícidios
crescer mais de 60% em uma década, em comparação com um
crescimento de 1,7% nos assassinatos de mulheres não negras.
Quando analisados os
dados específicos de 2017, descobre-se que das quase 5 mil mulheres
assassinadas, 53,8% foram mortas com armas de fogo e 26,8% com
objetos cortantes.
Desde 2015, o Brasil
tem uma lei específica para enquadrar homicídios cometidos contra
mulheres que envolvam questões de gênero - a Lei do Feminicídio,
com penas de 12 a 30 anos de prisão.
Como a lei é
relativamente nova, ainda não se sabe se todos os casos de violência
de gênero estão sendo devidamente registrados pelas autoridades.
No entanto, o fato de
quase 40% das mortes femininas terem ocorrido dentro de casa faz com
que sejam grandes "as chances de que se relacionem a casos de
feminicídio", apontam o Ipea e o FBSP.
Outro detalhe
importante é que grande parte do aumento dos casos se deu em alguns
dos Estados do Norte e do Nordeste. O Ceará, por exemplo, registrou
71,6% de crescimento de homicídios de mulheres em uma década; no
Rio Grande do Norte, o aumento foi de 48%.
Segundo Renato Sergio
de Lima, presidente e pesquisador do FBSP, "as mortes por brigas
interpessoais estão crescendo, (...) como parte de uma cultura da
violência sendo incentivada como forma de resolver conflitos. E no
Nordeste estão mais arraigadas questões de gênero, de machismo e
do papel de homens e mulheres", favorecendo a violência por
questões de gênero.
Nesse cenário, o
relatório é crítico à flexibilização do porte de armas,
promovido por decreto pelo governo de Jair Bolsonaro em maio.
"Considerando os
altíssimos índices de violência doméstica que assolam o Brasil, a
possibilidade de que cada vez mais cidadãos tenham uma arma de fogo
dentro de casa tende a vulnerabilizar ainda mais a vida de mulheres
em situação de violência", diz o estudo do Ipea e do FBSP.
O estudo aponta que, só
em 2017, mais de 221 mil mulheres procuraram delegacias de polícia
para registrar agressões (lesão corporal dolosa) em decorrência de
violência doméstica, "número que pode estar em muito
subestimado dado que muitas vítimas têm medo ou vergonha de
denunciar".
Copan, no centro de São Paulo |
Pela primeira vez, o
Atlas da Violência debruçou-se sobre as denúncias de crimes
violentos relacionados a orientação sexual e identidade de gênero.
E identificou que, embora o problema seja largamente invisível às
estatísticas oficiais, os poucos dados existentes indicam que esse
tipo de violência também tem se agravado.
O Atlas usou como base
dados obtidos no Sinan, sistema de dados do Ministério da Saúde, e
no Disque 100, central hoje vinculada ao Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos e que recebe denúncias de violências
diversas, inclusive contra a população LGBTI+.
O Disque 100 registrou
no ano retrasado 193 denúncias de homicídio, 26 de tentativa de
homicídio e 423 de lesão corporal contra essa população.
"Como a base de
dados do Disque 100 é produzida a partir de denúncias
telefônicas, não há como garantir que a variação apontada
reflita decisivamente a variação do fenômeno da violência contra
a população LGBTI+", ressalva o relatório.
"Contudo, quando
comparamos com algumas informações do Sinan, encontramos um mesmo
resultado qualitativo: o aumento das violências contra a população
LGBTI+ sobretudo após 2016." Esses registros do Sinan apontam
aumentos superiores a 10% nos registros de violência contra
homossexuais e bissexuais entre 2015 e 2016.
Para Lima, do FBSP,
esses aumentos provavelmente se devem tanto à redução da
subnotificação quanto ao contexto maior de violência do país.
"Essa população
LGBTI+ está mais visível e mais ativa, mas a violência contra ela
também tem crescido", afirma."
Fonte: BBC - news
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