Mina do Corrégo do feijão, em Brumadinho |
Mineração criminosa: ‘mais do mesmo’ até quando?
Por Frei Gilvander Moreira - Articulista às terças-feiras
“Dia
25 de janeiro de 2020 completou-se um ano do crime tragédia da
mineradora Vale e do Estado em Brumadinho, crime que continua impune
e crescendo. Crime doloso (qualificado, com intenção de matar),
segundo o Ministério Público
de Minas Gerais, que, dia 21 de janeiro, até que enfim, denunciou
criminalmente a Vale e empresa Tuv Sud por gravíssimos crimes
ambientais e 16 funcionários da Vale e da Tuv Sud por homicídio
doloso. Esperamos que o poder judiciário não demore 10 ou 15 anos
para julgar e condenar os criminosos. O crime não é só da Vale, é
também do Estado, porque o licenciamento ambiental foi
concedido pelo Governo de Minas Gerais que, em conluio com o capital,
se ajoelha diante do poderio econômico e dribla todos os argumentos
técnicos e jurídicos suficientes para não conceder licenciamento
ambiental a grandes empreendimentos econômicos extremamente
devastadores socioambientalmente. Vale sacrificando o território de Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, MG: violência! Pior, não fiscaliza. Uma
funcionária da FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) disse em
uma das audiências da CPI das mineradoras Vale e MBR, na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, em 2004: “Nós do Governo apenas
lemos os relatórios que funcionários das mineradoras nos
apresentam. O Estado não tem funcionários para fiscalizar in loco”.
A verdade é que o Estado está acumpliciado ao capital desde que se
iniciou há 300 anos mineração no estado de Minas Gerais.
Uma
espada de dor transpassou e continua transpassando o coração de
milhares de pessoas, tal como a mãe de Erídio Dias, sobrevivente do
crime da VALE/SAMARCO/BHP em Mariana, que era morador da
Ocupação-Comunidade Dandara, em Belo Horizonte, e há cinco meses
trabalhava como soldador na mina de Córrego do Feijão, como
trabalhador terceirizado da Vale. Até parte do corpo do seu filho
ser encontrado no meio da lama tóxica, com 74 anos e adoentada,
vivendo em Sem Peixe, no interior de Minas, a mãe de Erídio
telefonava todos os dias para os filhos em Belo Horizonte,
perguntando: “Que dia a Vale e o Estado entregarão o corpo do
meu filho Erídio para ser sepultado aqui em Sem Peixe?”.
Dez
pessoas martirizadas em Brumadinho ainda não foram encontradas.
Exigimos a continuidade das buscas até que se encontrem todos os
corpos para que as famílias tenham o direito de sepultar seus entes
queridos. A Vale sepultou 272 pessoas vivas. Essa barbárie dói
demais! Uma criança de três anos, que ficou órfã de mãe,
pergunta toda hora: “Cadê mamãe? Por que ela está demorando a
chegar? Ela deve estar com fome”. Com fome de justiça estamos
todos nós, não apenas atingidos, mas golpeados por esse crime
planejado e realizado com requintes de crueldade.
Palco
inicial do genocídio da Vale, com licença do Estado, o Córrego do
Feijão, em Brumadinho, ganhou esse nome porque era uma região rica
na produção de feijão, de hortaliças, cereais e
hortifrutigranjeiros que abastecia grande parte de Belo Horizonte e
região metropolitana. Antes das mineradoras invadirem o território
de Córrego do Feijão, era comum ver muitos carros de bois
transportando feijão e uma grande quantidade de outros alimentos
saudáveis produzidos sem agrotóxicos em regime de agricultura
familiar. Conta-se que certo dia, um carro de boi, carregado de
feijão, tombou em uma ponte ao atravessar o córrego. Por isso, o
lugar passou a se chamar Córrego do Feijão. Mesmo sob o massacre
que as mineradoras perpetram cotidianamente, Brumadinho ainda é o 2º
maior produtor de cítricos de Minas Gerais. Isso nos mostra que a
vocação de Brumadinho e região não é a mineração, mas é a
agricultura familiar com produção de alimentos saudáveis.
As
águas da bacia do Rio Paraopeba garantiam 50% do abastecimento de
Belo Horizonte e região metropolitana, por meio das barragens
nos rios Betim e Manso, e em barragem no ribeirão
Serra Azul, sendo esses rios três afluentes do Rio Paraopeba que
formam os três reservatórios que compõem o Sistema Paraopeba:
Sistema Vargem das Flores, Sistema Rio Manso e Sistema Serra Azul,
respectivamente. E agora, onde arrumar água para garantir o
abastecimento de cinco milhões de pessoas de Belo Horizonte e região
metropolitana? A COPASA investiu
130 milhões de reais para captar água do Rio Paraopeba em uma
grande obra inaugurada em dezembro de 2015, prometendo que a obra
garantiria o abastecimento de BH e região metropolitana pelos
próximos 25 anos. Tudo isso foi perdido. Em negociação com o
Ministério Público e Poder Judiciário, de forma não transparente
(pois os moradores locais e especialistas independentes questionam a
eficácia desta obra), a Vale está construindo uma nova captação
de água no Rio Paraopeba, acima do local do crime. Para isso está
sacrificando também o território da comunidade de Ponte das
Almorreimas. Ou seja, um crime gera outros crimes e assim o crime
cresce, sob a égide de se tratar de uma ação “emergencial”.
Por oportunismo e postura técnica questionável das partes
envolvidas, a Vale aproveita para se apropriar de mais um território
ambicionado outrora por possuir potencial aurífero.
Os
territórios cobiçados pelas empresas mineradoras são ao mesmo
tempo ferríferos e aquíferos. Após invadirem esses territórios,
as mineradoras escorraçam suas populações, utilizando várias
artimanhas, propaganda enganosa e discursos tecnocráticos, muitas
das vezes, e para variar, com a anuência do estado e do judiciário.
Onde há muito minério há também muita água. O Quadrilátero
Ferrífero, em Minas Gerais, é também um Quadrilátero Aquífero,
lugar de condições de vida e de gentes, histórias e de múltiplos
significados. Os lugares onde as mineradoras se instalam eram
paraísos naturais, mas após a invasão das mineradoras inicia-se um
processo absurdo que sacrifica no altar do deus do mercado a
dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da
flora e da fauna. O crime da Vale e do Estado também foi um atentado
contra o Espírito do Deus da vida. Da perspectiva bíblica e
teológica, é preciso recordar que toda a criação – os seres
humanos, a fauna, a flora e os biomas - é sagrada. A terra é mãe e
a água é irmã. “Água, fonte de vida” foi o lema da Campanha
da Fraternidade de 2004. “O Espírito de Deus está nas águas”,
diz o segundo versículo da Bíblia (Gênesis 1,2). O Espírito
vivificador não apenas paira sobre as águas, mas permeia e perpassa
as águas. Logo, matar as nascentes, os córregos e os rios é
cometer um pecado contra o Espírito Santo, pecado capital que não
tem perdão. Integrantes do sistema capitalista, os megaprojetos de
mineração são projetos satânicos e diabólicos, que, como o
dragão do Apocalipse (Apocalipse 12) cospe fogo e devora tudo o que
encontra pela frente. Antes de serem cooptadas pelo Império Romano e
pelo imperador Constantino, as Primeiras Comunidades Cristãs se
regiam por um Código de Ética que alertava às pessoas cristãs que
trabalhar em instituições que reproduzissem o sistema escravocrata
do império romano era algo imoral. Um cristão não podia, por
exemplo, ser soldado e nem militar do império romano, pois estaria,
na prática, reproduzindo um sistema idólatra. É ético trabalhar
para uma empresa que reproduz um sistema de morte?
Basta
de medidas paliativas e emergenciais! São necessárias medidas
radicais – que vão à raiz da injustiça - que mexam na engrenagem
da guerra que as grandes mineradoras, com a cumplicidade do Estado,
estão promovendo contra todos e tudo. (Pena que só quem sente
na pele esses desmandos do desse governo de minas, perceba a
gravidade da situação), os primeiros dias, após o início da
tragédia crime doloso, em 25 de janeiro de 2019, já defendíamos
como justo e necessário: a) a prisão preventiva imediata do
Presidente da VALE, dos Diretores da VALE, das autoridades dos
Governos que autorizaram o funcionamento da mina e dos responsáveis
pela licença da mina do Córrego do Feijão; b) o confisco dos bens
da Vale para aplicar nas áreas sociais e em urgente projeto de
reflorestamento das bacias dos rios Doce e Paraopeba; c) suspensão
de todas as licenças ambientais por tempo indeterminado da mineração
em Minas Gerais e em todo o país até que se faça uma avaliação
independente e imparcial que viabilize reabrir apenas as minas que
têm garantias idôneas de que não haverá rompimento de barragens
de rejeitos de minério. No entanto, tripudiando sobre as vítimas, o
Governo de Minas já autorizou o retorno da mineração da
mineradora VALE/SAMARCO/BHP em Mariana, aprovou a construção da
barragem de Maravilhas 3 da Vale, o alteamento da Barragem da
mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, à revelia
da Lei “Mar de Lama”, de iniciativa popular, aprovada na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais - Lei
Estadual nº 23.291/2019. Assim, o sistema
minerário em Minas Gerais segue sendo criminoso e, sem abrir mão da
acumulação de capital, insiste em apresentar falsas soluções que
são ‘mais do mesmo’. Até quando?”
Até
quando o povo tenha uma educação de qualidade e entenda os
meandros de uma eleição, com isso saberá votar!
Ele é da Comissão Pastoral da Terra e Direitos Humanos
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