A destruição em BH |
Articulista:
frei Gilvander Moreira escreve às terças-feiras
“Etimologicamente,
Teologia é uma palavra da língua grega composta por teo =
Deus, e logia = ciência. Entretanto, teologia
não é apenas ‘ciência de Deus’ e nem é apenas reflexão sobre
as coisas relativas a Deus, ao pós-morte, às coisas de fé.
Teologia é pensar a partir dos injustiçados qualquer assunto em uma
perspectiva de fé no Deus da vida, mistério de infinito amor que
nos envolve. Portanto, qualquer assunto pode e deve ser teologizado.
Teologia que não for libertadora não é teologia, podendo ser
dogmatismo disfarçado de teologia. Na Bíblia há uma infinidade de
contradições entre os textos, mas há em toda a Bíblia um fio
condutor: o Deus Javé, solidário e libertador, faz opção pelos
empobrecidos e escravizados e com estes faz aliança de compromisso
libertador. Quem lê a Bíblia na perspectiva da classe dominante ou
da pequena burguesia, - eufemisticamente chamada de classe média -,
jamais captará o sentido libertador dos textos bíblicos, que é
verdade que liberta por consolar os aflitos e por incomodar os
opressores. A verdade liberta, porque dói e incomoda. Nessa
perspectiva, necessário se faz também pensarmos teologicamente
sobre a luta pela terra e pela moradia própria, digna e adequada.
Teologia da terra e Teologia da moradia nos dizem que o Deus da vida
quer terra e moradia para todos os seres humanos e para todos os
outros seres vivos, inclusive. Há Teologias da Libertação na luta
pela terra e por moradia. Teologias no plural, porque, além da
Teologia da Terra e da Teologia da Moradia, necessário se faz também
Teologia da Negritude, Teologia de Gênero, Teologia da Água,
Teologia da Ecologia Integral (Ecoteologia), Teologia do Trabalho
etc.. Todas essas teologias subsidiam a luta pela partilha e
socialização da terra e para que todos tenham acesso à moradia
adequada. Ai daqueles que
pisam nos pobres, que tripudiam sobre a dignidade de crianças
recém-nascidas, idosos, deficientes e indefesos, mãe Terra, irmã
água e todos os seres vivos, todos empobrecidos!
Fruto
da injustiça agrária e social, do capitalismo, da especulação
imobiliária e da falta de reformas agrária e urbana, o latifúndio
continua injustamente sendo a coluna mestra da estrutura fundiária
no Brasil há 520 anos, o que faz com que o déficit habitacional
cresça em progressão geométrica nas cidades. Sem democratização
e socialização da terra, a injustiça social e urbana só cresce.
Como não dá para sobreviver no ar, com as contradições das
injustiças agrária e urbana surgem as ocupações no campo e na
cidade. Em uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos,
na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, uma senhora de uma
Ocupação urbana, ameaçada de despejo, no microfone, gritou:
“Queremos moradia e não apenas o direito à moradia.” Uma
família camponesa sem-terra é como um pé de bananeira sobre o
asfalto. Os clamores dos camponeses sem-terra e de milhões de
pessoas crucificadas pela especulação imobiliária que gera
pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de
favor nos fazem pensar: Deus compactua com essas injustiças? O Deus
da vida, Javé, solidário e libertador ao lado injustiçados/as,
fica irado diante da concentração da terra e da moradia em poucas
mãos. No Brasil nunca foi feito reforma agrária de nenhum tipo. Nos
países europeus e nos Estados Unidos, pelo menos reforma agrária
capitalista foi feita. Políticas habitacionais populares estão
quase somente em discursos e vãs promessas. Direitos fundamentais,
como o de acesso a terra e a moradia adequada, vêm sendo há muito
tempo violados.
160 famílias na luta pela terra em Pirapora, MG, há 20 anos. Despejar é injusto/violência. 17/2/2020
Documento
do Ministério Público Federal informa que, de 7.957 remoções
realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, MG, somente
3.950 remoções importaram em reassentamento – sem titulação -
em apartamentos apertados construídos por esse programa. Do
restante, apenas 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de
casa com recursos advindos do Programa
de assentamento de famílias removidas em decorrência de execução
de obras públicas (PROAS) – 40 mil reais é o teto - e,
mais de 50% dos removidos, 4.310, receberam indenização pela
remoção compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não
indeniza o valor do imóvel, mas apenas o valor da construção da
casa ou do barraco. Ou seja, ignora-se o direito à posse. Precisamos
recordar que a noção de posse é muito mais antiga e mais justa do
que a noção de propriedade, que é coisa da modernidade capitalista
do século XVI para cá apenas. O que é considerado na indenização
é somente o valor da incorporação feita no lote, e, via de regra,
uma construção precária. Ainda assim, para os que conseguem ser
assentados nos novos imóveis da Prefeitura, a notícia não é das
melhores. Com uma pífia política habitacional que mais beneficia as
grandes construtoras do que as famílias, nos últimos 25 anos, a
prefeitura de Belo Horizonte, de joelhos para os senhores do mercado
idolatrado, mais demoliu casas do que construiu. Demoliram-se
milhares de casas para construir ‘casas’ para os automóveis, ou
seja, construir grandes avenidas, viadutos e estacionamentos. Assim,
milhares de famílias foram expulsas para as periferias da região
metropolitana de Belo Horizonte. Há Relatório da Prefeitura de Belo
Horizonte (PBH), da Polícia Militar, do Ministério Público e da
Polícia civil atestando o caos nos predinhos do Programa Vila Viva,
que é, na prática, Vila Morta.
O
Governo de Minas Gerais, nos últimos 27 anos, não construiu nenhuma
moradia para as famílias de zero a três salários mínimos em Belo
Horizonte e nem na região metropolitana de Belo Horizonte. Sem-terra
e sem-casa, o povo não tolera mais sobreviver sob a pesadíssima
cruz do aluguel, que é veneno diário no seu prato. O povo não
aguenta mais a cruz da humilhação que é sobreviver de favor: peso
nas costas de parentes, chateação cotidiana e perda de liberdade.
Muitos conservadores e moralistas ainda criticam a promiscuidade com
que sobrevivem muitas famílias. Ora, como não expor crianças às
cenas íntimas ou inapropriadas para menores, próprias de casais, se
o espaço de convivência é totalmente inadequado?
Nas
últimas semanas, as chuvas revelaram a imensa injustiça social e
urbana reinante em Belo Horizonte e região metropolitana. Sob o
olhar teológico, essa injustiça social que se reproduz
cotidianamente mostra a idolatria do mercado reinante na sociedade
capitalista. O Deus da vida quer terra e moradia para todos/as.”
Frei
Gilvander Luís Moreira é nosso articulista às terças-feiras.
Sua
residência oficial é em Belo Horizonte, MG, mas está empre
viajando para atender aos convites que recebe do povo que precisa de
apoio.
Ele é frei carmelita, Dr. em Educação. Além de repórter. Todos os vídeos apresentados nas matérias e ele quem edita e realiza as reportagens.
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