"Disfunção
erétil, obesidade, diabetes, estresse e maior suscetibilidade para
contrair doenças são alguns dos problemas que podem ser causados
por distúrbios de sono."
"Estima-se
que um terço da população da cidade de São Paulo tenha algum
problema para dormir adequadamente.
Estudar
os efeitos da privação de sono tem sido, desde 1995, o foco da
pesquisa da professora do Departamento de Psicobiologia da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Monica Andersen
levantou os seguintes dados.
Integrante
do Centro de Estudos do Sono/Instituto do Sono, Monica apresentou
resultados de seu trabalho com animais durante a 25ª Reunião da
Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada
recentemente no interior de São Paulo.
Na
ocasião, ela concedeu a entrevista a seguir, na qual resume
resultados do laboratório que coordena e de outras pesquisas
voltadas aos problemas do sono.
De
quantas horas de sono precisamos?
Monica
Andersen - Não há uma resposta única. A média são oito horas
diárias, mas uma pessoa pode ficar bem com quatro horas, enquanto
outra precisará de 10. Chamamos os extremos de "pequenos
dormidores" e "grandes dormidores". Agora, se me
perguntar de quantas horas você precisa, temos que ver primeiro como
você acorda.
Pela
manhã, quais são os sinais de uma noite bem dormida?
Monica
Andersen - Quem acorda abrindo a janela, de bom humor, dormiu a
quantidade de que precisava. Quem acorda já cansado, com a sensação
de que um caminhão passou por cima, ainda que tenha ficado na cama
mais de nove horas, não teve um sono suficiente ou reparador.
A
quantidade de sono por noite pode ser modificada ao longo do tempo?
Monica
Andersen - Sim, essa mudança ocorre ao longo da vida. Ao nascer,
costumamos dormir 16 horas por dia. No fim da vida, precisamos de
poucas horas. O problema é que a sociedade está forçando essa
redução, tentando se adaptar à falta de sono.
Estamos
dormindo menos do que as gerações anteriores?
Monica
Andersen - Nossa sociedade é cronicamente privada de sono. Há uma
denominação nos Estados Unidos que é sintomática, da "sociedade
24 por 7", isto é, que funciona 24 horas por dia, sete dias por
semana. Que não para jamais. E isso traduz muito bem o que vivemos
atualmente.
Nós
queremos a sociedade 24 por 7, principalmente nas grandes cidades.
Nós participamos dessa autoprivação de sono. Queremos fazer mais
um curso, terminar mais um trabalho e tudo o mais que conseguirmos
encaixar em nosso dia e quem paga por tudo isso é o sono. Por que
simplesmente não vamos dormir e deixamos as tarefas para o dia
seguinte? Isso é cada vez mais impensável.
Que
problemas essa privação pode causar?
Monica
Andersen - Um deles é o acúmulo de gordura em nosso corpo. A
privação de sono aumenta o apetite por comidas calóricas, estimula
o hormônio da fome (grelina) e reduz o hormônio da saciedade
(leptina). Pouco sono também afeta o desempenho no trabalho ou
estudo e provoca pequenos deslizes que afetam nosso rendimento. Há
algumas profissões em que deslizes são particularmente perigosos,
como aquelas ligadas à segurança ou à saúde pública.
Não
é paradoxal que justamente as profissões que envolvem grande
responsabilidade e não podem ter tais deslizes sejam justamente
aquelas que têm jornadas extenuantes, como médicos, policiais,
pilotos de avião ou caminhoneiros?
Monica
Andersen - De fato. Uma das consequências mais sérias da falta de
sono atualmente é o aumento no número de acidentes. Em fevereiro de
2009, por exemplo, na cidade de Buffalo, nos Estados Unidos, a queda
de um avião em uma área residencial matou 50 pessoas.
A
investigação concluiu que a causa mais provável do acidente foi a
fadiga dos pilotos e os registros da jornada de trabalho realmente
mostraram que eles haviam trabalhado horas excessivas.
Também
nos Estados Unidos, houve outro caso em que um avião simplesmente
passou do aeroporto de destino e isso só foi notado uma hora depois.
A causa do erro foi que os dois pilotos haviam dormido. Na medicina é
a mesma coisa, há estudos mostrando que, no fim de um plantão, o
número de erros médicos é bem maior.
Essa
situação tem piorado?
Monica
Andersen - Isso está piorando porque a nossa sociedade está
piorando. Muitos jovens, por exemplo, costumam inverter o ciclo
circadiano [período sobre o qual se baseia o ciclo biológico do
corpo, influenciado pela luz solar].
Eles
vão para uma balada da 1 às 6 horas da manhã de sexta para sábado.
Na noite seguinte, há uma balada ainda maior, até às 7 ou 8 horas
do domingo. Ao voltar para casa, tomam café e vão dormir, para
acordar no meio da tarde. De noite, eles não conseguem dormir e, na
segunda-feira, começam uma nova semana às seis da manhã, para ir à
escola ou ao trabalho. Eles iniciam a semana já privados de sono.
Que
consequências essa rotina pode trazer?
Monica
Andersen - Tenho muita preocupação com os jovens de hoje. É uma
faixa etária que terá dificuldade de aprendizagem, porque o sono é
fundamental ao aprendizado e à memória. Muitos acabam dormindo na
escola ou nas universidades, em plena sala de aula. Esse é um
problema muito importante.
É
um problema que atinge outras faixas etárias?
Monica
Andersen - Infelizmente, sim. Acima dos 30 anos está a faixa que
chega em casa pensando em relaxar mas que resolve ligar o computador
"só para checar os e-mails". Só que acaba se envolvendo
em outras atividades on-line e ficando bastante tempo conectado.
Muitos trabalham o dia inteiro em frente a um computador e passam as
madrugadas em frente a outro, em casa, jogando ou batendo papo.
Tem
também a televisão, que antigamente tinha poucos canais e uma
programação que terminava na madrugada. Hoje, são dezenas de
canais, que funcionam sem parar.
Quais
são os principais distúrbios de sono que essas rotinas causam?
Monica
Andersen - Temos visto muita insônia em mulheres. Em São Paulo,
cerca de um terço delas tem problemas para dormir adequadamente. Mas
os homens também sofrem de insônia. E 32,9% da cidade de São Paulo
tem a síndrome da apneia do sono, que pode levar à sonolência
excessiva diurna.
O
que caracteriza a apneia do sono?
Monica
Andersen - São paradas respiratórias durante o sono. Essas paradas
podem ocorrer até 80 vezes por hora, ou mais de uma vez por minuto.
Com isso, o coração tem que bater muito mais forte para levar o
oxigênio para o cérebro. Imagine a pressão arterial dessa pessoa,
uma vez que isso ocorre todas as noites. A apneia do sono é mais
prevalente em homens e, entre seus principais fatores de risco, está
a obesidade.
A
quantidade de sono também afeta a reprodução e o desempenho
sexual?
Monica
Andersen - Essa é a minha principal linha de pesquisa. O que
observamos até agora em ratos é que uma privação de sono pontual
provoca uma excitação sexual nos machos. Isso ocorre na privação
de sono REM [sigla em inglês para "movimentos oculares
rápidos"], quando ocorrem os sonhos. No entanto, apesar de
apresentarem desejo, pois os ratos chegam a montar a fêmea, eles não
conseguem fazer a penetração. Em outras palavras, eles têm desejo,
mas não têm a função erétil adequada.
Isso
pode ser extrapolado para seres humanos?
Monica
Andersen - Em 2007, fizemos o Episono, um grande levantamento
epidemiológico no qual foram analisados 1.042 voluntários
refletindo uma amostra representativa da população da cidade de São
Paulo. Foi nesse estudo que levantamos que cerca de um terço dos
moradores da capital paulista sofre de apneia do sono.
Não
estamos falando de gente que acha que tem a doença, são pessoas que
foram diagnosticadas em laboratório de sono por médicos
especialistas em sono com a síndrome. É um número enorme. Isso
explica por que existem mais de 400 laboratórios de sono espalhados
pelo Brasil e por que todos ficam lotados.
O
estudo encontrou problemas sexuais nas pessoas com a síndrome da
apneia do sono?
Monica
Andersen - O questionário respondido durante o Episono revelou que
17% dos homens da cidade de São Paulo se queixaram de disfunção
erétil. Na faixa etária entre 20 e 29 anos, 7% dos homens disseram
ter o problema.
Acima
de 60 anos, a reclamação de disfunção erétil subiu para 60%. O
levantamento mostrou que quem tinha menos sono REM tinha maior
probabilidade de ter queixas de disfunção erétil. E os homens que
acordavam muito durante a noite eram os que mais reclamavam do
problema.
E
quanto aos que dormiam bem?
Monica
Andersen - Normalmente, os homens com bom padrão de sono não
apresentaram queixa. Uma das conclusões é que quem dorme mal tem
risco três vezes maior de apresentar disfunção erétil. Uma das
causas é que a privação de sono reduz a testosterona, o hormônio
sexual masculino. Praticar atividades físicas regularmente
também se mostrou um fator protetor contra a disfunção erétil. Ou
seja, para ter uma vida sexual normal é fundamental ter boas noites
de sono e praticar atividade física.
Em
mulheres essa relação também é encontrada?
Monica
Andersen - Fizemos testes de privação de sono com ratas e
observamos que, quando elas são privadas de sono REM em fases nas
quais estão receptivas para o sexo, o desejo sexual aumenta muito.
Por outro lado, quando a privação de sono REM foi imposta em fases
nas quais a fêmea não estava disposta ao acasalamento, equivalentes
à tensão pré-menstrual da mulher, a rejeição ao macho aumentou
bastante.
Registramos
ratas agredindo os machos para evitar a relação. Mas não dá para
extrapolar para as mulheres comportamentos como esse, porque, além
do ciclo menstrual, a mulher também recebe influências de uma série
de alterações psicológicas. Nessa linha, estou fazendo uma
pesquisa com a ginecologista Helena Hachul, também da Unifesp, para
averiguar se a privação de sono pode afetar a reprodução nas
mulheres. Para isso, estamos investigando a relação entre qualidade
de sono e gestação.
A
falta de sono pode acelerar o envelhecimento?
Monica
Andersen - Esse foi o resultado de uma pesquisa feita por Eve Van
Cauter, da Universidade de Chicago, uma das maiores especialistas em
sono no mundo. Ela mostrou que a privação de sono em uma idade
jovem simula um quadro de envelhecimento precoce. Seria como se essas
pessoas de repente tivessem 60 anos.
Há
indícios de que a falta de sono pode provocar estresse oxidativo,
alterações cardiovasculares, maior risco ao diabetes e outros
problemas que veríamos em uma pessoa mais velha. Conheço uma mulher
jovem, de 23 anos, que dorme muito pouco e tem um colesterol
altíssimo, por volta de 300. Essa foi inclusive parte de um trabalho
meu, de 2004, que mostrou, em ratos, que a privação de sono provoca
o aumento do colesterol ruim, o LDL.
Qual
é o papel do sono no sistema imunológico?
Monica
Andersen - Há exemplos muito interessantes em relação a isso.
Muitos idosos que tomam a vacina contra a gripe voltam ao médico
doentes dizendo que a vacina "não pegou". Isso pode estar
relacionado ao fato de o sono deles não estar bem consolidado.
Um
trabalho de 2003 na Alemanha acompanhou jovens que tomaram a vacina
contra a hepatite e não dormiram na noite seguinte. Eles
simplesmente não apresentaram anticorpos para a doença. Em uma
segunda fase do mesmo estudo, outros jovens foram privados de sono
antes de receber a vacina e eles também não formaram anticorpos."
Fonte:
Agência Fapesp
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