Por
Gilvander Moreira - Escreve às terças-feiras
“Na
cidade de Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, e em frente ao
portão de entrada da Barragem da Usina Hidrelétrica da empresa
Itapebi Geração de Energia S.A, que atinge vários municípios em
Minas Gerais e na Bahia, dia 14 de março de 2020, aconteceu a
Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Almenara, com o tema:
“Terra e Água, santuários de vida”; e o lema: “Jequitinhonha:
ver, sentir e cuidar”. Durante a Romaria, com a participação de
centenas de romeiros e romeiras de vários municípios do Baixo
Jequitinhonha, várias denúncias foram feitas.
O
povo do município de Salto da Divisa está correndo o risco de ficar
sem água, por causa da exploração minerária da mineradora
Nacional de Grafite, que está planejando minerar dentro do Parque
Estadual Alto Cariri, criado em 2008, onde existem as únicas 16
nascentes do município, que irrigam o Rio Piabanha, que abastece o
Assentamento Dom Luciano Mendes e toda a população que ainda
sobrevive na zona rural do município.
A
Comunidade Camponesa Agroextrativista e Artesã da Cabeceira do
Piabanha, constituída por 12 famílias de camponeses posseiros há
66 anos na cabeceira do rio Piabanha, no município de Salto da
Divisa, dentro do Parque Estadual Alto do Cariri, já reconhecida
pelo Estado de Minas Gerais, resistiu na terra, nos últimos cinco
anos, sob ameaças de fazendeiros, da mineradora Nacional de Grafite
e pelo projeto de Lei 1480/2015, do deputado estadual Carlos Pimenta
(PDT), que busca alterar os limites do Parque Estadual Alto Cariri.
Se for aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o PL
1480/2015 alterará os limites do Parque Estadual Alto do Cariri para
beneficiar a mineradora Nacional de Grafite, que pretende minerar
dentro do Parque que está parcialmente no município de Salto da
Divisa e é onde estão as nascentes do rio Piabanha, que passa por
várias fazendas e margeia o Assentamento Dom Luciano Mendes, além
de gerar água para a mineradora Nacional de Grafite, que está pouco
acima do Assentamento Dom Luciano.
As
nascentes da Cabeceira do Piabanha são as únicas nascentes que
ainda resistem no município de Salto da Divisa. Se os deputados de
Minas Gerais aprovarem na ALMG o PL 1480/2015 abrindo espaço legal
para mineradora Nacional de Grafite minerar dentro do Parque Alto
Cariri, toda a população do município de Salto da Divisa ficará
sem água, porque minerar na Cabeceira do Piabanha dizimará todas as
16 nascentes de água classe especial que jorram dali.
Algumas
famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha,
bombardeadas por muita pressão e ameaçadas, aceitaram “contra a
própria vontade”, proposta de acordo forçado pelo juízo da Vara
Agrária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para deixarem
a área, mas sempre dizem: “Nascemos na Cabeceira do Piabanha e
ali será sempre nossa terra”.
No
dia 26 de fevereiro de 2020, três famílias saíram amarguradas de
dentro do Parque Estadual Alto Cariri e, em seguida, o fazendeiro,
protagonista dos conflitos, colocou gado dentro do parque. Como pode
TJMG conceder reintegração de posse para fazendeiro dentro de um
parque estadual? Como pode o Governo de Minas Gerais não cuidar do
Parque Estadual Alto Cariri? É injustiça que clama aos céus
retirar famílias tradicionais que nasceram na Cabeceira do Piabanha,
transformado em Parque em 2008, deixar fazendeiro colocar gado dentro
do Parque e, pior, aprovar na ALMG o PL 1480/2015 para viabilizar
mineração dentro do Parque Estadual Alto Cariri! Um fazendeiro de
Salto da Divisa, dia 10 de outubro de 2015, promoveu emboscada a três
agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), quando
voltavam da Comunidade Camponesa Agroextrativista e Artesã da
Cabeceira do Piabanha.
No
ano de 2016, Assentados do Assentamento Dom Luciano já denunciavam:
“Está difícil por causa da falta de chuva e também porque a
mineradora Nacional de Grafite está acabando com a água do rio
Piabanha com ferrugem e rejeitos de mineração de grafite”. De
fato, em outubro de 2016, a produção estava fraquíssima por causa
da falta de chuva e também porque a mineradora Nacional de Grafite
estava represando a pouca água do rio Piabanha e as 25 famílias do
PA Dom Luciano e as fazendas a jusante ficavam sem água.
Um
vaqueiro de uma das fazendas de Salto da Divisa me informou também
em 2016: “O gado bebe água na cocheira em 13 tanques com
sistema de boias. Captamos água com uma bomba no rio Piabanha e
distribuímos para uma rede de canalização de 160 mil metros de
canos de água em toda a fazenda. Captamos cerca de 9 mil litros
d’água por dia. Água para beber nós compramos na COPASA, na
cidade de Salto da Divisa”.
O
município de Salto da Divisa tem histórico de devastação de suas
matas. Atualmente o município não tem nenhuma comunidade rural,
exceto os Assentamentos Dom Luciano Mendes e Irmã Geraldinha, a
Comunidade Quilombola Braço Forte e famílias que ainda resistem em
ilhas do violentado Rio Jequitinhonha. Salto da Divisa foi
transformado em monocultura do capim para criação de gado. Em Salto
da Divisa e em todo o Baixo Jequitinhonha, os fazendeiros colocavam
os empreiteiros para derrubar a mata e transformar em pastagem de
capim colonião. Os agregados podiam fazer uma pequena roça para a
subsistência – mandioca, banana, milho, abóbora, feijão, batata
doce, arroz e alguma verdura -, mas no ano seguinte não podiam
replantar.
Aldemir
Silva Pinto, Sem Terra assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes,
resgata a história assim: “Os agregados podiam criar galinha e
porcos, mas todos deviam estar aramados, isto é, com um arame no
focinho para não fuçar o capim. O capim não podia ser tocado. Ai
de quem arrancasse um pé de capim. Só capim deveria ficar. A gente
fazia cerca apenas na frente da roça.
O
excesso de produção a gente vendia na feira na cidade de Salto da
Divisa. Quando os fazendeiros precisavam, eles compravam feijão e
arroz dos agregados. Como toda a região era mata, os fazendeiros
colocavam os trabalhadores para abrir a mata pra frente. Naquela
época chovia muito. A COBRAS era uma serraria que tinha no Salto da
Divisa, que serrava madeira e vendia pra fora. A COBRAS abriu estrada
para carrear a madeira.
Com
seis juntas de bois, cansei de arrastar madeira pra fora da mata até
uma praça onde os caminhões pudessem pegar a madeira. Primeiro, se
jogava a madeira em cima dos caminhões no braço, depois com uma
catraca. Só na fazenda Monte Cristo – que tinha 19 mil hectares -,
ao longo do rio Piabanha, de um lado e do outro, até a cabeceira,
havia 366 famílias que moravam como agregadas. Esse processo foi até
acabar com as matas e virar tudo capim.
Era
a época dos coronéis. Se eles dissessem: ‘Você não deve passar
mais aqui’ tinha que ser obedecido. Eles iam pisando devagar,
encurtando o jeito de o sujeito viver, encurtando o direito de fazer
roça e quando eles chamavam para trabalhar para eles tinha que ir.
Se não fosse, era motivo para ser expulso. O gerente falava na cara.
Iam azucrinando o trabalhador até ele sair. Colocavam o gado para
comer a roça. Cerca era de madeira. Não tinha arame ainda. Não
adiantava plantar porque o gado comia tudo. Muita gente daqui foi
embora para o Pará, porque se ouvia que era fácil conquistar terra
lá. Eu fui o último dos 366 chefes de família a sair. A gente
criava um jegue para carregar carga. Eles davam uma vaca para a gente
amansar e tirar leite.
Se
alguém fizesse um crime e chegasse aqui, o coronel Tinô dizia:
‘Entre lá pra dentro’. E ninguém mexia com a pessoa. Aqui era
um fim de mundo. Tinha chegada, mas não tinha saída”.
Na
Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Almenara, também foi
denunciado que a empresa Itapebi Geração de Energia S.A. continua
violentando todo o povo de Salto da Divisa, porque desde a construção
da barragem de Itapebi, em 1997, ainda não indenizou de forma justa
centenas de pescadores, de lavadeiras, de extratores de pedras e de
todo o povo da cidade de Salto da Divisa que ficou sem poder
desfrutar das águas do Rio Jequitinhonha, que foi apunhalado de
morte por mais essa barragem que atinge quatro municípios.
Enfim,
o povo de Salto da Divisa já foi violentado por coronéis, pela
empresa Itapebi com a construção da barragem, e agora tem sobre si
uma nova espada de Dâmocles: a mineradora Nacional de Grafite com
seus interesses em minerar dentro do Parque Estadual Alto Cariri.
Basta de mineração devastadora!”
Frei Gilvaner Moreira é nosso articulista e escreve todas às terças-feiras.
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br
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