CALAMIDADE PÚBLICA: QUEM ACIONA E EM QUE SITUAÇÕES?
Por Inara Chagas
"O estado
de calamidade pública é
decretado por governantes em situações reconhecidamente anormais,
decorrentes de desastres (naturais ou provocados) e que causam
danos graves à comunidade, inclusive ameaçando a vida dessa
população. É preciso haver pelo menos dois entre três tipos
de danos para
se caracterizar a calamidade: danos humanos,
materiais ou ambientais.
Agora, quem exatamente
pode decretar esse estado? No Brasil, essa é uma prerrogativa
reservada para as esferas estadual e municipal.
Ou seja, governadores e prefeitos podem decretar uma calamidade
pública. Mas e o presidente, por que não tem esse instrumento à
disposição? É porque na esfera federal, podem ser decretados
apenas os chamados estados
de exceção.
São dois tipos: o
estado de defesa e o estado de sítio – que
é o mais grave.
SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA E CALAMIDADE PÚBLICA: DIFERENÇAS
Além
do estado de calamidade pública, é comum ouvirmos que algum
município brasileiro decretou estado de emergência. De fato,
esse é outro estado de exceção que pode ser decretado por
governadores e prefeitos – e o nome usado na lei é situação
de emergência. Mas
qual seria a diferença entre emergência e calamidade? Segundo
a lei,
trata-se de uma questão de intensidade: a calamidade pública é
decretada apenas nos casos mais graves, quando a capacidade do poder
público agir fica seriamente comprometida.
Ou seja, o estado ou município não conseguem resolver o
problema por conta própria e precisam da ajuda do governo
federal. É o estado que requer mais atenção e cuidado.
Já
a situação de emergência refere-se a danos menores, que
comprometem parcialmente a
capacidade de resposta do poder público, ou seja, menos graves que
aqueles de uma calamidade pública. Nessa situação, eles também
dependem de ajuda do Governo Federal, mas em um grau
menor. Evidentemente, não é fácil definir essa diferença de
intensidade, e isso acaba dependendo da visão do governante a
respeito de cada caso.
APROVAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL
Situações de
emergência e estados de calamidade decretados por autoridades
municipais ou estaduais precisam ser reconhecidos pela União, a
fim de que recursos federais sejam alocados para o ente
afetado. Uma vez reconhecida a emergência ou calamidade, o
governo também define o montante de recursos que destinará ao ente
afetado. O Ministério da Integração Nacional mensura com precisão
o tamanho de uma calamidade. É preciso haver prejuízos
econômicos públicos equivalentes
a pelo menos 8,33%
da receita corrente líquida anual do
ente afetado, ou então prejuízos privados de
mais de 24,93% dessa
receita.
O QUE PODE SER FEITO EM UM ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA?
Situações extremas
requerem medidas extremas. É por isso que, em caso de estado de
calamidade pública, o governante tem à sua disposição poderes que
em situações normais seriam considerados abusivos, a fim de
salvaguardar a população atingida. Além disso, o governante passa
a compartilhar responsabilidades com outros entes,
principalmente o Governo Federal.
A Constituição
permite que em casos de calamidade pública o governante tome os
chamados empréstimos compulsórios, sobre os quais falamos em
nossa trilha
sobre tributos.
Além disso, o governante pode passar a parcelar as dívidas, atrasar
a execução de gastos obrigatórios e antecipar o recebimento de
receitas. O estado ou município afetado também pode ficar
dispensado de realizar licitação em
obras e serviços enquanto durar a calamidade. Finalmente, a
população atingida pode sacar parte do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS).
O Governo Federal
normalmente ajuda em situações de emergência com itens de
ajuda humanitária, envio da Defesa Civil ou até das Forças
Armadas, além de recursos financeiros.
EXISTE CALAMIDADE FINANCEIRA?
Observe que até agora
falamos de calamidade pública,
em sentido amplo. É porque o estado de calamidade financeira,
decretado por Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul em 2016, é uma
situação diferente – e, na verdade, bastante incomum. Não há
uma referência específica ao estado de calamidade financeira na
legislação brasileira. A situação é tão peculiar que os
dois estados envolvidos utilizam nomenclaturas diferentes.
O decreto
carioca fala
em “estado de calamidade pública no âmbito da administração
financeira” – mesma expressão usada no projeto
de lei aprovado na assembleia do estado.
Já o decreto do Rio Grande do Sul (abaixo) é mais direto:
menciona “estado de calamidade financeira”.
Esses casos trouxeram à tona uma discussão sobre as situações em que a calamidade pode ser decretada. Para alguns, ela vale apenas para crises decorrentes de um desastre natural – que são os casos previstos em lei. Para outros, qualquer situação emergencial que afete gravemente a capacidade do ente público justifica o decreto do estado de calamidade. O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul afirmou que o decreto de calamidade financeira de seu estado não possui efeito legal para a liberação de recursos e que serve sobretudo para formalizar a situação de crise e sensibilizar o governo federal.
Como
não se trata de um desastre natural, muitas das medidas típicas do
estado de calamidade pública não se aplicam à calamidade
financeira. O efeito legal mais importante para os estados
em calamidade financeira é a flexibilização
de algumas regras contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal.
O artigo 65 dessa lei prevê que, em caso de estado de calamidade
pública, o estado ou município fica temporariamente livre de:
cumprir prazos de controle de despesas de pessoal e de limites de
endividamento; atingir as metas fiscais; e utilizar o mecanismo da
limitação de empenho. Entretanto, para que essa regra passe a
valer, é necessário que a Assembleia Legislativa Estadual aprove o
decreto de calamidade do Executivo. Foi o que aconteceu no Rio de
Janeiro em novembro, quando a Alerj
aprovou o decreto do
governo estadual expedido em junho. Porém, note que essas
suspensões se
aplicam a qualquer
ente que tiver um decreto de estado de calamidade pública reconhecido
pelo Legislativo – seja ela uma calamidade financeira ou não.
O
papel do governo federal em casos de calamidade financeira também
não é muito claro, mas a expectativa é que ele auxilie no que for
possível. No caso do Rio de Janeiro, a ajuda veio com a
liberação de crédito extraordinário no valor de R$
2,9 bilhões, destinados
à realização dos Jogos Olímpicos no Rio, que ocorreram em agosto.
Agora, a expectativa do governo do Rio Grande do Sul é que o governo
federal conceda auxílio financeiro semelhante. O governador Ivo
Startori reivindica especificamente as multas arrecadadas pela
União no programa de repatriação
de recursos.
Nota: este
texto foi atualizado para explicitar as peculiaridades da
calamidade financeira, cujas condições são distintas da maior
parte das calamidades decretadas todos os anos em municípios e
estados do Brasil inteiro. Por se tratar de casos fora do comum, as
medidas tomadas para a calamidade financeira não são iguais às
normalmente adotadas em casos de desastres naturais."
Bruno
André Blume
Bacharel em Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e
editor de conteúdo do portal Politize!.
Publicado em 28 de junho de 2016. Atualizado em 23 de
novembro de 2016.
Fonte:
Politize.com.br
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