Por Ana Paula Ferreira - Mestrado em Educação
"Fico
pensando às vezes como ensinamos as crianças a ser injustas e
aceitar a desigualdade. Não que eu ache o ser humano bom por
natureza, mas faça o teste: mostre simultaneamente balas a duas
crianças de quatro anos. Para uma entregue uma bala apenas e para
outra um pote cheio. A que se sentiu desfavorecida com certeza
reclamará. Isso inclusive é tema de pesquisa de Harvard
desenvolvida em sete países, mostrando que independente da cultura
as crianças possuem senso de justiça.
Para
o não envolvimento em defesa da profissão ocorre um
duplo movimento
de negação à greve. Primeiro, há a dplomacia de não entrar no
assunto: abstém-se das reuniões que tratarão do tema, justifica
que há outras estratégias sem ser a greve, mas não participa de
nenhuma. O segundo movimento é de discursar de que greve não
adianta e assim desapercebe que os direitos trabalhistas foram
conquistas dos trabalhadores que nos antecederam, que alguns sofreram
violência policial e outros tantos presos ou até mortos.
Contudo,
com o tempo as crianças se inserem no nosso ritmo de viver e
ensinamos que a menina deve ajudar a mãe nos afazeres domésticos
enquanto o irmão assiste TV ou se diverte com os amigos.
Justificamos que o presente de Natal é um carrinho de plástico made
in China enquanto do primo é um vídeo game porque o papai
Noel quis, ou na melhor das hipóteses, explicamos que a renda de
cada família é diferente, mas não falamos o porquê da
desigualdade social. Reforçamos que o cabelo crespo deve ser
escondido, cortado, alisado, mas o cabelo liso da vizinha deve ser
objeto de admiração.
Assim
nossas crianças se tornam adultas que naturalizam as injustiças.
Ensinamos tão bem ao longo dos anos que criamos condições para se
acostumarem com a ideia de que iates e jatos não possuem impostos e
coincidentemente estão nas mãos dos mais ricos. Em contrapartida,
anualmente o brasileiro comum paga o IPVA de seus veículos. Torna-se
aceitável que mineradoras em Minas Gerais não
contribuam com o
ICMS, que o governo salve bancos, ou até mesmo que o ministro da
economia Paulo Guedes chame os funcionários públicos de
“parasitas”. Esses mesmos que se aquietam perante as
megalomaníacas oportunidades concedidas aos altos escalões da
sociedade, se duvidar dirão que os professores são doutrinadores,
ficarão horrorizados com os trabalhadores sem terra que lutam por
Reforma Agrária e farão uso do famoso discurso raso da
meritocracia.
Tudo
isso é absurdamente internalizado pela grande maioria, pois nos
acomodamos ano a ano a esse sistema capitalista desigual, ao ponto de
defender que burguesia tenha privilégios enquanto os direitos são
subtraídos da classe trabalhadora. Situação análoga de tratamento
diferenciado é percebida em Minas, no qual o governador Zema
anunciou aumento de 42% aos profissionais da segurança pública
enquanto os demais são negligenciados sob pretexto de ajuste fiscal.
Apesar dessa discrepância, milhares de servidores estaduais estão
em silêncio perturbador sobre o fato.
Paralisa-se
no medo de perder alunos, mas não observa que estamos perdendo
cidadãos, ensinando pelo exemplo sobre passividade, o comportamento
alheio a discussões políticas, e condicionamentos a uma ação
ordeira de meros cumpridores de normas. Somos bons cumpridores de
nossas funções, entretanto que consigamos não perder nossa
capacidade reflexiva de médio e longo prazo. Antônio Balduíno é
um personagem de Jorge Amado que aprendeu que greve era uma luta mais
bonita e mais forte do que as lutas que travava como malandro ou
boxeador. Descobriu que é uma luta de quem não quer ser escravo, é
uma luta de união, em solidariedade aos trabalhadores, em defesa da liberdade. Também espero que esse sentido seja recuperado e possamos
nos unir como professores, servidores
públicos, trabalhadores. Só
assim como educadora ficarei feliz, lutando por igualdade e deixando
o testemunho vivo desse princípio para que as novas gerações
resgatem o senso de justiça que nós adultos fomos capazes de
retirar.”
Ana Paula Ferreira fez mestrado em Educação na UNIFAL - Universidade Federal de Alfenas - Campus - Alfenas, MG
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