quinta-feira, 5 de março de 2020

Educação: “Grevear: ação de justiça social”





 Por Ana Paula Ferreira - Mestrado em Educação  

"Fico pensando às vezes como ensinamos as crianças a ser injustas e aceitar a desigualdade. Não que eu ache o ser humano bom por natureza, mas faça o teste: mostre simultaneamente balas a duas crianças de quatro anos. Para uma entregue uma bala apenas e para outra um pote cheio. A que se sentiu desfavorecida com certeza reclamará. Isso inclusive é tema de pesquisa de Harvard desenvolvida em sete países, mostrando que independente da cultura as crianças possuem senso de justiça.

Para o não envolvimento em defesa da profissão ocorre um

 duplo movimento de negação à greve. Primeiro, há a dplomacia de não entrar no assunto: abstém-se das reuniões que tratarão do tema, justifica que há outras estratégias sem ser a greve, mas não participa de nenhuma. O segundo movimento é de discursar de que greve não adianta e assim desapercebe que os direitos trabalhistas foram conquistas dos trabalhadores que nos antecederam, que alguns sofreram violência policial e outros tantos presos ou até mortos.

Contudo, com o tempo as crianças se inserem no nosso ritmo de viver e ensinamos que a menina deve ajudar a mãe nos afazeres domésticos enquanto o irmão assiste TV ou se diverte com os amigos. Justificamos que o presente de Natal é um carrinho de plástico made in China enquanto do primo é um vídeo game porque o papai Noel quis, ou na melhor das hipóteses, explicamos que a renda de cada família é diferente, mas não falamos o porquê da desigualdade social. Reforçamos que o cabelo crespo deve ser escondido, cortado, alisado, mas o cabelo liso da vizinha deve ser objeto de admiração.

Assim nossas crianças se tornam adultas que naturalizam as injustiças. Ensinamos tão bem ao longo dos anos que criamos condições para se acostumarem com a ideia de que iates e jatos não possuem impostos e coincidentemente estão nas mãos dos mais ricos. Em contrapartida, anualmente o brasileiro comum paga o IPVA de seus veículos. Torna-se aceitável que mineradoras em Minas Gerais não
contribuam com o ICMS, que o governo salve bancos, ou até mesmo que o ministro da economia Paulo Guedes chame os funcionários públicos de “parasitas”. Esses mesmos que se aquietam perante as megalomaníacas oportunidades concedidas aos altos escalões da sociedade, se duvidar dirão que os professores são doutrinadores, ficarão horrorizados com os trabalhadores sem terra que lutam por Reforma Agrária e farão uso do famoso discurso raso da meritocracia.

Tudo isso é absurdamente internalizado pela grande maioria, pois nos acomodamos ano a ano a esse sistema capitalista desigual, ao ponto de defender que burguesia tenha privilégios enquanto os direitos são subtraídos da classe trabalhadora. Situação análoga de tratamento diferenciado é percebida em Minas, no qual o governador Zema anunciou aumento de 42% aos profissionais da segurança pública enquanto os demais são negligenciados sob pretexto de ajuste fiscal. Apesar dessa discrepância, milhares de servidores estaduais estão em silêncio perturbador sobre o fato.

Paralisa-se no medo de perder alunos, mas não observa que estamos perdendo cidadãos, ensinando pelo exemplo sobre passividade, o comportamento alheio a discussões políticas, e condicionamentos a uma ação ordeira de meros cumpridores de normas. Somos bons cumpridores de nossas funções, entretanto que consigamos não perder nossa capacidade reflexiva de médio e longo prazo. Antônio Balduíno é um personagem de Jorge Amado que aprendeu que greve era uma luta mais bonita e mais forte do que as lutas que travava como malandro ou boxeador. Descobriu que é uma luta de quem não quer ser escravo, é uma luta de união, em solidariedade aos trabalhadores, em defesa da liberdade. Também espero que esse sentido seja recuperado e possamos nos unir como professores, servidores
públicos, trabalhadores. Só assim como educadora ficarei feliz, lutando por igualdade e deixando o testemunho vivo desse princípio para que as novas gerações resgatem o senso de justiça que nós adultos fomos capazes de retirar.”




Ana Paula Ferreira fez mestrado em Educação na UNIFAL - Universidade Federal de Alfenas - Campus - Alfenas, MG

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