Por Italo
Wolff
“Após
experimento inédito com medicamentos, ex-infectado está há 17
meses sem apresentar o vírus no organismo”
"Pela
primeira vez, pesquisadores afirmam ter conseguido eliminar o vírus
da imunodeficiência humana (HIV) de um paciente por meio de
medicamentos. A pesquisa da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), coordenada pelo infectologista Ricardo Sobhie Diaz,
acompanhou um homem de 34 anos que foi diagnosticado com o vírus em
2012 e, após sete anos de tratamento, deixou de apresentar o vírus
no organismo em março de 2019. O estudo foi apresentado na 23ª
Conferência Internacional de aids em julho deste ano.
A
pesquisa foi conduzida com seis grupos de cinco pacientes que estavam
com o vírus indetectável no organismo; isso quer dizer que a carga
viral do HIV nestas pessoas era baixa, controlada por medicamentos.
Além das drogas usualmente administradas para pacientes com HIV –
o coquetel antirretroviral – os participantes de diferentes grupos
receberam outros fármacos por 48 semanas. Ao fim do experimento,
foram comparados os resultados.
Simone
Gonçalves da Fonseca é doutora em Imunologia pela Universidade de
São Paulo e pesquisa HIV / AIDS no Instituto de Patologia Tropical e
Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (IPTSP / UFG). A
cientista explica que o grupo de pacientes acompanhados por
Ricardo Sobhie Diaz que apresentou melhores resultados recebeu dois
antirretrovirais a mais que o coquetel antiaids padrão, o
Dolutegravir e o Maraviroc, e também um antirreumático (Auranofina)
e a forma ativa da vitamina B3 (nicotinamida). A pesquisadora explica
como o processo funciona:
Pesquisa coordenada por Ricardo Sobhie Diaz é a primeira a conseguir extinguir o HIV do organismo sem transplante de medula óssea | Foto: Reprodução / Fundec |
“A
nicotinamida – que é a vitamina B3 encontrada em peixes,
castanhas, cereais e outros – reverte a latência da célula e
aumenta a replicação viral. O vírus sai do reservatório onde fica
em latência, geralmente em células nos gânglios linfáticos e no
intestino, para se replicar, assim ficando exposto à superdose de
antirretrovirais. A nicotinamida também aumenta a imunidade celular,
ficando os linfócitos mais competentes para eliminar o vírus. O
maraviroc bloqueia o CCR5, co-receptor de entrada do HIV na célula.
Em conjunto, a nicotinamida e maraviroc atuam de forma sinérgica
revertendo a latência celular, facilitando a eliminação do vírus.
No
grupo de cinco pessoas que passou pela terapia descrita, quatro
tornaram a apresentar o vírus após o término do tratamento, mas um
dos pacientes – que tem sido chamado de “o paciente de São
Paulo” – está há 17 meses sem a presença do vírus no corpo.
“Um em cinco significa 20% de sucesso. Não atinge todo mundo, mas
é um percentual muito melhor do que os dois outros casos de cura da
aids de que se tem registro, conseguidos por meio de transplante de
medula óssea.”
Pacientes curados
O
próprio termo paciente de São Paulo é uma referência ao paciente
de Berlim, Timothy Ray Brown, e o paciente de Londres, Adam
Castillejo; as primeiras pessoas a serem curadas do HIV em 2007 e
2015. Entretanto, ambos foram curados por um método muito diferente.
Os dois receberam um transplante de medula óssea cujo doador tinha
uma mutação genética rara conhecida como CCR5 delta 32 que os
tornavam resistentes ao HIV. O transplante é mais complexo e caro do
que a terapia medicamentosa pesquisada por Ricardo Sobhie Diaz.
Simone Gonçalves da Fonseca pesquisa grupo de pessoas que não necessita de medicamentos para controlar a AIDS | Foto: Reprodução |
“Os
pacientes de Berlim e Londres tiveram leucemias e necessitaram de
transplantes de medula óssea. A mutação CCR5 delta 32 faz com que
a medula produza células sem o correceptor de entrada do HIV na
célula (CCR5). O vírus tem dificuldade de entrar no linfócito CD4,
a célula de defesa que é o principal alvo do HIV”, afirma Simone
Gonçalves da Fonseca. A pesquisadora afirma que a perspectiva de se
obter uma cura por outra via mais simples tem empolgado a comunidade
científica.
Entretanto,
pesquisadores têm sido cuidadosos ao classificar o sucesso como
“cura”, já que 17 meses sem apresentar o vírus é um período
relativamente curto e o estudo precisa ser replicado com uma amostra
maior de voluntários. Em entrevista
à CNN,
Ricardo Sobhie Diaz afirmou já estar trabalhando em uma próxima
fase que deve contar com 60 pessoas e incluirá mulheres como
voluntárias. A pesquisa está temporariamente paralisada pela
pandemia do novo coronavírus.
O
grupo de pesquisadores que Simone Gonçalves da Fonseca integra
atualmente conduz um estudo financiado pela agência americana
Foundation for Aids Research (amfAR, Fundação para a Pesquisa da
Aids) que busca compreender melhor o grupo que consegue controlar a
infecção do HIV sem a necessidade de remédios. “Este grupo muito
especial é composto por apenas 0,3% a 1% do total de infectados e
são classificados como “controladores de elite”. Com o tempo,
podem vir a apresentar viremia (presença de vírus no sangue
circulante), mas estudamos um conjunto de pacientes que estão há
mais de sete anos sem carga viral”, diz Simone Gonçalves da
Fonseca.
Este
grupo de pessoas raras é alvo de estudos em todo o mundo, afirma a
cientista. Sua capacidade de controlar a infecção é explicada por
fatores diversos: alguns genéticos, como a ausência do receptor
CCR5 delta 32, outros atribuídos ao próprio vírus, e alguns ainda
são desconhecidos. A proposta dos pesquisadores é integrar dados do
transcriptoma (expressão gênica) das células destes hospedeiros
especiais. “Queremos saber quais genes estas pessoas raras
expressam em comparação com um grupo controle saudável ou
infectados comuns para identificar possíveis mecanismos envolvidos
na proteção desses indivíduos controladores de elite”, diz
Simone Gonçalves da Fonseca. Esse projeto é desenvolvido em
parceria com o pesquisador Luiz Gustavo Gardinassi, também professor
do IPTSP / UFG."
Parabéns, ciência brasileira!
Parabéns, ciência brasileira!
Fonte:
JORNAL OPÇÃO
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