sábado, 30 de março de 2024

Manipulação é sutil


"A manipulação é sutil, às vezes demora anos para a pessoa se perceber manipulada. ANOS. Isso porque ela se manifesta invisível, quase uma mosca-branca que entra na sala de estar trazendo doença, mas como não é vista, a vítima, apesar de sofrer, não compreende a causa e por fim, atribuí a si a culpa."

Por Ana Paula Ferreira

"É mês do dia internacional da mulher e é necessário falarmos de um tema, nem sempre comum de ser debatido, justamente porque não é claro, e, portanto, não é tão facilmente percebido. Trata-se da manipulação psicológica, que faz parte de uma das violências na qual a mulher geralmente é alvo mais fácil, justamente pelas relações assimétricas de poder. A manipulação é sutil, às vezes demora anos para a pessoa se perceber manipulada. ANOS. Isso porque ela se manifesta invisível, quase uma mosca branca que entra na sala de estar trazendo doença, mas como não é vista, a vítima apesar de sofrer, não compreende a causa e por fim, atribuí a si a culpa.


E como pode ocorrer de maneira tão velada? Trago aqui 3 pontos importantes da manipulação: a falta de transparência, o controle e a vitimização. A fim de ilustrar cada um deles eu uso o filme “Gaslight” que, aliás, inspirou a ideia de abuso psicológico, diante da distorção da realidade. Resumidamente, a história se passa numa casa na qual a esposa percebe que luz estava falhando e o marido, passa a questionar a sanidade mental da mulher, sendo que, na verdade, ele sabia que isso ocorria e que ele mesmo quem provocava.


Essa é uma das características principais da manipulação: falta de transparência. Tudo fica às escuras, sem luz suficiente e, portanto, não se consegue tatear a realidade com precisão. A informação vem do manipulador, ao ponto de a vítima passar a duvidar do que viu, da sua própria memória, como se tudo não passasse de coisas da sua cabeça. Nesse jogo de enganação, o marido galanteia a funcionária, convida-lhe para outros espaços sem ser o do trabalho, elogia, passatempo fechado sozinho com ela na sala. 


Enquanto isso, faz juras à esposa que se preocupa com a saúde dela, quando, na verdade, a real intenção é deixá-la insegura, incapaz de tomar as próprias decisões. Tal qual a lâmpada que ora ilumina, ora cede à escuridão, o manipulador seduz, joga charme, é gentil, prestativo, pois precisa de pessoas que cedam à sua vontade. Ao mesmo tempo, faz cortina de fumaça para ludibriar, mente e engana, tanto a esposa quanto com a funcionária, pois seu objeto final era o poder, e por isso a necessidade de uma imagem imaculada, de homem distinto, perfeito.


Ora, se o objeto é o poder, precisava do outro ponto da manipulação... o controle. No filme a vida da mulher é milimetricamente calculada, reduzindo sua rede de apoio para facilitar a opressão. O manipulador evita que a casa seja frequentada por amigos, maldiz cada um deles como se não fossem boas companhias, evita sair publicamente com a companheira e quando saem, ele quem decide os lugares, persuadindo que ela participou da decisão. Controla a correspondência, as visitas, os passeios, pois ao isolá-la, lhe fragiliza ao ponto de sentir dependente emocional do manipulador.


Por fim, o abuso psicológico ocorre também pela vitimização do algoz. Sim. Apesar de enganar, ele irá distorcer em tamanha proporção e sob toda uma dramatização ao ponto de a vítima pedir desculpas, considerando-se de fato egoísta ou paranoica. Essa terceirização da responsabilidade é atrelada ao perfil do manipulador que geralmente não manifesta empatia, tem pouco apreço pela dor alheia, nem se comove com o sofrimento da própria companheira.


As consequências disso na vida da vítima são várias. Por tender a acreditar que está perdendo a habilidade mental, omite o que acontece para os mais próximos, com receio de estar sendo injusta com o parceiro. Fica tão vulnerabilizada emocionalmente que perde a essência, deixa de fazer coisas que gosta, de criar planos, sofre de insônia, sentimento de inferiorização, irritabilidade, dependência emocional e baixa autoestima.


Diante disso, o gaslight é uma violência grande, no qual o manipula-dor, brinca com os sentimentos alheios, como se estivesse brincando com lego, em que cada peça só lhe interessa na construção de seus projetos, afinal não tem responsabilidade afetiva com aqueles ou aquelas que lhe depositaram confiança. Que entendamos para não repetir esse papel e muito menos em minimizar o sofrimento de quem já passou por essa manipulação."

 

Ana Paula Ferreira  

Militante do Coletivo Feminista Mulheres Pela Democracia, Além de mestre em Educação.










Fonte: Educação nossa de cada dia 

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