Contra-ataque
"Fazer
com que as próprias células tumorais se voltem contra o câncer é a estratégia
inovadora que está sendo usada por pesquisadores canadenses para tratar a
leucemia.
O
tratamento consiste em reprogramar as células tumorais para fazê-las produzir
uma substância que estimula o sistema imunológico a combater o câncer.
A
primeira fase de ensaios clínicos, cujo objetivo é atestar a segurança do
método, está sendo realizada no Centro do Câncer Princesa Margaret, em Toronto,
sob a coordenação do imunologista Christopher Paige.
"Estamos
testando essa abordagem no tratamento da leucemia mieloide aguda (LMA), um tipo
de câncer que tem origem na medula óssea e acomete as células brancas do
sangue. Caso funcione, o mesmo princípio poderia ser usado contra qualquer tipo
de tumor com potencial para causar metástase", disse Paige.
Reprogramação celular
A
técnica consiste em retirar células tumorais do próprio paciente a ser tratado,
reprogramá-las com o uso de um vírus e injetá-las de volta no organismo em uma
única aplicação. O objetivo é fazer com que as células malignas modificadas
passem a expressar a proteína interleucina-12 (IL-12), uma citocina
pró-inflamatória capaz de estimular o combate à doença.
"Para
conseguirem crescer e se disseminar pelo organismo, os tumores precisam ser
capazes de neutralizar os radares do sistema imune. As células malignas, muitas
vezes, secretam substâncias que fazem com que as células de defesa se tornem
tolerantes ao corpo estranho. A IL-12 é capaz de reverter esse perfil de
tolerância", explicou Paige.
Essa
citocina pró-inflamatória atua em diferentes níveis, podendo ativar um tipo de
célula de defesa chamado linfócito T auxiliar (LT CD4+), capaz de secretar
grandes concentrações de outra citocina chamada interferon-gamma (IFN-Γ), que
por sua vez aumenta a atividade de outras células de defesa, como os
macrófagos. A IL-12 também pode ativar os linfócitos do tipo NK (Natural
Killer ou células
exterminadoras naturais), importantes no combate a células tumorais e ajuda a
maturar os linfócitos citotóxicos (LT CD8+), que atacam diretamente células
estranhas ao organismo.
"Nossa
hipótese é que, ao serem recolocadas no paciente, as células reprogramadas vão
se espalhar pelo organismo e alcançar os órgãos linfoides [locais onde
predominam os linfócitos, como a medula óssea, o timo, os linfonodos e o baço].
Lá elas ativariam o sistema imune, que passaria a atacar tanto as nossas
células reprogramadas quanto as demais células leucêmicas. Esse é o
plano," contou Paige.
Um paciente por mês
A
estratégia se mostrou segura e eficaz nos testes pré-clínicos feitos com
camundongos. Além de eliminar a doença, proporcionou aos animais sobrevida
equivalente à de roedores sadios - em torno de dois anos.
Até
o momento, somente uma pessoa recebeu o tratamento. Foi aplicada uma pequena
quantidade de células reprogramadas com o objetivo de verificar se há algum
tipo de resposta imune, quais células de defesa estão sendo recrutadas e dosar
os níveis das substâncias pró-inflamatórias liberadas.
"Vamos
acompanhar esse paciente durante 30 dias, tempo suficiente para termos certeza
de que não estamos causando nenhum mal ao seu organismo. Ao final desse
período, se tudo correr bem, trataremos um segundo paciente. E assim
continuaremos, tratando um por mês, até atingirmos 10. Devemos demorar ao menos
um ano para avaliar a segurança e termos uma ideia mais clara de como o método
funciona em humanos", disse Paige.
O
principal risco, segundo o pesquisador, é que o excesso de IL-12 no organismo
possa desencadear uma tempestade de citocinas inflamatórias, o que poderia
prejudicar o funcionamento dos órgãos e até mesmo levar à morte. Nos testes
pré-clínicos, porém, não foram observados efeitos adversos graves.
Leucemia Mieloide Aguda
A leucemia
mieloide aguda se caracteriza pela rápida proliferação de células brancas
anormais, que não amadurecem, não desempenham sua função e ainda se acumulam na
medula óssea, interferindo na produção das outras células sanguíneas, como
hemácias e plaquetas.
Os
sintomas são muito variados, podendo incluir dor nos ossos, perda de peso,
aumento dos nódulos linfáticos, anemia, infecções recorrentes, hematomas e
hemorragias. A progressão costuma ser rápida, podendo atingir os nódulos
linfáticos, fígado, baço, cérebro, medula espinhal e testículos.
A doença representa 25% dos casos de leucemia
em adultos e é o tipo que apresenta a mais baixa taxa de sobrevida. Atualmente,
o principal tratamento é a quimioterapia, que pode levar à remissão total da
doença na maioria dos casos. Porém, segundo Paige, mais de 70% dos pacientes
apresentam retorno da doença em menos de um ano. ”
Fonte: Diário da Saúde
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