José Maria Tomazela -
Estadão - sexta-feira, 19 de maio de 2017
Regina (nome fictício) foi com os filhos para uma casa de acolhida após ter denunciado o marido por agressão Foto: Epitacio Pessoa/Estadão |
SOROCABA - “Com o dobro
da população em relação à capital, o interior de São Paulo
registra pelo menos três vezes mais casos de violência contra a
mulher.
Segundo a Secretaria de
Segurança Pública (SSP), no ano passado houve, em média, 3,5
tentativas de homicídio por mês contra mulheres na capital, ante
17,9 no interior (três vezes mais). Em relação às lesões
corporais dolosas (quando há intenção), a capital registrou 779 e
o interior, 2.794 (três vezes e meia mais). Já os casos de estupro
consumados ficaram proporcionalmente iguais: média de 10 por mês na
capital e de 20 no interior (duas vezes mais). Os homicídios que
vitimaram as mulheres mantiveram a mesma proporção: 2,25 por mês
na capital e 4,45 no interior (duas vezes mais).
Nos primeiros três meses
de 2017, a violência contra a mulher no interior cresceu ainda mais,
na comparação com os números da capital. Houve 2 tentativas de
homicídio por mês em São Paulo e 16,3 no interior (oito vezes
mais). A média mensal de lesões corporais em mulheres foi de 745 na
capital e 2.971 no interior (quatro vezes maior). Já a média mensal
de estupros consumados foi de 11,3 na capital e de 25 no interior. No
período também foram registrados dois casos por mês de
feminicídio, crime de ódio com base no gênero, na capital e 4,3 no
interior.
O interior de São Paulo
tem 23,5 milhões de habitantes e a capital paulista, 12 milhões, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A estatística leva em consideração os casos relacionados à Lei
Maria da Penha, ou seja, aqueles caracterizados como de violência
doméstica e familiar contra a mulher. Após abril de 2016, foram
incluídos os casos de feminicídio. Muitos tiveram desfecho em
cidades pacatas do interior, com baixos indicadores de violência.
Morte por não abortar.
Foi o que aconteceu em Saltinho, cidade de 7 mil habitantes, na
região de Piracicaba, em 24 de abril. O gerente de uma fábrica de
roupas, Cristiano Romualdo, de 39 anos, matou a publicitária Denise
Stella, de 31 anos, com quem mantinha relacionamento extraconjugal,
porque ela engravidou e se negava a abortar. Romualdo jogou o corpo à
beira de uma estrada. O gerente confessou o crime e está preso. Os
dois eram conhecidos na pequena cidade que, nos últimos 10 anos,
tinha registrado apenas dois homicídios.
Para a assistente social
Elisabete Pires da Silva, do Centro de Integração da Mulher
(CIM-Mulher) de Sorocaba, que há 20 anos acolhe vítimas da
violência doméstica, embora álcool e droga sejam os principais
motivadores das agressões, em áreas mais remotas persiste um
sentimento de posse do homem em relação à mulher.
“Ainda há um traço
cultural machista, de que o homem pode ter toda a liberdade e a
mulher, não. Quando se insurge, é reprimida e, muitas vezes,
agredida. A cultura começa dentro de casa, quando pai e mãe toleram
que o filho deixe roupas espalhadas e não ajude mas tarefas
domésticas, mas obrigam a filha a fazer.”
Duas chacinas acontecidas
em dezembro de 2016 no interior de São Paulo tiveram o machismo como
ingrediente, segundo investigações policiais.
A primeira foi registrada
em Jaboticabal. Depois de ser rejeitado por uma garota de programa, o
cabeleireiro William Ferreira Costa, de 27 anos, matou seis pessoas
em um bordel. Entre as vítimas, quatro eram mulheres, entre elas
Dione da Silva Lima pivô do crime, e a dona do bordel, Leonilda
Lucindo. Ele tentou justificar os assassinatos alegando que estava
com a mulher quando outro homem a pegou pela mão e a levou ao
quarto.
A segunda chacina
aconteceu na noite de 31 de dezembro. O técnico de laboratório
Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, invadiu uma casa, em Campinas, e
matou a tiros 12 pessoas da família e se suicidou. Nove das vítimas
eram mulheres, entre elas sua ex-mulher, Isamara Filier, de 41 anos.
Ela havia registrado cinco boletins de ocorrência por ameaças do
ex-marido.
Uma carta escrita pelo
homem revelou que a chacina era uma vingança. O texto tinha também
conteúdo de ódio contra as mulheres. Na ocasião, o órgão as
Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das
Mulheres (ONU Mulheres) repudiou o crime, considerando violência de
gênero e fruto do “machismo”.
Ameaças depois de
denúncias são comuns
Regina (nome fictício),
de 26 anos, está em uma casa de acolhida com os dois filhos há 30
dias. Ela veio do Nordeste para o interior de São Paulo em 2014,
conheceu um rapaz e passou a morar com ele. A jovem já tinha um
filho e teve outro com o novo companheiro. “Primeiro, foram só
ameaças. Depois, ele me trancou em casa e, mesmo grávida, me jogou
no chão, ameaçando de morte. Pedi ajuda e a Justiça deu medida
protetiva”, conta, protegida pelo anonimato.
Apesar da medida
judicial, o homem voltou a assediá-la e ela, com medo, retomou a
relação. “Acreditei nele, mas durou pouco. Ele começou a beber,
chegava em casa, xingava, ameaçava e me batia. Disse que, se eu
voltasse a mexer com a Justiça, ele punha bandidos atrás de mim.”
Muitas mulheres agredidas
costumam deixar de fazer a denúncia porque são ameaçadas. E não é
raro que as ameaças se concretizem. Foi o que aconteceu em Ipaussu,
cidade de 13,6 mil habitantes, na região de Ourinhos, há um mês.
Cansada de apanhar, Dayane Gianetty, de 27 anos, deixou o marido, e
ele tentou matá-la. Denunciado, Carlos Messias, 24 anos, foi preso
e, ao sair da prisão, quatro meses depois, foi atrás da ex e a
matou a facadas. Ele ainda passou com o carro sobre o corpo dela.
Em Jundiaí houve um caso
semelhante. Em 1.º de fevereiro, Eduardo de Oliveira, de 21 anos,
foi preso após perseguir, atropelar e matar sua mulher, Aline
Cristina das Neves, de 36. Ela trabalhava como frentista e, cansada
das agressões, tinha pedido a separação. Depois de derrubá-la com
o carro, ele deu ré e passou sobre o corpo.”
Fonte: Estadão – O
Estado de S. Paulo
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