Especialistas dizem que modelo não tem evidência científica de que há melhora na aprendizagem – Robson Fernandes/Estadão |
Por
Renata Cafardo - Estadão
“Mesmo que o programa
de escolas cívico-militares anunciado nesta quinta-feira pelo
presidente Jair Bolsonaro tenha adesão total, ele vai atingir apenas
0,15% das 141 mil escolas públicas brasileiras. A ideia é enviar
recursos para 216 escolas até 2023, que aceitem receber militares da
reserva para cuidar da disciplina e da gestão. O governo federal não
tem escolas, por isso, Estados e municípios, que são os
responsáveis pelas escolas públicas do País, precisam aderia ao
programa.
Para especialistas, com
essa abrangência máxima é muito difícil mudar a realidade
educacional do País. O Brasil é uma das nações com pior
desempenho em avalições internacionais. Provas nacionais também
indicam que crianças não estão plenamente alfabetizadas aos 8 anos
e mal compreendem o que leem aos 14 anos.
Bolsonaro vai investir R$
54 milhões por ano nessas 216 escolas. Só nesta semana, o MEC
cortou R$ 39 milhões em investimento em pesquisa de mestrado,
doutorado e pós-doutorado.
O Espírito Santo, um dos
Estados que mais tem avançado em educação no País, afirmou que
não deve aderir ao programa. "Apesar de desconhecermos os
detalhes do projeto, a implementação de escolas cívico-militares
não está no planejamento da Secretaria de Educação do Espírito
Santo", disse ao Estado o secretário Vitor De Angelo. A rede
pública do Espírito Santo teve o melhor resultado do País em
avaliações do governo federal no ano passado, tanto em Português
quanto em Matemática, no ensino médio. O Estado investiu recursos
em escolas em tempo integral e em combate a evasão escolar.
"A militarização é
a confissão deste governo na sua incapacidade de formular e
implementar políticas educacionais consagradas pelas experiências
nacionais e internacionais. É a negação de evidências, que
apontam para a emergência de outras estratégias", diz a
presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila
Cruz. Para ela, é mais umas política que vai tirar recursos e tempo
de gestão do que realmente é importante, como formação dos
professores e escolas com educação integral.
Para o doutor em educação
pela Universidade de Nova York (EUA) e secretário de Educação do
Distrito Federal até o mês passado, Rafael Parente, por melhor que
o modelo seja, ele não funcionará se for imposto. Ele deixou o
cargo justamente por causa de polêmica envolvendo a implementação
desse tipo de escola. Parente discordou do fato de o governador
Ibaneis Rocha (MDB) não aceitar consultas feitas a escolas que
rejeitaram a presença de militares. "Você não consegue fazer
nada nada na educação, não transforma a educação sem o apoio dos
diretores, professores, família e alunos."
Parente, no entanto, não
acredita que esse modelo vá resolver os problemas de educação do
País porque "não há evidências em nenhum lugar do mundo que
ele funcione" e porque atingirá pouquíssimas escolas.
Em geral, a justificativa
da gestão compartilhada com a PM é a de trazer mais segurança e
disciplina para as escolas em áreas de risco social. Em Goiás, já
há 60 escolas estaduais militarizadas, com avaliação positiva do
governo. Elas têm fila de espera e as vagas são decididas por
sorteio. Entre as regras, há a proibição de “mascar chiclete”,
“sentar-se no chão estando uniformizado” ou “usar óculos com
lentes ou armações de cores esdruxulas, mesmo sendo de grau, boné,
tiaras, ligas coloridas ou outros adornos”.
Como o modelo é recente,
não há estudos conclusivos mostrando melhor desempenho dos alunos
em escolas que foram militarizadas. Na coletiva de imprensa sobre o
programa, o MEC apresentou um slide que dizia que as escolas
cívico-militares tinham Ideb superior às escolas públicas civis,
mas questionado pelo Estado, não soube explicar como foram
calculados os dados.
Nesta quinta-feira, no
lançamento do programa federal, Bolsonaro comentou a polêmica no DF
e disse que era preciso "impor" o modelo. O Ministério da
Educação (MEC) havia, no entanto, divulgado um documento em que
afirmava que as escolas fariam consultas públicas sobre aceitar ou
não a mudança. Depois da declaração do presidente, o ministro
Abraham Weintraub disse que quem tem a última palavra é Bolsonaro e
que não conhecia nenhuma escola que não aceitasse se transformar em
cívico-militar.
Consultada pelo Estado, o
secretário de Educação de Pernambuco, Fred Amancio, também disse
que sua equipe ainda vai verificar se o programa está alinhado com o
projeto para a Educação de Estado. Pernambuco também é destaque
em educação no País, principalmente no ensino médio.
Atualmente, existem cerca
de 200 escolas cívico-militares no País, em convênios entre as
secretarias da Educação e as secretarias de Segurança dos Estados.
A maior parte delas está em Goiás, que declarou que deve aderir ao
programa federal. Há ainda escolas nesse modelo em Minas Gerais,
Roraima, Amazonas e Bahia.
As escolas
cívico-militares foram chamadas de “autoritárias” recentemente
pelo Ministério Público Federal (MPF) da Bahia. O órgão
recomendou que as escolas não mais interfiram em corte de cabelo,
cor das unhas e maquiagem dos estudantes ou os impeça de namorar. O
órgão considerou que elas “restringem a liberdade de expressão”
ao proibir até que frequentem locais de jogos eletrônicos e
controlar suas redes sociais.
No DF foram 7 escolas
implantadas desde o início deste ano. "Algumas têm resultado
favoráveis porque bem ou mal você acaba transformando aquele
ambiente em mais seguro, nem que seja pelo medo dos militares."
No entanto, segundo ele, muitos alunos com mau desempenho também
deixam a escola depois da militarização porque temem o modelo
rígido.“
Fonte:
Estadão
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