De herdeiro de Tancredo e quase presidente a denunciado na Lava Jato: a história de Aécio
Fernanda
Odilla Da BBC Brasil em Belo Horizonte
“Um
dia antes de o Senado aprovar o impeachment da então presidente
Dilma Rousseff, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) subiu na tribuna do
plenário para atacar sua principal adversária na campanha
presidencial de 2014.
"Se
apoderaram do Estado Nacional com a sensação da impunidade, de
estarem acima da lei. Pois bem, o tempo passou e a resposta está
aí", disse no dia 30 de agosto, num discurso que durou 11
minutos.
Menos
de um ano depois, as palavras proferidas pelo tucano parecem ter se
voltado contra ele próprio. Aécio se vê hoje afastado do cargo por
determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), teve prisão pedida
pela Procuradoria-Geral da República e, nesta sexta-feira, foi
denunciado por Rodrigo Janot sob a suspeita de corrupção passiva e
obstrução de justiça.
Naquele
que é o ponto baixo de sua vida pública até agora, é suspeito de
tentar frear a operação Lava Jato, que veio à público em março
de 2014 e, desde então, já transformou mais de uma centena de
políticos em alvos de investigação.
Em
depoimento de sua delação premiada homologada pelo STF, Joesley
Batista, dono da JBS, disse que pagou R$ 2 milhões em propina ao
senador tucano no começo deste ano. O dinheiro teria sido entregue a
um primo de Aécio, Frederico Pacheco de Medeiros, preso no último
dia 18.
A
operação também deteve Andrea Neves, irmã do senador - ela também
é suspeita de ter participado da negociação do que a PGR afirma
ser propina.
A
entrega do dinheiro foi registrada em vídeo pela Polícia Federal,
que rastreou o caminho do dinheiro e descobriu que parte do montante
foi depositado na conta de uma empresa do senador Zezé Perrella
(PMDB-MG).
Aécio
nega as acusações e afirma jamais ter recebido propina. Diz que
pediu um empréstimo, ser vítima de calúnia e lamenta ter visto a
irmã detida "sem que nada justificasse tamanha arbitrariedade".
O
nome do senador já havia sido citado em delações de empreiteiras,
entre elas a Odebrecht, o que lhe fez virar alvo de inquéritos. Mas
foram as acusações da JBS que o deixam agora sob o risco de virar
réu - o que ocorrerá caso o ministro Marco Aurélio Mello, relator
de seu caso no STF, aceite a denúncia apresentada por Janot. “
Essa
decisão não tem data para ocorrer.
Andrea Neves, irmã de Aécio |
Herança
e futebol
Desde
que a denúncia da JBS veio à público, Aécio tem sido chamado nos
bastidores de "cadáver político".
Aliados
mais próximos, entre eles tucanos mineiros, classificam sob a
condição de anonimato como "graves demais" as suspeitas
que pesam contra o amigo e companheiro de partido.
Ainda
assim, em Brasília poucos verbalizam a necessidade de uma punição
para o senador. Apenas a Rede e PSOL defendem abertamente a cassação
do mandato dele.
Ninguém
arrisca dizer, contudo, se esse é o fim de uma carreira herdada do
pai Aécio Cunha, que foi deputado federal e estadual, e dos dois
avôs, Tancredo Neves, ex-governador de Minas e eleito presidente do
Brasil (morreu antes da posse), e Tristão da Cunha, que passou pelo
Congresso e participou do governo de Juscelino Kubitschek nos anos
1950.
Com
tantos homens públicos na família, ele e as duas irmãs respiram
política desde cedo. Tinham o costume de brincar com santinhos dos
parentes confeccionados para eleições quando criança.
Aécio
da Cunha Neves nasceu em 10 de março de 1960, em Belo Horizonte.
Viveu na capital mineira até os 12 anos, quando a família se mudou
para o Rio de Janeiro.
O
jornalista Maurício Cannone foi colega de sala do tucano na oitava
série, em meados dos anos 1970, num colégio que não existe mais no
Leblon, bairro nobre da zona sul da cidades.
"Não
era dos mais brilhantes, mas não era mau aluno. Se dava bem com todo
mundo", recorda Cannone, que costumava trombar com Aécio no
Maracanã.
Aécio viveu em Minas até os 12
anos, quando família se mudou para o Rio.
Cannone
conta que o senador, torcedor declarado do Cruzeiro e do Botafogo,
sempre foi fã de futebol. "O pai dele era diretor do Cruzeiro
em Belo Horizonte, e me lembro dele contando que foi ao enterro do
Roberto Batata, o ponta direita", diz o jornalista.
Aécio
não era bom de bola, mas, quando jogava futebol, usava uma camisa do
zagueiro cruzeirense Darci Menezes. Naquela época, Política não
era assunto recorrente.
"Era
1975, ditadura militar. Política não era estimulada. Eu nem sabia
que ele era neto de Tancredo Neves", lembra Cannone.
Aécio,
o hoje jornalista e muitos outros alunos do Magdalena Campos foram
continuar os estudos em outros colégios. Os dois nunca mais
estiveram na mesma sala, e acabaram perdendo o contato.
"Uma
vez encontrei ele na rua, olhei e ele não me reconheceu. Deixei pra
lá", conta.
Tancredo Neves |
De
ajudante do avô a deputado federal
Aécio
foi estudar economia na PUC-Rio, mas nunca foi militante estudantil.
Além de futebol, gostava mesmo era de surfar, de corridas de
motocross e de viajar. Morava num apartamento na badalada avenida
Vieira Souto, na zona sul, e a praia de Ipanema era como a extensão
de sua casa. Desde então, ganhou a fama de "bon vivant",
namorador e amante da noite carioca.
O
jornalista mineiro Lucas Figueiredo conta em seu blog que, enquanto
Aécio ainda pegava ondas e não demonstrava muito interesse pela
política, a irmã dele, pouco mais de um ano mais velha, vivia o
oposto.
Andrea
militava pela esquerda e havia, por exemplo, ajudado a fundar o PT no
Rio. Mas
foi Aécio, e não Andrea, quem Tancredo Neves escolheu para
acompanhá-lo a partir de 1981. Ele foi chamado a conhecer sua terra
natal como secretário particular do avô em Belo Horizonte.
Transferiu-se para a PUC-Minas e, enquanto estudava economia, ajudava
o então senador e, depois, governador, Tancredo Neves.
Antes
disso, quando tinha 19 anos, Aécio havia sido nomeado para trabalhar
como secretário parlamentar no gabinete do pai na Câmara dos
Deputados, em Brasília. Mas cuidava da agenda do pai do Rio mesmo,
fato que causaria polêmica mais de 30 anos depois, na eleição de
2014 - ele negou qualquer irregularidade, dizendo que à época
funcionários comissionados não eram obrigados a trabalhar na
capital federal.
O
jovem participou das campanhas vitoriosas de Tancredo a governador de
Minas e a presidente do Brasil. De ajudante do avô, tornou-se
militante das Diretas Já (1983-1984). Assumia a política como
missão.
Com
a morte de Tancredo, em 21 de abril de 1985, acabou nomeado por José
Sarney, que na condição de vice assumiu o comando do país, como
diretor de Loterias da Caixa Econômica Federal. Ficou no cargo um
ano e saiu para disputar pela primeira vez uma eleição.
Em
1986, foi eleito deputado federal pelo PMDB. Depois migrou para um
novo partido: o PSDB.
'Pacote ético'
Aécio
se elegeu deputado por quatro mandatos consecutivos e conquistou
projeção nacional. Tornou-se líder do PSDB e, em 2001, conseguiu
vencer a disputa pela Presidência da Câmara desafiando o PFL (atual
DEM) - à época principal aliado do então presidente Fernando
Henrique Cardoso.
À
frente da Casa, emplacou o que chamou de "pacote ético",
com medidas como a criação do Conselho de Ética da Câmara -
agora, diante das acusações que pesam contra ele, pode ser alvo do
órgão homólogo no Senado.
Mas
depois de 16 anos no Legislativo, ainda faltava no currículo um
cargo no Executivo.
Em
1992, já filiado ao PSDB, Aécio havia disputado sem sucesso a
Prefeitura de Belo Horizonte - terminou em terceiro lugar. Dez anos
depois, porém, liquidou a disputa ainda no primeiro turno e foi
eleito para um cargo ainda maior: o de governador de Minas Gerais.
Contou com o apoio do então governador mineiro Itamar Franco, apesar
das divergências do ex-presidente com FHC e o PSDB.
"Naquela
eleição, ele já inventou o 'Lulécio'. Apesar de o PSDB ter José
Serra como candidato, em Minas ele não atacou Lula", conta o
deputado estadual de Minas, Rogério Correia (PT), um dos maiores
opositores que Aécio encontrou no Estado.
Correia
conta que já fazia oposição ao PSDB desde o início dos anos 1990.
Durante o governo Aécio (2003-2010), fez denúncias contra Aécio e
seu grupo. "Mas essa da JBS eu não sabia", diz.
O
deputado trouxe a público, por exemplo, denúncias de corrupção
como o mensalão do PSDB, que teria usado agências de publicidade
ligadas ao empresário Marcos Valério, que anos depois seria o
operador do mensalão do PT, para superfaturar contratos e desviar
recursos públicos em meados dos anos 1990 durante gestão do
governador tucano Eduardo Azeredo.
Outro
exemplo foi a chamada Lista de Furnas, que teria usado verba da
estatal para pagar propina a tucanos, e repasses de publicidade a
emissoras de rádio sob o comando da família Neves - o que Aécio
sempre negou.
A
maioria das denúncias, lembra o próprio Correia, não foi adiante.
Acabaram arquivadas pelo Ministério Público. Ele diz ter "comido
o pão que o diabo amassou" - acabou sendo alvo de uma
investigação que ainda está sob análise da Promotoria mineira.
"Dentro
da Assembleia tinha o rolo compressor do Aécio. Era muito difícil
fazer oposição", recorda Correia, para quem as vozes de
oposição eram poucas e foram sendo sufocadas, em especial porque,
no início, até mesmo o PT nacional tinha simpatia por Aécio.
O
deputado diz ainda que, já no começo do primeiro mandato, o
governador deu início a um processo de "blindagem" na
mídia local e, em certa medida, junto ao Ministério Público
estadual que, teria poupado Aécio de questionamentos mais duros,
críticas e, principalmente, escândalos.
O
tucano sempre negou ter tido a vida facilitada pela imprensa ou por
autoridades.
'Goebbels das Alterosas'
Segundo
Correia, quem cuidava da imagem de Aécio na mídia era a irmã
Andrea Neves.
"Nessa
área de comunicação, ela mandava e desmandava. Apelidamos ela de
Goebbels das Alterosas, comandava com punhos de aço", diz o
deputado, referindo-se a Paul Joseph Goebbels, ministro da Propaganda
na Alemanha nazista entre 1933 e 1945.
Um
dos primeiros a abordar a relação dos Neves com a imprensa foi
Marcelo Baêta, à época um estudante de jornalismo da UFMG. Como
trabalho de conclusão de curso, em 2006, ele fez um documentário
chamado Liberdade, Essa Palavra para o qual gravou
jornalistas narrando como teriam sido perseguidos ou demitidos por
terem criticado a gestão do então governador.
"Logo
depois de publicar o vídeo, no fim de agosto, o governo lançou o
vídeo resposta, no início de setembro. Um vídeo um tanto quanto
chulo e agressivo", recorda o jornalista.
No
material oficial, alguns dos entrevistados de Baêta mudaram a versão
dada anteriormente.
"Creio
que criou um certo ceticismo em relação ao meu vídeo, ou pelo
menos confusão nas pessoas a respeito de qual era a real posição
desses entrevistados. Ao que tudo indica, eles sofreram uma pressão
forte e truculenta, ao estilo Andrea Neves, que agora está presa,
mas na época era muito poderosa. Ao que parece, eles ficaram com
medo e cederam."
Para
o jornalista, na mídia mineira "estava tudo dominado" e,
na nacional, "o cenário era amplamente favorável" a
Aécio, dada a pouca quantidade de notícias criticando ou
questionando a gestão do tucano.
CPIs
e bafômetro
Em
2010, Aécio deixou o governo mineiro com a popularidade nas alturas
para concorrer a uma cadeira no Senado. Dois anos antes, havia
conseguido a façanha de costurar um acordo com o PT para eleger o
empresário Márcio Lacerda (PSB) prefeito de Belo Horizonte.
Levava
no currículo como principal obra a construção da Cidade
Administrativa, a nova sede do governo de Minas, vitrine agora sob
suspeita com as delações da Odebrecht - os executivos da
construtora afirmaram que a licitação foi fraudada, a obra
superfaturada e que houve pagamento de propina.
Na
disputa de 2010, Aécio foi eleito senador sem dificuldades, assim
como fez seu sucessor em Minas, o aliado e ex-vice Antonio Augusto
Anastasia (PSDB-MG), hoje também senador.
Foi
Anastasia quem relatou o impeachment de Dilma no Senado.
No
Senado, Aécio se colocou como principal nome da oposição e tentava
se cacifar para disputar a eleição presidencial. Mas nunca foi
titular ou suplente de nenhuma das 13 CPIs (Comissões Parlamentares
de Inquérito) instauradas desde 2011, segundo informações
disponibilizadas no site do Senado.
Dizia-se
que ele atuava mais nos bastidores. Desde 2011, apresentou 39
projetos de lei e oito propostas de emenda à Constituição.
Fora
da vida pública, acabou sendo alvo de notícias negativas. Em 2011,
foi parado numa blitz da Lei Seca no Rio. Estava com a carteira de
habilitação vencida e não soprou o bafômetro. Foi ainda filmado
cambaleante, pedindo uma bebida num bar na mesma cidade.
Em
2014, nas vésperas da campanha, foi questionado diretamente se já
havia sido usuário de cocaína. "Jamais, claro que não",
disse ao jornalista Fernando Barros e Silva, no programa Roda Viva,
da TV Cultura, antes de atribuir o boato ao "submundo" da
internet.
"Sou
um homem do meu tempo. Nunca vesti o figurino de um político
tradicional. Nunca deixei de ter minhas relações pessoais. (...)
Não conseguem dizer que sou desonesto efetivamente. Não conseguem
dizer que sou incompetente. De alguma forma, os ataques têm que vir.
Se o ataque que tem é esse do submundo...", emendou.
Alçado
a candidato tucano à Presidência da República, viu o escrutínio
aumentar - inclusive sobre sua gestão em Minas, encerrada anos
antes.
Em
julho de 2014, o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem
afirmando que Aécio, quando governador, havia autorizado a
construção de um aeroporto numa área que era de um tio em Cláudio
(MG). Ele sempre negou qualquer irregularidade - disse que seu tio
foi prejudicado com a desapropriação. No ano passado, a Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) concedeu homologação do
aeródromo, que agora é público.
Nem bem, nem mal
Ao
longo da vida, Aécio incorporou à sua imagem de homem público o
gosto por festas com celebridades e empresários como Luciano Huck e
Alexandre Accioly, além de passeios de moto e a cavalo.
O
namoro de cinco anos com a modelo Letícia Werner virou o casamento
e, às vésperas das eleições presidenciais de 2014, o casal
anunciou que estava grávido de gêmeos. O pai da jovem Gabriela, de
um relacionamento anterior, viu, aos 54 anos, nascer Julia e
Bernardo.
Na
disputa presidencial, chegou a ser desacreditado. Mas, quando
amargava um terceiro lugar, conseguiu ultrapassar Marina Silva na
reta final e ir para o segundo turno com Dilma Rousseff. Perdeu por
pouco mais de 3 milhões de votos, numa das mais acirradas disputas
desde a redemocratização.
Sua
influência em Minas, porém, saiu arranhada. Em sua base eleitoral,
foi derrotado por Dilma e não conseguiu levar ao segundo turno seu
candidato a governador, o tucano Pimenta da Veiga. O PT ganhou a
disputa ainda no primeiro turno com Fernando Pimentel.
Após
a derrota nas ruas, partiu para o ataque. Presidido por ele, o PMDB
foi ao Tribunal Superior Eleitoral tentar cassar a chapa Dilma-Temer,
processo cujo julgamento está previsto para ser retomado na próxima
terça-feira.
"Vamos
fiscalizar, vamos acompanhar, vamos cobrar, vamos denunciar. Vamos
combater sem tréguas a corrupção que se instalou no governo
brasileiro", disse em primeiro discurso pós-eleitoral no
Senado.
Na
votação que sepultou o governo Dilma no Senado, sublinhou as
denúncias de corrupção que pesam contra o PT, provavelmente sem
imaginar que, meses depois, ele próprio estaria afastado do cargo,
acusado de irregularidades.
Nem
mesmo amigos mais próximos têm saído em defesa do senador. Mas
também não o atacam. "Em respeito, não falo nem bem nem mal",
diz um tucano mineiro, que conhece Aécio de longa data e pediu para
não ter seu nome citado.
Contudo,
não está abandonado. Parece estar ganhando tempo - tem recebido
visitas em casa de políticos aliados e, até agora, apenas Rede e
PSOL indicaram senadores para analisar o caso do tucano no Conselho
de Ética do Senado.
Não
disfarça, porém, o abatimento, principalmente por causa da irmã,
cuja prisão, segundo a defesa, foi injusta e desnecessária.
Desde
o dia em que subiu à tribuna para defender o impeachment de Dilma e
atacar os que se beneficiam da sensação de impunidade, Aécio
parece ter se transformado em um exemplo que comprova uma frase por
vezes atribuída ao seu avô Tancredo e, outras vezes, ao
ex-governador de Minas Magalhães Pinto:
"Política
é como nuvem. Você olha e está de um jeito; você olha de novo e
ela já mudou." “
Fonte:
BBC - Brasil
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