Não é só o álcool: o fígado também é afetado pela gordura dentro dele |
Por Mariana Alvim - @marianaalvimDa BBC News Brasil em São Paulo
"Inúmeros
estudos - e o senso comum - indicam que atividades físicas ajudam na
perda de gordura e na prevenção da obesidade e diabetes.
localização do Fígado |
Mas
qual é o papel de exercícios musculares na ação destes distúrbios
sobre um dos órgãos mais importantes e multifuncionais do nosso
corpo, o fígado?
Foi
esta pergunta que motivou um estudo de pesquisadores brasileiros da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da USP (Universidade de
São Paulo) em parceria com colegas das universidades de Harvard e de
Massachusetts College of Pharmacy and Health Sciences, nos EUA. O
trabalho foi publicado neste mês no periódico internacional Journal
of Endocrinology e teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo).
Experimentos
feitos com camundongos mostraram que 15 dias de treino moderado de
força foram suficientes para diminuir o acúmulo de gordura no
fígado e melhorar o controle da glicose no organismo. É a primeira
vez que um estudo demonstra os efeitos especificamente do treino
muscular - e não exercícios aeróbicos, como caminhar e correr, por
exemplo - neste órgão.
Para
entender a descoberta e o que ela pode representar para o nosso
cotidiano, é preciso primeiro entender as partes do corpo
envolvidas, seu funcionamento - e as disfunções.
A gordura que não se vê
Quando
você pensa em gordura, pode logo pensar naquela que se vê: na
barriga, nos braços, nas pernas...
No
entanto, ela também se acumula nos órgãos. E o fígado, já
conhecido por segurar o consumo excessivo de álcool e alimentos
pesados, também sofre com a presença anormal de gordura dentro dele
- que se torna tóxica para o órgão.
"Todo
mundo tem um pouco de gordura no fígado. Mas quando há um acúmulo
e ele não é tratado, o quadro pode evoluir para uma inflamação, a
esteato-hepatite. Se continuar não tratando, pode até se
desenvolver para uma cirrose e, em casos mais extremos, carcinomas
(tumores malignos)", explica à BBC News Brasil Leandro Pereira
de Moura, professor da Unicamp e coordenador da pesquisa.
Por
isso, o fígado é afetado com a obesidade e, também, com a diabetes
tipo 2 (relacionada à obesidade e ao sedentarismo, que normalmente
atinge pessoas com mais de 40 anos - apesar de afetar pessoas cada
vez mais cedo).
Estas
são, atualmente, condições que representam alguns dos mais graves
e crescentes riscos à saúde da população em nível mundial.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2016, 13% dos
adultos em todo o o globo estavam obesos; em relação à diabetes
(de ambos os tipos), em 2014, ela atingia 8,5% deles.
E
estes distúrbios são ainda correlacionados: segundo a organização
britânica Diabetes.co.uk, acredita-se que a obesidade seja
responsável por 80 a 85% do risco de desenvolver a diabetes tipo 2.
Algumas pesquisas chegaram a mostrar que pessoas obesas têm 80 vezes
mais chances de desenvolver essa doença.
Mas
como a diabetes 2 - envolvida no estudo - afeta diretamente o fígado?
A
diabetes é uma doença que se manifesta por problemas na produção
ou nos efeitos da insulina, hormônio produzido pelo pâncreas que
permite a entrada da glicose nas células, para transformá-la em
energia.
O
fígado é um dos principais órgãos envolvidos na gestão do açúcar
no organismo. Isso porque ele "estoca" glicose, liberada
quando o fígado responde à insulina. Isso se evidencia por exemplo
em jejuns, pois é o órgão que garante algumas horas de
"combustível" para o corpo sem a alimentação.
"O
pâncreas secreta a insulina, mas ela age de diferentes formas no
organismo. Por exemplo, no cérebro, ela pode controlar a fome; no
músculo, ela faz a captação de glicose. No fígado, a ação da
insulina é justamente liberar e parar a produção de glicose",
explica Moura, que fez pós-doutorado pela Unicamp em parceria com a
Escola de Saúde Pública de Harvard.
"Quando
a gordura se torna tóxica para o fígado, o órgão deixa de
responder de forma adequada à insulina. Então, indivíduos obesos e
diabéticos apresentam um quadro de resistência à insulina.
Significa que eles têm o hormônio, mas o organismo não responde
bem".
O papel dos exercícios
Assim,
reduzir a presença da gordura no órgão é algo fundamental para
pacientes como obesos e diabéticos.
Mas
como fazê-lo?
Uma
vez que os efeitos da redução de peso e dos exercícios aeróbicos
na eliminação da gordura em todo o organismo já são bem
conhecidos, Moura e sua equipe decidiram testar o papel dos
exercícios de força especificamente no fígado.
Como
queriam saber o papel da atividade muscular, fizeram testes com
cobaias garantindo que não haveria perda de peso.
Os
camundongos, manipulados sob as regras da legislação brasileira e
da avaliação do comitê de ética da Unicamp no que diz respeito a
pesquisas com animais, foram divididos em três grupos: o grupo de
controle recebeu uma ração padrão e não fez exercícios; outro
recebeu dieta hiperlipídica (35% de gordura) e também não fez
exercícios; o último grupo também teve a dieta hiperlipídica mas,
quando já havia ficado obeso e diabético, fez exercícios de força
por 15 dias.
Com
o fim do teste, este grupo (cobaias que passaram por exercícios)
ainda estava obeso, mas tinha valores normais de glicemia em jejum;
também teve redução de 25-30% na gordura no fígado. Já os obesos
sedentários permaneceram diabéticos.
Agora,
os próximos passos dos pesquisadores devem incluir testes com
humanos e buscar por detalhes sobre como este impacto positivo do
exercício muscular acontece. Segundo Leandro Moura, a chave para
isso deverá estar no papel de certas proteínas que temos no corpo.
"Está
sendo bastante investigado o papel das chamadas 'exercinas',
proteínas liberadas para o sangue durante o exercício físico.
Quando liberadas para o organismo, elas atuam em diferentes órgãos:
cérebro, fígado, pulmão...", explica.
Eventualmente,
confirmando-se as propriedades destas proteínas, a equipe vislumbra
até sintetizá-las, transformando-as em remédios, por exemplo. Mas,
destaca o pesquisador, mesmo que estes fármacos venham a existir, a
atividade física ainda seria fundamental.
"Estamos
muito longe de entender a total funcionalidade do exercício físico.
Temos não só o efeito biológico, mas o psicológico etc. Não
podemos resumir isso tudo a uma cápsula", diz o professor da
Unicamp.”
Fonte:
BBC news Brasil
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