"A Relação
amistosa do clã político com grupos criminosos formados por
policiais e militares no Rio remonta a mais de uma década e inclui
elogios e homenagens. Filho do presidente empregava parentes de
miliciano foragido.Em seu discurso de posse, o presidente Jair
Bolsonaro afirmou que "é urgente acabar com a ideologia que
defende bandidos e criminaliza policiais". Agora, há pouco mais
de três semanas na chefia do governo, o clã Bolsonaro se vê
pressionado pelos elos do primogênito do presidente, o deputado
estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), com "bandidos"
de farda. No caso, membros do submundo das milícias do Rio de
Janeiro.
SAIBA MAIS
O
novo episódio também colocou sob nova perspectiva antigas
declarações de membros da família - inclusive do próprio
presidente - em defesa de milícias. Alguns suspeitos de integrar
esses grupos chegaram até mesmo a receber homenagens oficiais por
parte de Flávio no passado.
A
milícia é formada por policiais, bombeiros e militares da ativa ou
fora de serviço que exercem um controle direto de dezenas de favelas
e bairros do Rio por meio de assassinatos, tortura e extorsão.
Também exploram serviços e estão envolvidos com a grilagem de
terras.
Na
terça-feira (22/01), em meio a uma operação policial contra grupos
de milicianos que controlam as comunidades de Rio das Pedras e da
Muzema, na zona oeste da capital fluminense, o jornal O Globo revelou
que o gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj)
empregou por anos a mãe e a esposa de um dos alvos principais da
ação: o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega.
Adriano,
que continua foragido, é apontado pela Operação Os Intocáveis
como um dos chefes do chamado Escritório do Crime, um grupo de
extermínio formado por membros da "banda podre" da polícia
que comete assassinatos por encomenda, muitas vezes a mando da
milícia. A polícia também investiga a suspeita de participação
desse grupo na morte da vereadora Marielle Franco em 2018 por
encomenda da milícia que controla a favela de Rio das Pedras.
Segundo
O Globo, a mãe do ex-capitão, Raimunda Veras Magalhães, trabalhou
no gabinete de Flávio em diferentes períodos entre 2015 e novembro
de 2018. Já a esposa, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega,
permaneceu na lista de assessores ininterruptamente por mais de uma
década, entre setembro de 2007 e novembro de 2018. Em 2011, Adriano
já havia sido preso em uma operação de grande repercussão no Rio
por suspeita de atuar como segurança de um bicheiro. Em 2014, foi
expulso da Polícia Militar (PM).
O
caso também se entrelaçou com mais uma das encrencas de Flávio: o
relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)
que apontou movimentações bancárias milionárias por parte de
outro ex-assessor do senador eleito, o ex-PM Fabrício Queiroz. O
documento mostra que Raimunda, mãe do miliciano Adriano, fez
repasses a Queiroz, que também é um amigo de décadas do presidente
Jair Bolsonaro.
Documentos
do Coaf citados pelo O Globo apontam que Queiroz movimentou 7 milhões
de reais entre 2014 e 2017. A suspeita é de que o ex-PM coletava
parte dos salários da equipe de assessores de Flávio na Alerj. O
senador eleito nega ter alguma relação com o suposto esquema.
Homenagens
e mais ligações com milicianos
Os
caminhos de Flávio e do miliciano já se cruzaram de maneira mais
pública no passado.
Em
2003, quando iniciou seu primeiro mandato na Alerj, Flávio propôs
uma homenagem a Adriano da Nóbrega. Na moção de louvor, Flávio
disse que "o policial militar desenvolvia sua função com
dedicação e brilhantismo, desempenhando com absoluta presteza e
excepcional comportamento as suas atividades". Em 2005, Adriano
recebeu a medalha Tiradentes da Alerj a pedido de Flávio. Em abril
de 2018, a vereadora assassinada Marielle Franco recebeu postumamente
a mesma honraria - e Flávio foi o único deputado da Alerj que votou
contra a concessão.
O filho do presidente também prestou homenagem na Alerj, em 2004, a outro suspeito de integrar o Escritório do Crime e alvo da operação de terça-feira: o major da ativa Ronald Paulo Alves Pereira, que acabou sendo preso. À época da homenagem, Pereira já era investigado como autor de uma chacina de quatro jovens em São João de Meriti (RJ), ocorrida em dezembro de 2003. Mais de 15 anos depois, ele ainda não foi julgado pelo caso. Seu júri está marcado para abril.
Durante
a campanha de Flávio ao Senado, surgiram outras ligações do filho
do presidente com milicianos. Em agosto, a Operação Quarto Elemento
prendeu dezenas de policiais suspeitos de extorquir vendedores de
produtos piratas e comerciantes em situação irregular.
Entre
os presos estavam os irmãos Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, dois
PMs que atuaram como seguranças em atos de campanha de Flávio. Eles
são irmãos de Valdenice de Oliveira Meliga, assessora de Flávio na
liderança do PSL na Alerj e tesoureira do partido no Rio. Em outubro
de 2017, Flávio publicou em suas redes sociais uma foto ao lado do
pai e dos três irmãos Oliveira. Na legenda, escreveu: "Parabéns,
Alan e Alex, pelo aniversário, essa família é nota mil!!!".
Outros
três policiais denunciados na Quarto Elemento também foram
homenageados por Flávio Bolsonaro na Alerj entre 2007 e o início de
2018.
Defesa
da milícia pelo clã Bolsonaro
As
homenagens não constituem os únicos casos em que Flávio demonstrou
publicamente uma relação amistosa com policiais e militares ligados
à milícia. Em 2008, durante as discussões para a instalação da
CPI das Milícias na Alerj - motivada pelo sequestro e tortura de
jornalistas por milicianos -, Flávio aproveitou a ocasião para
elogiar a atuação dos grupos como uma alternativa para repelir
traficantes.
"Sempre
que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades,
supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a
felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à
escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes, e
que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito
constitucional, que é a segurança pública."
Em
2007, Flávio já havia dito em discurso na Alerj que não achava
"justa" a "perseguição" de milícias por parte
de "entidades ligadas a direitos humanos". "Não
podemos simplesmente generalizar, dizendo que esses policiais, que
estão tomando conta de algumas comunidades, estão vindo para o lado
do mal. Não estão", afirmou.
O
próprio Jair Bolsonaro chegou a defender publicamente a atuação
das milícias quando os grupos já eram conhecidos pela violência.
Em 2008, o então deputado federal afirmou que elas deveriam ser
"legalizadas". "Elas oferecem segurança e, dessa
forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o
que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não
consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro,
deveria legalizá-las", disse ele à rede BBC.
No
mesmo ano, Bolsonaro criticou o relatório final da CPI das Milícias
da Alerj quando o documento foi entregue à Câmara Federal. Ele
disse na ocasião que era preciso diferenciar "milicianos que
organizam a segurança da comunidade" daqueles que exploram a
"venda de gás ou o transporte alternativo". "Não
podemos generalizar. [...] É um relatório covarde."
Em
julho de 2018, quando já aparecia na liderança das pesquisas
eleitorais, Bolsonaro se distanciou do tema e disse ao jornal O Globo
que as "milícias acabaram se desvirtuando".
Flávio,
por sua vez, minimizou em 2011 o assassinato da juíza Patrícia
Acioli por milicianos em Niterói. Na ocasião, escreveu no Twitter
que a juíza "humilhava policiais". "Que Deus tenha
essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com que ela humilhava
policiais nas sessões contribuiu para ter muitos inimigos",
escreveu ele, à época, no Twitter.
Essa
não foi a única vez em que ele criticou a atuação de juízes que
agiam contra milicianos. Em 2015, a juíza Daniela Barbosa Assumpção
de Souza foi agredida durante uma inspeção no Batalhão Especial
Prisional (BEP) em Benfica, que concentrava PMs presos, para apurar
denúncias de que milicianos estavam recebendo mordomias. Ela foi
cercada, agredida e teve a blusa rasgada por PMs detidos. Na ocasião,
Flávio defendeu os agressores e culpou Souza. "A juíza se
dirigiu de forma desrespeitosa a alguns policiais, chamando de
vagabundos e milicianos. [...] Acabou sendo expulsa lá de dentro por
policiais que se revoltaram."
O
crime do Rio bate à porta do Planalto
Para
se distanciar das nomeações de parentes de um miliciano, Flávio
disse que as indicações foram feitas por Queiroz, justamente o pivô
da investigação das movimentações suspeitas detectadas pelo Coaf.
A defesa de Queiroz disse que ele foi mesmo o responsável pela
contratação, mas que não sabia que Adriano da Nóbrega tinha
ligação com o crime.
No
dia anterior, o jornal O Globo informou que Queiroz - que faltou a
dois depoimentos no final de dezembro para prestar esclarecimentos
sobre o volume de dinheiro que passou pela sua conta - permaneceu
escondido por alguns dias na comunidade de Rio das Pedras logo após
a revelação do caso Coaf.
Rio
das Pedras é considerada o berço da milícia carioca. A região é
dominada pelo grupo desde o início dos anos 2000 e ganhou mais
visibilidade em 2010 graças ao filme Tropa de elite 2: o inimigo
agora é outro, que teve como foco as milícias e que batizou a
favela dominada pelos vilões do longa como "Rio das Rochas".
Rio
das Pedras também se entrelaça com a morte de Marielle e do
motorista Anderson Gomes. Uma das hipóteses das investigações -
que se arrastam há quase um ano - é de que o assassinato foi
encomendado por causa da atuação da vereadora no combate à
grilagem de terras pela milícia na zona do oeste do Rio. O carro
usado no crime, um Cobalt prata, partiu de Rio das Pedras na noite do
assassinato. Ainda segundo o jornal O Globo, o celular do major
Ronald Pereira, suspeito de integrar o Escritório do Crime, foi
detectado nas imediações do local da morte dias antes.
No
domingo à noite, após passar o fim de semana sendo castigado por
novas revelações do relatório do Coaf, Flávio concedeu entrevista
às emissoras Record e Rede TV!. Diante de jornalistas amistosos, ele
disse que os 96 mil reais depositados de forma fracionada em sua
conta em 2017 eram resultado da venda de um apartamento.
Mesmo
sem exibir documentos, ele parecia ter ganhado tempo com a
justificativa. No entanto, a revelação de que dois assessores têm
parentesco com um suspeito de integrar um grupo de extermínio a
soldo de milicianos voltou novamente a pressionar o senador eleito -
e, consequentemente, o governo Bolsonaro."
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Informações:
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Fonte: Terra.com
Fonte: Terra.com
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