Tenente Pedro Aihara - porta voz dos bombeiros |
O tenente Pedro Aihara é o porta-voz dos bombeiros na tragédia de
Brumadinho"
Por Conteúdo Estadão
“Com
uma voz tranquila, fala articulada, aspecto sereno, o tenente Pedro
Aihara, de 25 anos, se tornou a face da atuação do Corpo de
Bombeiros de Minas no resgate das vítimas da tragédia da Vale, em
Brumadinho. Desde as primeiras horas, é esse bombeiro, de
ascendência japonesa, quem aparece em frente às câmeras,
explicando como estão os trabalhos em campo, desmentindo boatos,
acalmando a população. E contando: um número cada vez maior de
mortos e a ocorrência ainda de mais de duas centenas de
desaparecidos.
Não
é com a imprensa, porém, com quem o porta-voz da corporação se
preocupa na hora dos boletins. "Eu venho com a perspectiva do
familiar que perdeu uma pessoa e está nos assistindo em um momento
delicado, de muita dor. Minha preocupação é com a pessoa que foi
afetada de alguma maneira, que ela se sinta minimamente acolhida. Que
ela possa perceber que está sendo feito um trabalho de
responsabilidade", disse no intervalo de um lanche, na manhã de
Sexta.
E
esse trabalho vai muito além dos informes. Ele também está na
linha de frente do contato com os parentes das vítimas, que o
procuram desesperados. "Como as pessoas veem meu rosto e acabam
associando com os bombeiros é natural que me procurem, porque
enxergam em mim o representante da instituição. O tempo todo
perguntam: 'Já sabem onde está o meu parente? Eu não sei de nada,
conseguem me ajudar?'", conta. "Abraçar a todas essas
famílias e sentir essa dor que eles estão sentindo é o maior
desafio para mim."
O
gesto é literal. No terceiro ou quarto dia de buscas, um pouco já
confusos na memória de tantos dias incessantes de trabalho, a mulher
de um homem desaparecido o abordou. Sem ter as respostas que ela
buscava, Pedro simplesmente a abraçou, e ela despencou no choro.
"Tem hora que a gente tem de respirar fundo para retomar a
tranquilidade", conta, emocionado.
Mineiro
de Belo Horizonte, Pedro está desde pequeno no mundo militar e tem
um currículo que impressiona. Fez colégio militar, entrou na
Aeronáutica aos 15, e nos bombeiros aos 19, onde se formou em
ciências militares com ênfase em gestão e prevenção de
catástrofes. Depois fez Direito na Federal de Minas e duas
especializações: uma na USP, em gestão de projetos, e outra na
Universidade de Yamaguchi, no Japão, em gestão de desastres. Agora
faz mestrado em direitos humanos e acesso à justiça na UFMG.
Na
conversa com o jornal O
Estado de S. Paulo,
mantém o tom calmo e profissional que ficaram característicos ao
longo da semana e só descontrai quando fala da família. Pedro conta
que a mãe tem certa "culpa" pela sua tão elogiada
eloquência. "Tinha sido professora e sempre foi muito
preocupada com a questão de leitura. Eu comecei a ler bem cedo mesmo
e terminava os livros muito rápido. Ai ela achava que eu estava
tapeando, que eu não estava lendo nada, e me botava pra ler em voz
alta para ter certeza", conta, rindo. "Às vezes, eu
passava a tarde inteira lendo pra ela em voz alta. Li Harry Potter
assim", diverte-se. "Acho que isso ajudou nessas
habilidades comunicativas, que eu nem acho que seja isso tudo aí que
o pessoal está falando."
Ele
credita seu modo sereno de lidar com a tragédia a uma formação
humanista iniciada em casa. A mãe, mineira, é artesã. O pai,
japonês, numa dessas coincidências que se tornam mais comuns em
Minas, trabalha com logística de mineração. "Sempre aprendi a
me colocar no lugar do outro."
Nesse
contexto, a escolha por bombeiro foi quase natural. "Queria ter
contato direto com pessoas e ajudar de alguma forma. E acho que a
profissão de bombeiro é mais mágica ainda porque tem a noção
exata dessa diferença. Quando se salva uma vida, uma pessoa que
estava desaparecida... A gente vê a gratidão da pessoa. Não tem
dinheiro no mundo, não tem sensação melhor do que essa."
Frustração
Em
Brumadinho - assim como ele já tinha sentido em Mariana, onde também
atuou, há três anos, e no massacre na creche de Janaúba -, porém,
é preciso lidar com o oposto disso e lutar contra o sentimento de
frustração. "Nosso objetivo é sempre entregar as pessoas
salvas, com vida. Se não é possível, a gente tenta entregar um
corpo para a família velar, porque sabemos que isso vai diminuir o
sofrimento", afirma.
Mas
Pedro já sabe que nem isso será possível. Chega um momento, diz,
que se torna impossível encontrar algo. "Daqui a algum tempo de
operação - e isso vai demandar alguns meses -, com o estado
avançado de decomposição dos corpos, eles se misturam à lama. A
quantidade de rejeito envolvida, o tamanho da área afetada pela
tragédia, o fato de os corpos estarem muito espalhados, tornam
algumas recuperações realmente impossíveis pela questão biológica
mesmo", explica.
Ele
já se prepara psicologicamente para o momento futuro em que tiver de
anunciar que as buscas acabaram. Pedro não quis estimar quanto tempo
pode levar o trabalho, mas lembra que em Mariana, até acharem os 19
corpos, foram três meses de trabalho. "Esperamos que antes
disso a gente tenha conseguido encontrar o maior número de corpos
possível. Essa notícia de encerrar as buscas sem ter encontrado
todo mundo, acho que vai ser o momento mais difícil dessa operação.
É a notícia que eu não quero dar. Não quero ser o porta-voz dessa
tragédia." As informações são do jornal O
Estado de S. Paulo.”
Fonte: Brasil ao minuto
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