Fonte: Valk Aviation
Por Luciana Zaramela LLuciana Zaramela
"Imagine-se no seguinte
cenário: você tem uma viagem de avião marcada, chega ao aeroporto
e aguarda pelo embarque. Lá fora, o tempo se fecha cada vez mais e,
ainda assim, sua viagem é inadiável. O número de raios e
relâmpagos começa a aumentar e as chances de um deles atingir seu
avião também. E aí, você embarcaria? E se um raio acertasse a
aeronave em cheio, com você dentro? O que aconteceria?
Primeiramente, aqui vai
uma estatística interessante: segundo o ELAT, Grupo de Eletricidade
Atmosférica do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),
aviões comerciais são atingidos por relâmpagos uma vez por ano —
e isso durante decolagem ou aterrissagem, quando estão em alturas
abaixo de 5 km do solo. Se as consequências das descargas elétricas
fossem tão drásticas todas as vezes que um raio atingisse um avião,
você ouviria, no mínimo, uma manchete de noticiário por ano
anunciando que o acidente foi grave. Qual foi a última vez que você
viu uma notícia dessas na televisão?
Origem das descargas
elétricas nos aviões
A forma e o tamanho das
aeronaves podem atrair as descargas elétricas, mas os resultados,
geralmente, não causam danos irreversíveis. Na grande maioria das
vezes, o que acontece é que, ao adentrar uma nuvem ou mesmo voar
próximo dela, um avião pode intensificar o campo elétrico e dar
início a descargas, formando relâmpagos induzidos. Após formado, o
raio pode vir de dentro de uma nuvem, da nuvem ao solo ou mesmo se
formar entre duas nuvens.
Desde que um acidente
terrível acometeu um Boeing 707 em 1963, nos Estados Unidos, a
indústria aeroespacial modificou o projeto das aeronaves. Na época,
um raio acertou em cheio o Boeing em pleno voo e ocasionou a explosão
do tanque de combustível, resultando na queda do avião e morte de
81 pessoas. A partir daí, novas pesquisas foram conduzidas e a
indústria remanejou o projeto dos aviões, modificando o sistema de
combustível para praticamente eliminar os riscos de acidentes como
esse.
Avião neozelandês foi atingido por um raio enquanto voava no Canadá e teve o nariz parcialmente destruído (via Stuff NZ) |
Hoje em dia, quando um
raio atinge uma aeronave, causa apenas danos parciais na fuselagem e
nas antenas externas. Isso acontece porque, além da modificação do
sistema de combustível, os sistemas eletrônicos das aeronaves
geralmente são blindados para evitar interferências da radiação
dos relâmpagos. Além disso, com o avanço das tecnologias aéreas,
os pilotos conseguem antever condições climáticas e evitam voar
próximos a nuvens carregadas.
Estou sentado na poltrona,
um raio atinge o avião. E agora?
Saiba que, uma vez dentro
de uma nuvem ou próximo a ela, seu avião acaba virando para-raio.
Isso acontece porque um relâmpago atinge uma extremidade da
aeronave, como o nariz ou a ponta da asa, e percorre todo o corpo do
veículo na sequência, indo em direção ao solo no final. Devido ao
atrito com o ar, a carenagem do avião acumula muita eletricidade
estática, o que acaba atraindo essas descargas elétricas.
Mas se você estiver no
interior da cabine, não vai sentir muita coisa, a não ser um ruído
bem alto de trovão e aquele clarão característico, caso esteja
olhando pela janelinha. O raio atinge e se dissipa da aeronave em
fração de segundos, e logo tudo volta ao normal.
Os pilotos podem
identificar, com a ajuda dos sistemas de bordo, se houve algum dano à
aeronave e se todos a bordo estão bem. As torres de controle também
servem para informar ou serem informadas sobre a incidência de raios
para que, quando pousar, a aeronave passe por uma inspeção.
Claro que, mesmo cientes
do efeito e da “passagem” do raio pela carcaça do avião, os
engenheiros desenvolveram um sistema de segurança para evitar que
uma descarga elevadíssima de energia cause danos maiores à
aeronave. Afinal, um raio tem, em média, uma corrente de 200 mil
ampères — lembrando que, segundo Adam Savage, do Myth Busters,
sete ampères já são o suficiente para causar arritmia cardíaca
grave e matar uma pessoa. Sendo assim, as asas do avião contam com
dissipadores que servem para descarregar essa energia estática
acumulada e liberá-la durante o voo, sem comprometer os sistemas
elétricos e eletrônicos do veículo.
A Gaiola de Faraday
Você deve se lembrar
desse nome quando estudou física no ensino médio. Um experimento
conduzido por Michael Faraday em 1836 explica perfeitamente por que o
avião recebe a descarga elétrica e ninguém em seu interior sofre
os danos.
Efeito da gaiola de faraday - Imagem via Survival Mastery
O físico-químico usou
uma gaiola metálica com um isolante e uma cadeira de madeira em seu
interior, onde ele mesmo se sentou antes que uma descarga elétrica
fosse aplicada de uma bobina de Tesla diretamente à estrutura.
Quando a energia foi aplicada à gaiola, Faraday escapou ileso,
provando que o corpo dentro de uma estrutura metálica submetida a
uma descarga elétrica fica protegido devido ao caminho percorrido
pelos elétrons na parte externa da superfície.
Na prática, aviões
funcionam como gaiolas. Eles possuem fuselagem metálica e criam um
campo eletrostático. Quando um raio atinge a carcaça, esta conduz a
eletricidade apenas na parte externa, e ela logo se dissipa. Como na
Gaiola de Faraday, o interior permanece intacto. Um raio, após
atingir um avião, percorre toda a sua fuselagem e parte dele acaba
se desviando em direção ao solo.
Aviões para-raios e
aviões antirraios
Segundo Murilo Basseto, do
AeroIN, nem todos os aviões podem ser atingidos por raios. Os Boeing
747 e 777 são feitos de alumínio e reproduzem com exatidão o
efeito do experimento de Faraday. Em contrapartida, modelos mais
atuais, como o Boeing 787 Dreamliner, E-Jets da Embraer e o Airbus
350, não possuem fuselagem metálica, às vezes optando por
materiais leves, como o plástico. A parte externa é uma cobertura
ultrafina de malha de cobre ou mesmo tinta de alumínio espacial —
desenvolvida especificamente para conduzir a eletricidade e garantir
o efeito da Gaiola de Faraday.”
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