Por Johanns Eller* e Naíse Domingues*
"Lei que foi criada para
atacar a falta de acesso a produtos de higiene, que leva meninas a
perderem aulas quando menstruadas"
"RIO
— Apesar de pouco debatida no Brasil, a pobreza
menstrual —
ou seja, a falta de condições financeiras para comprar produtos de
higiene — é uma realidade para diversas mulheres, inclusive
estudantes da rede pública de ensino. Estima-se que meninas chegam a
perder 45 dias de aula a cada ano letivo por falta de acesso a
absorventes íntimos quando estão menstruadas.
P
Para
atacar esse problema, a Câmara dos Vereadores do Rio aprovou, no
último dia 3 de junho, a lei
6.603/2019,
que prevê a distribuição gratuita de absorventes nas escolas da
rede municipal.
Autor
da lei e presidente da Comissão de Direitos da Criança e do
Adolescente da Câmara, o vereador Leonel Brizola Neto relata que a
demanda partiu de pais e mães de alunas da rede
municipal preocupados
com o constrangimento de suas filhas na primeira menstruação.
Para
quem não tem condições financeiras de adquirir o produto, a saída
é, muitas vezes, faltar a várias aulas seguidas — o que prejudica
o desempenho acadêmico.
— Essa lei
saiu de um amplo debate dentro da escola
pública.
A comissão faz visitas semanais e conversamos com pais, alunos,
professores e trabalhadores. Muitas alunas,
constrangidas, faltam à aula, e muitas não
tem condições de comprar absorventes — afirma Brizola
Neto. — Além disso, para a minha surpresa, tomei conhecimento
de que são 250 mil alunos dependentes do programa Bolsa Família. É
um pequeno detalhe, mas é grave.
O prefeito
do Rio, Marcelo Crivella, ainda pode sancionar ou vetar a lei
promulgada pela Câmara. Brizola Neto diz ter conversado com a
secretária municipal de Educação, Talma Romero, que
teria se mostrado receptiva à lei promulgada:
— Há
um acolhimento na prefeitura, principalmente pela secretária da
Educação, que foi professora durante muitos anos.
Ela conhece e entende bem a dificuldade das meninas. Na
conversa, disse que vai estudar a lei para fazer a licitação e a
considera totalmente viável — explica. — Trata-se de uma questão
de higiene,
tal como o papel higiênico.
Educar
é tão importante quanto fornecer
Algumas
escolas já adotam a prática de disponibilizar absorventes na
secretaria, mas ainda não há uma política pública tratando da
questão.
Para
Clarisse Olivieri de Lima, doutora em Psicologia Educacional, o
ambiente escolar deve estar preparado para oferecer a segurança
necessária e evitar qualquer tipo de inconveniente.
— Não
há razão para as meninas se isolarem ou terem vergonha dessa
condição. O mais importante nessa situação é a abertura da
escola para promover uma maior naturalidade em lidar com o assunto.
Caso contrário, ter o absorvente na secretaria ou no banheiro da
escola não fará muita diferença — explica.
Para
além do prejuízo acadêmico, a saúde das
meninas também é uma preocupação nestes casos. Muitas ultrapassam
o tempo adequado para a troca dos absorventes ou os substituem por
produtos inadequados.
Segundo
a ginecologista e obstetra Vera Fonseca, o uso de outros materiais
para substituir os absorventes causa prejuízo à saúde íntima das
meninas.
— A
recomendação é de que ocorra uma troca sempre que estejam
devidamente acumulados. E o uso de outros produtos, como panos e
papel, esbarra diretamente na falta de higiene para
a região íntima, que pode causar infecções de pele e na vulva —
alerta a especialista.
Apesar do Legislativo das duas maiores metrópoles do país terem se debruçado sobre o tema, a discussão sobre a chamada pobreza menstrual ainda é encarada como tabu no Brasil.
O debate
sobre a realidade das estudantes com maior vulnerabilidade financeira
permaneceu fora da agenda de políticas públicas nas últimas
décadas.”
Fonte: O Globo
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