Fonte: Site do XIII Intereclesial das CEBs |
Por
Gilvander Moreira, articulista das terças-feiras
"No
Brasil, misturado com todos os golpes e desmontes de direitos sociais
conquistados com muita luta social por direitos durante várias
décadas, em tempos de superexploração do sistema do capital,
vivemos tempos de fundamentalismos, de céus povoados de anjos e
entidades, de demônios por todos os lados, de gritaria de deuses, de
promessas, de busca insaciável de bênçãos, de procissões, de
peregrinações, de necessidade de expiação, de moralismos, de
religiões sem Deus, de salvações sem escatologia, de
cristianismos light,
de libertações que não vão muito além de uma “espiritualidade”
de autoajuda. Nesse contexto de cruéis violências, uma pergunta
interpelante está sendo levantada pelos injustiçados da sociedade e
por quem está lutando ao lado deles por seus direitos: Cadê a Opção
da Igreja pelos Pobres?
Recordar
é preciso. Se lida a partir dos injustiçados, a História nos
inspira. Na Bíblia, no livro do Deuteronômio, repete-se um refrão
mais de 100 vezes: “Não esqueçam que vocês foram escravizados no
Egito” (por exemplo: Dt 5,15; 15,15; 16,12; 24,18.22). Recordar as
opressões do passado e as lutas de resistência é imprescindível
para seguirmos com as lutas libertárias. Atualmente, se teoricamente
quem está conectado com os/as injustiçados/as do Brasil e da
América Afrolatíndia cultiva e dinamiza, de alguma forma, as
epistemologias decoloniais e carrega o germe subversivo e libertador
inoculado pelos profetas e profetisas da Bíblia – as parteiras
Séfora e Fua, Jesus de Nazaré, Maria Madalena, o apóstolo Paulo,
Estêvão etc – e pelos/as revolucionários/as políticos/as
sociais – Karl Marx e Engels, por meio do materialismo histórico
dialético, Gandhi, Simone de Beauvoir, Martin Luther King, Carolina
Maria de Jesus, Che Guevara, Dandara etc -, na prática o que
segue sendo dominante no Brasil e na América Afrolatíndia é a
ideologia dominante do capitalismo e, pior, a superexploração que o
sistema do capital continua perpetrando sobre as classes trabalhadora
e camponesa ao subjugar a força de trabalho e a propriedade
fundiária da terra em forma capitalista e acumular mais-valia
reproduzindo o sistema do capital. Não apenas o “espírito”
econômico e político do capital e da classe dominante segue
dominando e superexplorando a dignidade humana e todos os
ecossistemas e biomas, mas o “espírito” religioso também foi
sequestrado pela teologia da prosperidade e pela privatização da fé
cristã dentro de propostas religiosas burguesas, patriarcais e
eurocêntricas, o que na prática nega e, pior, rechaça os ventos
emancipatórios do Concílio Vaticano II.
Fonte: Site do XIII Intereclesial das CEBs |
Nesse
contexto sócio-político-econômico-cultural e religioso, é
imprescindível recordar a Igreja do Concílio Vaticano II, que
aconteceu de 1962 a 1965. Instigado por vários movimentos populares
religiosos de base: movimento litúrgico, movimento bíblico,
movimento ecumênico, movimento de diálogo com as ciências humanas
e sociais e com o que há de saudável no chamado mundo moderno e
interpelado pelos clamores dos subjugados pela exploração que o
capitalismo impiedosamente despejava, principalmente sobre os povos
dos continentes periféricos – Ásia, África e América
Afrolatíndia -, o papa João XXIII – pontificado de 20 de
outubro de 1958 a 03 de junho de 1963 -, ouvindo os sinais dos tempos
e dos lugares, convocou o Concílio Vaticano II e abriu as portas da
igreja para a inculturação, para o ecumenismo, para o movimento
bíblico libertador, para o protagonismo dos leigos/as na Igreja e
para o diálogo crítico, mas humilde, com vários tipos de ciência
moderna. E, acima de tudo, proclamou que Igreja é Povo de Deus.
Escolhido
durante o Vaticano II, o papa Paulo VI – pontificado de 21 de junho
de 1963 a 06 de agosto de 1978 – segurou as pontas e animou a
igreja segundo os ventos libertadores do Vaticano II. As Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) se espalharam por todo o Brasil, nas
comunidades camponesas e nas periferias das cidades. Oriundo da
Teologia Política, Ver, Julgar e Agir foi o método que marcava a
metodologia a ser seguida.
Primeiro, Ver a realidade a partir da
opção pelos pobres. Segundo, Julgar não de forma moralista e nem
legalista, mas sob as luzes das ciências sociais críticas, com um
olho nos textos bíblicos e outro nos clamores dos empobrecidos. Em
terceiro lugar, mas bem entrosado com o Ver e o Julgar, o Agir era
eminentemente comunitário e social buscando sempre superar as
injustiças sociais pela raiz e não apenas com paliativos
caritativos. Era a Fé e a Política de mãos dadas, o Evangelho de
Jesus Cristo e a dimensão social da fé. Assim, a Igreja popular fez
nascer e desenvolver as Pastorais Sociais (CPT, CIMI, Pastoral
Operária, Pastoral Carcerária, Pastoral da Criança, Pastoral do
Migrante, Pastoral dos Pescadores Artesanais etc.) que contribuíram
para inscrever os direitos sociais na Constituição de 1988,
precedida por muitos seminários, discussões e debates, como por
exemplo, motivados pela Campanha da Fraternidade que anualmente
coloca um dos clamores dos porões da sociedade em baila.
Em 1986, o
tema da Campanha da Fraternidade foi “Terra de Deus, Terra de
Irmãos”, que foi vital para inscrever na Constituição Federal a
função social da propriedade e a prescrição de se desapropriar
para fins de reforma agrária os latifúndios que não cumprem a
função social. Também a prescrição de se demarcar os territórios
indígenas e quilombolas. Entretanto, após a morte do papa Paulo VI,
iniciou o eclipse dos ventos proféticos do Vaticano II, com os
pontificados de João Paulo II, de 16/10/1978 a 02/4/2005, e Bento
XVI, de 19/4/2005 a 28/02/2013.
Durante quase 34 anos, o que tivemos
de forma predominante foi espiritualismo, desencarnação da fé
cristã, propostas religiosas de autoajuda, divórcio entre a Fé e a
Política e amputação da dimensão social do Evangelho de Jesus
Cristo. Novo pentecostes que gera profecia na Igreja reiniciou-se com
a eleição do papa Francisco desde o dia 19 de março de 2013.
Resgatar essa história é imprescindível para compreendermos porque chegamos à esquizofrenia gravíssima que é termos a maioria das pessoas religiosas apoiando projetos políticos fascistas e autoritários que reforçam a idolatria do mercado e do capital, que aumenta a desigualdade social, corta direitos sociais e violenta de forma impiedosa a mãe terra, a irmã água, os biomas e toda a biodiversidade, algo totalmente antagônico com o projeto do Evangelho de Jesus Cristo. Enfim, se as igrejas e grande parte das pessoas religiosas não resgatarem a Opção pelos Pobres, não retomaremos o caminho de reconstrução de uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, democrática politicamente, (macro)ecumênica religiosamente e sustentável ecologicamente."
Resgatar essa história é imprescindível para compreendermos porque chegamos à esquizofrenia gravíssima que é termos a maioria das pessoas religiosas apoiando projetos políticos fascistas e autoritários que reforçam a idolatria do mercado e do capital, que aumenta a desigualdade social, corta direitos sociais e violenta de forma impiedosa a mãe terra, a irmã água, os biomas e toda a biodiversidade, algo totalmente antagônico com o projeto do Evangelho de Jesus Cristo. Enfim, se as igrejas e grande parte das pessoas religiosas não resgatarem a Opção pelos Pobres, não retomaremos o caminho de reconstrução de uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, democrática politicamente, (macro)ecumênica religiosamente e sustentável ecologicamente."
Frei Gilvander é também padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI,
SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
E-mail:gilvanderlm@gmail.com site: www.gilvander.org.br
Gilvander Moreira Artigo, Direito à Memória, Direitos Humanos, Fé e Política, Pedagogia emancipatória, Teologia da Libertação, Vídeos, Vídeos de frei Gilvander
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