"Por 11 votos contra 8, o Conselho Institucional do Ministério Público Federal decidiu ontem, 20, que a importação de sementes de cannabis pela via postal, em pequenas quantidades, não é considerado crime. O caso, histórico por ser a primeira vez que o órgão acusatório defende abertamente a descriminalização para uso pessoal, não vincula os acusadores a agir da mesma forma, mas serve como diretriz."
"A
Platafoma Brasileira de Políticas de Drogas entrevistou o
Advogado Alexandre
Pacheco Martins,
responsável pela defesa no caso que tratava de importação de uma
pequena quantidade de sementes da Holanda.
Martins
entende que essa decisão pode ter importantes reflexos no julgamento
do Supremo que discute a inconstitucionalidade da criminalização do
porte de drogas para uso. Interrompido pelo pedido de vista do
Ministro Teori Zavascki há mais de um ano, o julgamento tem um voto
favorável a todas as drogas, proferido por Gilmar Mendes, e outros
dois apenas pela maconha, proferidos pelos ministros Barroso e
Fachin.
Veja
a entrevista na íntegra:
PBPD:
Hoje, o Conselho Institucional do Ministério Público Federal (MPF)
decidiu que a importação de 12 sementes de maconha não poderia ser
considerada crime. Qual o impacto dessa decisão?
Alexandre
Pacheco Martins: É
uma decisão muito importante. Ela muda o paradigma das acusações
no país. É a primeira vez que uma instituição como o MPF defende
abertamente a descriminalização [para uso pessoal]. Eu nunca tinha
visto o Ministério Público falar isso publicamente. Um ou outro até
falava nos bastidores, mas eles vão colocar a decisão no papel.
Isso é impressionante, é dar autonomia para os procuradores. O
órgão falou: “vocês
não são mais obrigados a ficar correndo atrás de usuários”.
Evidentemente,
isso não significa que daqui para frente todo mundo pode entrar no
site e começar a importar – mas as chances de elas serem
denunciadas e o caso ser arquivado aumentaram em 200%. Se eu entrar
agora no site e importar, muito provavelmente isso vai ser
apreendido, vai ser encaminhado para a Polícia Federal, que poderá
instaurar um inquérito policial, mas eu nem seria acusado de nada.
Seria tudo provavelmente arquivado. Mas o que acontece é que a
pessoa ainda não vai poder receber a semente, não vai conseguir
fazer uso dela. A gente não conseguiu ainda legalizar – e não é
no MP que isso seria decidido. Esse é o próximo passo: ganhar no
STF e regulamentar o uso.
A
partir de agora, em qualquer ação semelhante o Ministério Público
Federal deverá aplicar essa decisão acordada hoje?
Alexandre
Pacheco Martins: Não.
Essa decisão não tem caráter vinculante, ou seja, ela não obriga
os procuradores da República do Brasil inteiro a aplicarem a
decisão.
Qual
é a função do Conselho Institucional do Ministério Público
Federal?
Alexandre
Pacheco Martins: A
função dele é traçar as diretrizes para o próprio Ministério
Público Federal, ou seja, apesar de não ser vinculante, é esse o
órgão que formula as diretrizes do MPF. A partir do momento em que
o órgão entende que não é tráfico internacional de drogas nem
contrabando, ele desobriga os procuradores que até não concordavam,
mas acabavam denunciando pela obrigação funcional. A partir de
agora só vai denunciar o procurador que concorda, mesmo, que é caso
de tráfico.
Enfim, as pessoas que entendem dessa maneira podem
continuar aplicando isso, mas grande parte dos procuradores já
entendia que não era [tráfico], mas batia na Justiça e alguns
juízes falavam “Você pode até achar que não é, mas eu acho que
é. Então vou mandar isso para o seu chefe”. E quando chegava no
“chefe”, em última análise acabava indo para esse Conselho
Institucional – que hoje tomou essa decisão.
PBPD:
Nesse caso específico, a chance desse réu ser absolvido na Justiça
é grande.
Alexandre
Pacheco Martins: Na
verdade, não tem como falar em absolvição porque ele não vai ser
processado. Ele nem sequer vai virar réu. Ele foi mero investigado
por tráfico internacional e, depois dessa decisão, ele é uma
pessoa comum como qualquer outra pessoa do mundo.
PBPD:
O senhor acha que essa decisão de hoje pode ter impacto no
julgamento do RE 635.659, que pode descriminalizar a porte de drogas
para consumo pessoal?
Alexandre
Pacheco Martins: Acho
que pode ter um belo reflexo. Ela influencia, mas não determina o
resultado. Mas a decisão dá, inclusive, amparo para os ministros
que estiverem inseguros: o próprio órgão acusatório oficial do
Brasil entende que casos como esse não têm grande repercussão na
vida prática das pessoas.
PBPD:
Um dos nossos seguidores comentou em nossa página que a decisão de
hoje foi pautada pela inexistência de THC na semente da maconha.
Como o senhor vê esse argumento?
Alexandre
Pacheco Martins: O
julgamento foi bem mais profundo do que isso: eles definiram que não
é nem tráfico nem contrabando. Não é tráfico pela inexistência
do THC, de fato. Mas cada procurador foi aprofundando em um sentido.
Alguns foram no sentido de não ter THC, outros falaram da
interferência do Estado na vida privada. Cada um falou em um
sentido, mas a decisão final foi a de que não é tráfico porque
não tem THC e que, portanto, a semente de maconha não pode ser
considerada a droga em si.
Num segundo ponto, entendeu-se que não
era contrabando também porque o que a gente chama de semente de
maconha, biologicamente é um fruto. Se todas as sementes são
proibidas exceto as permitidas, os frutos seguem uma lógica
diferente: eles não necessariamente são proibidos de serem
importados. Eu sustentei nesse sentido e uma das procuradoras até
acolheu esse argumento. Mas a maioria entendeu que como a quantidade
é muito pequena e o MPF entende que, num paralelo com o cigarro,
pode-se importar até 153 caixas de cigarro sem configurar
contrabando, não faz sentido você criminalizar todas as sementes de
maconha. É muito pouco. Não tem relevância penal essa quantidade.
PBPD:
Era esperada essa decisão do Conselho Institucional do MPF?
Alexandre
Pacheco Martins: Esse
julgamento começou em agosto. Quando eu fui lá para sustentar, eu
estava meio sem esperança. Mas modéstia à parte, a discussão foi
tão bacana, a gente trouxe pontos tão interessantes, que eu vi
alguns procuradores nos questionando e depois concordando com nossos
argumentos. E aí eu vi várias pessoas indo nesse sentido, foi
impossível não se empolgar."
Fonte: Jusbrasil
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