“Uma
técnica inovadora de bioengenharia pode abrir caminhos para, no
futuro, ser possível “personalizar” o fígado aguardado por
pacientes que estão na fila de espera por cirurgias para o
transplante do órgão. Isso aconteceria a partir da aplicação, no
arcabouço do fígado previamente descelularizado, de células-tronco,
com capacidade de se diferenciar e passar a desempenhar as funções
hepáticas. Essas células-tronco são produzidas a partir dos
eritroblastos, que são células sanguíneas coletadas em um simples
exame de sangue. Em poucas palavras, essa é a ideia central do
trabalho de pesquisa da equipe coordenada pela professora Regina
Goldenberg, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ).
No
Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular do IBCCF, ela
coordena o estudo, que está em fase laboratorial e, futuramente,
deve chegar à etapa de testes clínicos, ou seja, em humanos.
“Sabemos das dificuldades dos pacientes que aguardam, em longas
filas de espera, por um fígado, e do número considerável daqueles
que, mesmo após conseguirem o transplante, sofrem com a rejeição
do próprio corpo ao novo órgão. Esse número não é baixo, pois
há um percentual de 40% a 70% de pacientes transplantados que
apresentam rejeição ao novo fígado apesar da terapia
imunossupressora. Por isso, pensamos em caminhos para desenvolver um
fígado bioartificial, com técnicas modernas de bioengenharia, que
evitaria casos de rejeição do organismo", explicou
Regina. "O objetivo é aproveitar órgãos que já seriam
descartados, por não cumprirem determinadas exigências médicas
para serem utilizados em outros pacientes, e personalizá-los antes
do transplante”. Ela vem desenvolvendo seus estudos com recursos
repassados pela FAPERJ, por meio do programa Cientista do Nosso
Estado e do edital Apoio a Pesquisa para o SUS, além de
receber apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
em Medicina Regenerativa (INCT-Regenera).
Fazendo uma
analogia simples, Regina contou que ela e sua equipe trabalham com o
arcabouço do fígado a ser implantado. Trata-se da matriz
extracelular do órgão – como se ela fosse a estrutura de um
prédio vazio, a ser completada com as células obtidas do sangue do
próprio paciente. “Os eritroblastos, apesar de serem células
adultas retiradas do sangue do paciente, quando estimulados com
determinados genes, assumem o papel de células-tronco de
pluripotência induzida. Isso significa que passam a ter a capacidade
de se diferenciarem em qualquer tecido. No nosso caso, induzimos a
diferenciação em hepatócitos para serem colocadas no arcabouço
acelular do fígado, onde se tornam capazes de se adaptar e assumir
as funções das células desse órgão”, detalhou.
A capacidade de
uma célula adulta não-embrionária ser reprogramada e agir como uma
célula-tronco (pluripotente), podendo se diferenciar em células de
outros órgãos e desempenhar outras funções, foi observada pela
primeira vez pelo pesquisador japonês Shinya Yamanaka, vencedor do
Prêmio Nobel de Medicina em 2012. “Foi a partir da descoberta de
Yamanaka que decidimos criar essa linha de pesquisa no nosso
laboratório. Ele descobriu que uma célula da pele, o fibroblasto,
pode ser induzida a ir para o estágio pluripotente, quando ela pode
assumir características de qualquer outra célula. Saber que células
maduras podem se tornar pluripotentes foi um divisor de águas para
pesquisadores do mundo todo”, lembrou Regina.
Na fileira da frente, a partir da esq., Regina Goldenberg, Marlon Lemos, Cintia Paz e Lanuza Faccioli, junto com parte da equipe do IBCCF/UFRJ |
Partindo
dessa premissa, ela coordena testes para transformar os eritroblastos
coletados do sangue em células pluripotentes denominadas
de Hepatocitos-like, por se assemelharem aos hepatócitos (as
células do fígado). “Nos nossos testes, trabalhamos a partir de
eritroblastos coletados em uma simples amostra de 4mL de sangue. Em
três meses, em média, essas células sanguíneas são induzidas a
se diferenciar e se tornam pluripotentes. Em mais 28 dias,
desenvolvemos células semelhantes aos hepatócitos (Hepatocito
like). Elas não são idênticas aos hepatócitos, mas assumem
funções que só eles desempenham, como a síntese de
albumina, que é a principal proteína do sangue, e a função de
detoxicação do nosso corpo”, contou Regina. “Ainda falta
bastante para partirmos para testes em pessoas, mas estamos em um
caminho realmente inovador para a Medicina. Outras linhas de pesquisa
no laboratório do IBCCF investigam a capacidade de transformação
dessas células pluripotentes em células cardíacas, por exemplo”,
acrescentou.
Depois
de quase uma década de dedicação ao tema, Regina vem colhendo os
frutos do longo trabalho. Seu aluno de mestrado em Ciências
Biológicas - Biofísica, Marlon Lemos Dias, sob sua orientação
acadêmica, propõe uma técnica cirúrgica para implantar em ratos
esse fígado bioartificial com técnicas de bioengenharia. Juntos,
eles desenvolveram o trabalho intitulado “O uso de um arcabouço
hepático recelularizado em um modelo de transplante heterotópico em
ratos”, que foi o tema da dissertação de mestrado defendida por
Marlon em 8 de julho deste ano. Participaram do estudo como coautores
Cintia Paz, Lanuza Faccioli e Alexandre Cerqueira. O trabalho foi
agraciado com o Merit
Award pela International
Society for Stem Cell Research (ISSCR).
Também recebeu, da mesma associação, o prêmio de Travel
Award,
que viabilizou a participação de Regina e Marlon na reunião anual
do ISSCR, realizada na segunda quinzena de junho em Los Angeles, nos
Estados Unidos, onde discutiram o trabalho durante a apresentação
do pôster.
Para a
pesquisadora, representar o País nesse evento internacional foi
importante para reafirmar a importância da pesquisa brasileira.
"Fazemos uma ciência de ponta e, nesse momento de redução do
orçamento para a pesquisa, é importante mostrar à população a
relevância do nosso trabalho. Essa linha de pesquisa vai influenciar
a formulação de políticas para a saúde pública, podendo reduzir
as listas de espera pelo transplante de um órgão. O estudo também
poderá ajudar a indústria farmacêutica a testar a eficácia de
novos medicamentos nos hepatócitos modificados dos próprios
pacientes de forma personalizada, antes mesmo da realização do
transplante”, destacou Regina.”
Fonte: FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é sempre bem-vinda!