Por DW
“País
enfrenta mortandade de colmeias em vários estados. Diminuição das
espécies tem impactos na agricultura, meio ambiente e economia. Mas
tema ainda é negligenciado.
“
“A
morte de abelhas não é um fenômeno recente: é observada por
pesquisadores ao menos desde a década passada. No entanto, nos
últimos meses, a mortandade alcançou números alarmantes no Brasil."
"A
morte de abelhas não é só um risco para o Brasil, mas para o mundo
todo. Quando se pensa em abelhas, se pensa em mel. O principal
produto delas, porém, é a polinização", afirma Fábia
Pereira, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) na área de Apicultura.
Apenas
nos últimos três meses, 500 milhões de abelhas foram
encontradas mortas por apicultores no país, segundo
um levantamento feito
pela ONG Repórter Brasil em parceria com a Agência Pública. A
grande maioria dos casos foi registrada no Rio Grande Sul,
seguido por Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Além
da morte em massa de colmeias em apiários, cinco espécies nativas
de abelhas estão ameaçadas de extinção – três delas habitam a
Mata Atlântica, uma o Cerrado e outra o pampa gaúcho. Não há
dados, porém, sobre a mortandade em comunidades selvagens.
As
abelhas são responsáveis pela polinização de cerca de 70% das
plantas cultivadas para alimentação, principalmente frutas e
verduras. Sua morte coloca em risco a agricultura e,
consequentemente, a própria segurança alimentar.
Sem elas, o
ser humano enfrentaria uma mudança drástica na sua dieta, que
ficaria restrita apenas a culturas autopolinizáveis, como feijão,
arroz, soja, milho, batata e espécies de cereais.
Além
da agricultura, as abelhas são ainda agentes fundamentais para a
polinização de florestas nativas. Seu desaparecimento poderia
desencadear a morte de ecossistemas inteiros. "Se o homem
parasse de fazer qualquer outra intervenção ambiental, e as abelhas
apenas sumissem, haveria um desaparecimento da mata correspondente a
entre 30% e 90% do que temos hoje, provocando um processo de extinção
em cadeia até chegar em nós que estamos no topo", ressalta
Pereira.
Essa
mortandade tem ainda potencial para impactar a economia brasileira. O
país é o oitavo produtor mundial de mel e, em 2017, as exportações
totalizaram 121 milhões de dólares. A diminuição na produção
diante da redução do número de colmeias resultaria numa queda nas
vendas. Além disso, em caso de mortes causadas por agrotóxicos,
resíduos destas substâncias possivelmente poderiam ser encontrados
no mel, o que levaria compradores estrangeiros a rejeitarem o produto
brasileiro.
"A
exportação para a Europa é muito exigente, e qualquer resíduo é
detectado. O mel que foi produzido nos últimos meses está
contaminado. No exterior, ninguém vai querê-lo, e não há um
mercado interno suficiente para a quantidade produzida. Isso vai
desestimular a apicultura", afirma o engenheiro agrônomo Aroni
Sattler, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Números
alarmantes
A
morte de abelhas começou a chamar a atenção mundial a partir da
identificação do Distúrbio do Colapso das Colônias (CCD), em 2006
nos Estados Unidos, quando um forte surto dizimou milhares de
colmeias. Na Europa, fenômenos semelhantes estão sendo observados
desde o fim da década de 1990. Pesquisadores descobriram que, além
das doenças e da redução do habitat das espécies, os agrotóxicos
são um dos fatores que desencadeia essa mortandade.
Além
da toxicidade elevada de alguns defensivos agrícolas, contribui
para esse cenário o uso incorreto destas substâncias. Elas são
aplicadas durante o dia, quando as abelhas estão fora das colmeias,
sem seguir parâmetros de segurança e sem comunicar apicultores para
que possam deixar as caixas fechadas.
No
atual caso brasileiro, pesticidas à base de neonicotinoides e de
fipronil foram os principais agentes causadores das mortes. "O
histórico da mortandades agudas que temos constatado deixa muito
clara a sua relação com o uso de agrotóxicos", ressalta
Sattler, especialista em apicultura.
No
Rio Grande do Sul, onde mais de 400 milhões de abelhas morreram só
no primeiro trimestre, 80% das mortes foram causadas pelo fipronil,
inseticida usado amplamente em lavouras de monoculturas, mas também
em pequenas propriedades rurais. A substância é ainda muito popular
no extermínio de formigas e em remédios veterinários para controle
de insetos, como pulgas. Em Santa Catarina, resquícios do pesticida
foram detectados em colmeias mortas entre o fim do ano passado e
início deste.
"Precisamos
começar a questionar o modelo agrícola atual. Os efeitos da
expansão do monocultivo baseado em agrotóxicos estão
comprovados. Os Estados Unidos tinham 6 milhões de colmeias na
década de 1940, e hoje estão com cerca de 2,5 milhões",
destaca Sattler.
Pressão
popular
Na
Europa, a morte abelhas é há alguns anos um tema presente na mídia
e na política. Em 2017, um estudo chamou atenção da opinião
pública alemã ao revelar que as populações de insetos voadores
haviam recuado 75% ao longo de 25 anos no país. A pesquisa
desencadeou um debate sobre a questão.
Atualmente
na Alemanha a iniciativa popular "Salvem as abelhas"
quer forçar o governo da Baviera a buscar soluções para a
diminuição da biodiversidade. A proposta prevê o incentivo à
agricultura orgânica, proteção de matas ciliares, a ampliação da
ligação de habitats naturais e o banimento de agrotóxicos.
A
pressão popular e de ativistas ambientais foi fundamental para a
União Europeia (UE) aprovar no ano passado a proibição de três
substâncias neonicotinoides – clotianidina, imidacloprida e
tiametoxam, que danificam o sistema
nervoso central de
insetos, como as abelhas. Já a França foi mais além e baniu
cinco inseticidas desta categoria de derivados da nicotina.
Já
o fipronil teve seu uso restrito na Europa. Proibida completamente
na França desde 2004 e, posteriormente, em vários países europeus,
a aplicação do pesticida na União Europeia foi limitada em 2013 a
cultivos em estufas e de alho-poró, cebola, cebolinha e couve. A
substância também é banida da indústria alimentícia do bloco,
podendo ser usada apenas para combater pulgas, piolhos e carrapatos
de animais domésticos.
A
Europa patina, porém, ainda no banimento do glifosato,
outro defensivo agrícola que, segundo uma pesquisa divulgada no ano
passado, é prejudicial às abelhas.
Enquanto
países europeus estão reavaliando e restringindo o uso de
agrotóxicos, o Brasil nos últimos meses tem incentivado a liberação
de defensivos agrícolas. Em relação às abelhas, o tema
continua negligenciado, ainda mais diante do impacto que a
extinção destas espécies pode ter.
"Apesar
de todos os esforços, ainda não conseguimos sensibilizar
suficientemente o público em geral e o próprio governo sobre a
importância de trabalharmos na proteção das abelhas. Já foram
realizados eventos sobre o assunto, reuniões explicando a
importância das abelhas e com sugestões de políticas públicas,
mas ainda precisamos avançar nas ações efetivas", ressalta
Pereira.
Satller
tem opinião semelhante. "A situação é bastante grave, mas
ainda dá para reverter", afirma o pesquisador, que defende o
questionamento do atual modelo do agronegócio no país e a restrição
do uso indiscriminado de agrotóxicos.”
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Fonte:
Deutsche Welle - emissora internacional da Alemanha e produz
jornalismo independente em 30 idiomas.
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