Por
Vinícius Passarelli – Estadão
“A eventual indicação
de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal e filho do presidente
Jair Bolsonaro, para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados
Unidos levantou o debate sobre o nepotismo por parte de
agentes públicos.
O presidente Jair
Bolsonaro já afirmou que a indicação de seu filho para a embaixada
não configura nepotismo, uma vez que uma súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal (STF) leva à jurisprudência de considerar
nepotismo apenas nomeações de parentes para cargos administrativos,
e não para cargos políticos, o que seria o caso do cargo de
embaixador.
O ministro do STF Marco
Aurélio Mello, no entanto, afirmou que a eventual indicação é um
“péssimo exemplo” e que pode ser enquadrado como nepotismo.
O que é nepotismo?
A prática do nepotismo
se dá quando um agente público se utiliza de sua posição de poder
para nomear, contratar ou favorecer cônjuge, companheiro, parente em
linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o 3º
grau.
Ou seja, o nepotismo
acontece quando as relações de parentesco são fator determinante
para a nomeação de alguém para cargo ou função pública em
comissão, de livre nomeação, em detrimento da capacidade técnica
do contratado.
A princípio essa
prática já é vedada pela própria Constituição Federal de 1988
que determina que a administração pública deve ser conduzida pelos
princípios da “moralidade e da impessoalidade”. No entanto,
algumas legislações esparsas tratam do tema de forma mais
específica.
Quais são os tipos de
nepotismo?
Quando um agente
público nomeia diretamente um familiar seu, até o terceiro grau de
parentesco, configura-se o nepotismo direto.
Há também o
chamado nepotismo cruzado ou recíproco, que é uma espécie de
troca de favores entre agentes públicos: um nomeia familiar de outro
e vice e versa.
Como o nepotismo é
tratado na legislação?
O principal dispositivo
jurídico que regulamenta a prática no País no âmbito do Poder
Executivo Federal é um decreto presidencial de 2010 (decreto nº
7203), emitido pelo entãopresidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
veda o nepotismo nos órgãos e entidades da administração pública
federal direta ou indireta.
O decreto prevê as
situações em que o nepotismo é presumido e as quais precisam de
uma investigação específica. A contratação de familiares para
cargos em comissão e função de segurança, a contratação de
pessoa jurídica de familiar por agente público responsável por
licitação e a nomeação de familiares para vagas de atendimento a
necessidade temporária de “excepcional dinheiro público” são
consideradas situações de nepotismo presumido.
Por outro lado, algumas
situações não são tão claras e precisam de investigação
específica, como o nepotismo cruzado, a contratação de
familiares para prestação de serviços terceirizados e contratações
não previstas expressamente no decreto, com indício de influência.
A súmula vinculante nº
13 do STF que trata de nepotismo
Outro documento jurídico
importante em relação ao nepotismo e que tem baseado a maior parte
das decisões sobre o assunto é a súmula vinculante nº 13, de
2008, do STF, que proíbe o nepotismo nos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, no âmbito da União, dos Estados e dos
municípios, independentemente de lei, uma vez que a prática fere
diretamente a Constituição.
A súmula estabelece
que a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, viola a
Constituição. “Inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor
da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de
confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração
Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste
mediante designações recíprocas”, diz o documento do STF.
A súmula vinculante é
um verbete editado pelo próprio STF, apoiado em diversas decisões
sobre a mesma matéria, que tem efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública.
É com base nessa súmula
que a jurisprudência adotada pelo Supremo tem determinado que não
se enquadra como nepotismo a nomeação de parentes para cargos
eminentemente políticos, apenas para cargos administrativos ou em
comissão.
“É assim que se tem
interpretado”, afirma a advogada e mestre em direito público e
administrativo pela Fundação Getúlio Vargas Vera Chemim. “No
entanto, de acordo com a Constituição, com a lei de improbidade
administrativa e com o próprio decreto de 2010, há o conceito amplo
de agente público, que engloba cargos administrativos e políticos
e, portanto, acredito que o nepotismo deve englobar também cargo
político”, diz a especialista, que lembra que há um recurso
parado no STF que pede a revisão dessa exceção.
O recurso extraordinário,
apresentado em 2018, já teve repercussão geral reconhecida, por
unanimidade, em votação pelo plenário virtual da Corte. Resta
agora o plenário votar o mérito do recurso e definir se a proibição
do nepotismo pela súmula vinculante nº 13 alcança a nomeação
para cargos políticos.
O recurso foi apresentado
em razão de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo no Tribunal de Justiça
do Estado (TJ-SP) para questionar uma lei municipal, do município de
Tupã (SP), que passou a desconsiderar nepotismo a nomeação de
parentes dos nomeantes para o cargo de agente político de secretário
municipal.
À época, o ministro
Luiz Fux, relator do recurso, afirmou que o debate se resumia a saber
se a nomeação de familiares para cargos políticos deve ser
considerada inconstitucional ou não.
“A discussão orbita em
torno do enquadramento dos agentes políticos como ocupantes de
cargos públicos, em especial cargo em comissão ou de confiança,
mas, ao não diferenciar cargos políticos de cargos estritamente
administrativos, a literalidade da súmula vinculante sugere que
resta proibido o nepotismo em todas as situações”, observou Fux.
Improbidade
administrativa
Além destes dispositivos
legais que tratam diretamente do nepotismo Vera Chemim chama a
atenção também para a Lei de Improbidade Administrativa que, assim
como a Constituição, determina que agentes públicos de qualquer
nível ou hierarquia são obrigados a observar os princípios de
legalidade, impessoalidade e moralidade no desempenho de suas
funções.
“O nepotismo pode
ser enquadrado como um ato de improbidade administrativa por
configurar falta de decoro. Por se tratar de uma matéria
administrativa e não penal, seria prevista apenas sanção
administrativa, que pode variar desde uma simples anulação da
nomeação até um processo de perda dos direitos políticos e de
função pública, a depender das circunstância e da autoridade
envolvida”, afirma a especialista.
Em relação à pessoa
contratada, se configurado o nepotismo, ela deve ser exonerada ou ter
o ato normativo que determinou sua contratação cancelado.”
Fonte:
Estadão
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