segunda-feira, 29 de julho de 2019

"Presidente da república é cruel"

Presidente Jair Bolsonaro

bolsonaro: "se o presidente da oab quiser saber como o pai desapareceu, eu conto para ele"


Felipe Santa Cruz é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, que desapareceu na ditadura. Segundo o presidente, advogado não terá interesse em saber a 'verdade'.


Por Guilherme Mazui, G1 — Brasília

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (29) que "um dia" contará ao presidente da Ordem do Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como o pai do jurista desapareceu na ditadura militar, caso a informação interesse ao filho.

Presidente Jair Bolsonaro   e o presidente da OAB, Felipe Santa  Cruz



Segundo Bolsonaro, Santa Cruz "não vai querer saber a verdade" sobre o pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, que desapareceu no período na ditadura militar (1964-1985).

O presidente deu a declaração ao comentar o desfecho do processo judicial que considerou Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro durante a campanha eleitoral, inimputável (isento de pena devido a doença mental). Por isso, ele ficará em um manicômio em vez de um presídio.

Antes de falar sobre o pai de Santa Cruz, Bolsonaro criticou a atuação da OAB no caso de Adélio Bispo e perguntou qual era a intenção da entidade. Segundo o presidente, a ordem teria impedido o acesso da Polícia Federal ao telefone de um dos advogados do autor da facada.

Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?”, questionou o presidente.

Sem ser questionado, Bolsonaro falou na sequência sobre o pai do presidente da OAB.

Presidente da OAB, Felipe Santa Cruz e seu pai, Fernando Augusto Santa Cruz

Um dia se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”, disse Bolsonaro.
Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar às conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio a desaparecer no Rio de Janeiro”, complementou.

Em nota de repúdio às declarações de Bolsonaro, a OAB afirmou que todas as autoridades do país devem "obediência à Constituição Federal", que tem entre seus fundamentos "a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos" (leia a íntegra da nota ao final da reportagem).

Disse ainda que o cargo de presidente exige equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, "sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos". Por último, a diretoria da OAB manifestou solidariedade não só à família do presidente da entidade mas também a "todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos" no país.

Conforme informou o colunista do G1 Matheus Leitão, o pai do presidente da OAB militou no movimento estudantil e participou da Juventude Universitária Católica (JUC), movimento da Igreja reconhecido pela hierarquia eclesiástica, e depois integrou a Ação Popular (AP), organização de esquerda contrária ao regime.

Fernando desapareceu em um encontro que teria no Rio de Janeiro, em 1974, com um colega militante, Eduardo Collier Filho, da mesma organização. Segundo o livro "Direito à memória e à verdade", produzido pelo governo federal, Fernando e o colega foram presos juntos em Copacabana por agentes do DOI-CODI-RJ em 23 de fevereiro daquele ano.

Sobre a declaração de Bolsonaro, a diretora da Anistia Internacional, Jurema Werneck disse
Diretora da Anistia Internacional,
Jurema Werneck
que
"é terrível que o filho de um desaparecido pelo regime militar tenha que ouvir do presidente do Brasil, que deveria ser o defensor máximo do respeito e da justiça no país, declarações tão duras".

A nota diz ainda que o Brasil deve adotar as medidas necessárias para que casos como esses sejam levados à Justiça e que o direito à memória, justiça, verdade e reparação das vitimas, sobreviventes e suas famílias deve ser defendido e promovido pelo Estado brasileiro e seus representantes.

'Ato abominável'
Em abril de 2016, dias depois de aberto o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a seccional da OAB do Rio de Janeiro, comandada à época por Felipe Santa Cruz, protocolou na Câmara dos Deputados um requerimento pedindo a cassação do mandato do então deputado Jair Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar e apologia à tortura.

Na oportunidade, Bolsonaro, ao declarar seu voto favorável à abertura do impeachment, homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura durante a ditadura militar.

"Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff", disse o então deputado ao votar pela abertura do processo.

A seccional da OAB do Rio também enviou um ofício ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, classificando a declaração como um “ato abonminável” e pedindo providência do Ministério Público.

Ustra foi condenado na área cível a pagar indenização por danos morais por tortura. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade afirma que Ustra cometeu crimes de tortura e execuções.

OAB no caso Adélio

Em março, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Néviton Guedes atendeu a pedido Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e da OAB de Minas Gerais e suspendeu apurações sobre a suposta participação do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defendeu Adélio, no atentado contra o presidente.

Em dezembro, sob justificativa de tentar identificar quem estaria financiando a defesa do autor do atentado, a PF em Minas Gerais cumpriu dois mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao advogado.

Foram apreendidos na ocasião livros caixa, recibos e comprovantes de pagamento de honorários e de seu aparelho telefônico. Na ocasião, a OAB disse que ação da PF em locais ligados a Zanone "viola prerrogativas da advocacia".

'Maluco até morrer'

Bolsonaro também comentou a decisão da Justiça Federal de considerar Adélio inimputável e impor medida de segurança de internação por prazo indeterminado. O presidente e o Ministério Público Federal não recorreram da decisão e o processo foi encerrado.

Com a decisão, após análises de laudos psiquiátricos, Adélio não poderá ser punido criminalmente após facada contra Bolsonaro.

Bolsonaro explicou que, como não recorreu, Adélio será considerado “maluco até morrer”, detido em um manicômio judicial. O presidente disse desejar que Adélio revele mais informações sobre o atentado.

Como não recorri, agora ele é maluco até morrer. Vai ficar em um manicômio judicial, uma prisão perpétua. Estou sabendo que ele está aloprando lá. Abre a boca, pô. Ah, não tem valor porque é maluco, abre a boca, pô! Quem sabe dê o fio da meada”, disse o presidente."

Nota

Leia a íntegra da nota divulgada pela diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil:
NOTA DE REPÚDIO ÀS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A Ordem dos Advogados do Brasil, através da sua Diretoria, do seu Conselho Pleno e do Colégio de Presidentes de Seccionais, tendo em vista manifestação do Senhor Presidente da República, na data de hoje, 29 de julho de 2019, vem a público, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 44, da Lei nº 8.906/1994, dirigir-se à advocacia e à sociedade brasileira para afirmar que segue:

1. Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.

2. O cargo de mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais, bem assim contra o cumprimento das leis.

3. Apresentamos nossa solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República.

4. A Ordem dos Advogados do Brasil, órgão supremo da advocacia brasileira, vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem como a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes.

5. A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais.

Brasília, 29 de julho de 2019
Diretoria do Conselho Federal da OAB
Colégio de Presidentes da OAB
Conselho Pleno da OAB Nacional

Resposta ao ataque

Bolsonaro disse que poderia contar a Felipe Santa Cruz como o pai dele desapareceu no regime militar. 'Quero saber se ele soube nos porões da ditadura, o que é muito grave', afirmou presidente da OAB.

Presidente da OAB diz que vai ao STF para Bolsonaro esclarecer que sabe sobre a morte de seu pai

Presidente da República afirmou que contaria como o pai de Felipe Santa Cruz desapareceu na ditadura, caso ele quisesse; mais tarde, disse que Fernando Santa Cruz foi morto por 'grupo terrorista'. Comissão da Verdade atestou como morte 'causada pelo Estado brasileiro'.


Por Raoni Alves, G1 Rio

Presidente da OAB pretende acionar o STF para que Bolsonaro esclareça o que sabe sobre a morte de seu pai — Foto: Reprodução TV Globo




"O Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse nesta segunda-feira (29) que vai acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que o presidente Jair Bolsonaro conte o que ele sabe sobre a morte do pai de Felipe. Fernando Santa Cruz foi morto em 1974, durante a ditadura militar no Brasil.

Bolsonaro afirmou mais cedo, em uma rede social, que o opositor do regime militar Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira não foi morto pelos militares, mas, sim, pela organização de esquerda Ação Popular do Rio de Janeiro, classificada pelo presidente como "grupo terrorista".

Quero saber do presidente o que ele efetivamente sabe, se ele soube nos porões da ditadura, o que é muito grave, porque ele diz que soube à época quando era militar, então ele reconhece relação com os porões da ditadura. Vou ao Supremo Tribunal Federal pedir, interpelar o presidente para que ele esclareça isso”, disse o presidente da OAB.

Na manhã desta segunda-feira, Bolsonaro disse que, se o presidente da OAB quisesse saber como o pai morreu, ele, Bolsonaro, contaria.

Nós temos todo respeito pela figura do presidente da República. Mas o presidente Jair Bolsonaro não agiu hoje como tal. Hoje ele agiu como amigo do porão da ditadura, agiu olhando o passado e dividindo a sociedade brasileira”, disse Santa Cruz, que também publicou uma carta em que diz que o presidente da república é "cruel" e não sabe separar o público do privado.

Felipe Santa Cruz lembrou que o nome do seu pai sempre esteve na lista de pessoas desaparecidas durante a ditadura militar: “Não há O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse nesta segunda-feira (29) que vai acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que o presidente Jair Bolsonaro conte o que ele sabe sobre a morte do pai de Felipe. Fernando Santa Cruz foi morto em 1974, durante a ditadura militar no Brasil.

Bolsonaro afirmou mais cedo, em uma rede social, que o opositor do regime militar Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira não foi morto pelos militares, mas, sim, pela organização de esquerda Ação Popular do Rio de Janeiro, classificada pelo presidente como "grupo terrorista".

Quero saber do presidente o que ele efetivamente sabe, se ele soube nos porões da ditadura, o que é muito grave, porque ele diz que soube à época quando era militar, então ele reconhece relação com os porões da ditadura. Vou ao Supremo Tribunal Federal pedir, interpelar o presidente para que ele esclareça isso”, disse o presidente da OAB.

Na manhã desta segunda-feira, Bolsonaro disse que, se o presidente da OAB quisesse saber como o pai morreu, ele, Bolsonaro, contaria.

Nós temos todo respeito pela figura do presidente da República. Mas o presidente Jair Bolsonaro não agiu hoje como tal. Hoje ele agiu como amigo do porão da ditadura, agiu olhando o passado e dividindo a sociedade brasileira”, disse Santa Cruz, que também publicou uma carta em que diz que o presidente da república é "cruel" e não sabe separar o público do privado.

Felipe Santa Cruz lembrou que o nome do seu pai sempre esteve na lista de pessoas desaparecidas durante a ditadura militar: “Não há qualquer dúvida. Meu pai era estudante de direito e morreu lutando pela democracia. O presidente mostra uma faceta muito preocupante do governante, que é a crueldade e a falta de empatia com o ser humano.”

A OAB também divulgou uma nota de repúdio à declaração do presidente da República.

O que diz a Comissão da Verdade

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira sumiu em 1974 e foi "preso e morto por agentes do Estado brasileiro". Ainda segundo a comissão, Santa Cruz "permanece desaparecido, sem que os seus restos mortais tenham sido entregues à sua família".

relatório final da comissão diz ainda que Claudio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS-ES), afirmou em depoimento em 2014 que o corpo de Fernando Santa Cruz Oliveira foi incinerado na Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes (RJ).

Ainda de acordo com a comissão, o ex-sargento do Exército Marival Chaves Dias do Canto também afirmou em depoimento que havia um esquema de transferência de presos entre estados, que envolvia o encaminhamento dos presos para locais clandestinos de repressão, como a Casa da Morte.

Segundo a comissão, Marival disse que os presos Eduardo Collier Filho e Fernando Santa Cruz teriam sido vítimas dessa operação.

Anistia

Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira teve o pedido de anistia deferido pela Comissão de Anistia. A portaria que o anistiou foi publicada em janeiro de 2013 pelo Ministério da Justiça.

Atestado de óbito

O atestado de óbito de Fernando Santa Cruz de Oliveira, opositor do regime militar, afirma que a morte dele foi causada pelo Estado brasileiro. O atestado de óbito foi incluído no sistema da Comissão de Mortos e Desaparecidos no último dia 24 e será enviado à família de Fernando Santa Cruz"(veja abaixo a íntegra do atestado).

Leia a íntegra do atestado de óbito de Fernando Santa Cruz:
ATESTADO DE ÓBITO
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, instituída pela Lei n° 9.140, de 04 de dezembro de 1995, por sua presidente nomeada no Decreto de 25 de julho de 2014 (D.O.U. 28/07/2014), declara, nos termos da Resolução N° 2, de 29 de novembro de 2017 (D.O.U. 11/12/2017), para fins de retificação de assento de óbito lavrado com base na mesma lei acima citada, que:
- FERNANDO AUGUSTO DE SANTA CRUZ OLIVEIRA, brasileiro, casado, estudante universitário e funcionário público, residente e domiciliado em São Paulo/SP, nascido em Recife/PE, aos 20 de fevereiro de 1948, filho de Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira e Lincoln de Santa Cruz Oliveira, conforme reconhecido às páginas 1.601/1.607, do Volume III, do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei n° 12.528, de 18 de novembro de 2011, faleceu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro/RJ, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985.
Brasília, 24 de julho de 2019.
(Assinado eletronicamente)
Eugênia Augusta Gonzaga
EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA   
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
Presidente
Observação: corpo não localizado até a data de lavratura do presente atestado.
Fonte: G1.com

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