Por Ana Paula Ferreira - articulista
“Deitei. Na TV passava os quase 230 mil mortos no Brasil vítimas do Covid-19. Fiquei a pensar que muitos poderiam estar vivos se estivessem seguido as orientações dos cientistas e não da pessoa que atualmente ocupa o cargo de presidente.
Desliguei o aparelho. Estava cansada. Aliás estou cansada desde segunda e hoje é quinta. Uma vontade de ficar deitada de sumir por entre os lençóis. Tosse seca, cansaço sem fim, dor nas costas, desconforto em respirar...
Achei que estava com Corona vírus. Quis fazer o teste pra me tranquilizar com ideia de não ter passado pra ninguém, meu grupo pequeno familiar. Deu negativo. Pensei que ficaria bem, mas não estou, pois fiquei no vazio e é ruim essa situação de não ter paradeiros.
Se não é o Covid, o que é? Ansiedade?
Engraçado porque antes de eu ir a farmácia duas amigas estimáveis tentaram me convencer da importância de eu tomar um ansiolítico. Lembrei que às vezes ao retirar algum defeito de nós mesmos poderíamos desabar o prédio inteiro. Daí vieram os vários argumentos favoráveis a droga que não cabe eu citar.
No mesmo instante passou pela cabeça o cenário de Admirável Mundo Novo e o soma... soma... presente em nosso meio em diversas embalagens e formas pra que o ser humano dê conta de tudo e sempre feliz.
Sim... Acho que estou com essa sensação de que por mais que tente fazer as coisas bem, me escapa pela garganta o grito que ficou entalado e reprimido. Depois de anos de educação cristã segue o sentimento de culpa. Não estou confortável a ficar entre as pessoas... fico com receio de ainda ter algo que possa ser transmitido. Será medo de transmitir meu mau humor? Talvez seja, afinal, queremos que as pessoas acreditem nas imagens que montamos.
O Grito de Edvard Munch - Pintor e artista plástico Norueguês |
Minha cachorrinha chora do lado de fora... Ela só se comporta assim quando há fogos de artifício. Nessa noite não tem. Bem ao fundo tem o barulho da patrulha do bairro daqueles que pagam pra sentir que estão mais seguros. Eu, enquanto cidadã, também pago pela segurança... pela segurança pública. Porém, no dia da carreata #ForaBolsonaro com mais de 150 veículos, não tivemos o policiamento apesar da solicitação via ofício. No decorrer do trajeto vi vários guardas de trânsito parados nas esquinas e estiquei meu corpo pela janela do passageiro para pedir que ajudassem na organização. Final da história: a contribuição deles foi uma multa que chegou hoje de que eu estava sem cinto de segurança.”
Cidadãos que pagam na tributação indireta proporcionalmente menos do que eu, mas que ocupam cargos de médicos, pais de alunos de escolas particulares, também fizeram carreata “volta às aulas” nessa semana. E tiveram policiamento. Não escuto vozes pedindo a resolução de problemas que a escola pública já tinha antes da pandemia: salas superlotadas, torneiras quebradas, ausência de insumos, poucos funcionários. Mas há frases de que o professor é preguiçoso, quando na verdade não parou de trabalhar.
Se a noite está tranquila por que a Laika pede atenção? Em que medida um cão não fareja a morte? Será que não sente de certa maneira os órgãos de seus donos apodrecerem? Ou está sentindo alguma coisa no mundo a morrer a cada minuto?
Devaneios. Ilusões. Pensamentos aleatórios de quem não está sob efeito de droga, mas está intoxicada com essa sociedade.”
Fonte: Educação nossa de cada dia
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