"Prática
previne problemas cardíacos, melhora a respiração, controla a
ansiedade e o estresse e ajuda na tomada de decisões"
"Hoje,
ao chegar em casa no fim do dia, faça um pequeno esforço: fique
cinco minutos sem ligar televisão, música, rádio ou Netflix.
Preste atenção aos sons do vizinho, da sua casa, dos carros e dos
pássaros na rua. É uma prática fácil e com mais efeitos benéficos
do que você imagina: o silêncio faz bem ao coração, à
respiração, à memória, à aprendizagem e ao bem-estar.
Tomar
esse tempo de quietude, hoje, é artigo de luxo. Afinal, estamos
sempre rodeados por aparelhos eletrônicos, buzinas, furadeiras e
arranques de motocicleta. No entanto, esse intervalo é fundamental
como contraponto ao ruído excessivo, o novo inimigo da saúde.
“Sempre
se atribuiu que a causa de doenças crônicas, sobretudo as do
coração, seriam apenas envelhecimento e fatores de risco como
hipertensão, obesidade, tabagismo ou sedentarismo. Mas hoje se sabe
que outras questões também influenciam. Entre elas, a poluição
sonora”, explica Marcus Bolívar Malachias, presidente da Sociedade
Brasileira de Cardiologia (SBC).
É
que nosso cérebro está sempre atento a estímulos do ambiente e
fica de sobreguarda para uma eventual ameaça. Ruídos altos são
interpretados como perigo. Em resposta, o sistema nervoso
central envia uma mensagem à glândula renal para produzir três
hormônios muito úteis em situações nas quais, teoricamente, você
corre risco de vida: adrenalina, noradrenalina e cortisol. Conhecidos
como “hormônios do estresse”, eles estimulam o estreitamento dos
vasos sanguíneos, o que eleva a pressão arterial e estimula
a circulação sanguínea.
Adrenalina
e noradrenalina servem para deixar o organismo pronto para um combate
corpo a corpo. Juntos, eles levam o sangue das extremidades do corpo
para coração e grandes vasos do organismo, que alimentam o
corpo todo. Como consequência, a pressão arterial sobe, os
batimentos cardíacos aceleram, as mãos esfriam e os lábios secam.
O cortisol também eleva a pressão arterial, mas retém sal e
água no corpo, a fim de ficarmos prontos para um período
de privação de líquidos.
O organismo
detém mecanismos para suportar, eventualmente, tais efeitos. No
entanto, se cortisol, adrenalina e noradrenalina atuam todos os dias,
o corpo entende que constantemente estamos ameaçados por algum
perigo. “A elevação da pressão, mesmo que não atinja o
necessário para o diagnóstico de hipertensão, causa danos
vasculares, porque o sangue circula dentro do vaso sob pressão
aumentada. Isso lesiona o endotélio, a camada interna dos vasos”,
explica o cardiologista Marcus Bolívar Malachias. Soma-se a
isso os efeitos na mente, como ansiedade, estresse e agitação -
tudo por causa do barulho excessivo.
Inclusive,
a OMS publicou, em 2011, um relatório apontando que 3 mil mortes por
doença do coração daquele ano, na Europa Ocidental, ocorreram em
decorrência do ruído em excesso.
O
silêncio, além de ser amigo dos introspectivos, também
beneficia coração e respiração. Uma pesquisa feita por
médicos da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e na Universidade
de Pávia, na Itália, publicada em
2006 no conceituado periódico Heart,
mostrou que o silêncio melhora o funcionamento cardíaco e
respiratório.
A
ideia inicial era investigar os efeitos de diferentes tipos de
músicas nos sistemas cardiovascular e respiratório.
Médicos pegaram 24 voluntários - metade músicos profissionais
e a outra metade leigos - e monitoraram os cérebros deles enquanto
ouviam diferentes estilos de música ou faziam absoluto silêncio.
Nos períodos de música rápida, aumentaram os indicadores de
pressão arterial, ritmo cardíaco, respiração e velocidade de
uma artéria cerebral.
Mas, no silêncio, todos esses indicadores
caíram, bem mais do que em músicas lentas. Ou seja, no silêncio,
os voluntários ficaram mais calmos e relaxados.
“Podemos
dizer que ele é uma boa receita médica”, diz Marcus Bolívar
Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Não é
à toa que empresas de tecnologia buscam criar aparelhos que
isolam sons externos, na promessa de trazer alguma paz de espírito
para moradores de cidades grandes.
Mas
se engana quem pensa que o cérebro fica quieto durante o silêncio.
Na verdade, uma região específica fica ativa: a rede de modo
padrão, que envolve várias áreas do órgão. Quando entramos em um
profundo estado de imersão, típico de quando visualizamos memórias
enquanto estamos de olhos abertos, essa rede fica em funcionamento
intenso. “Isso ajuda no processamento de memória, mas exige
silêncio e introspecção”, diz Marcio Baltazhar, neurologista
coordenador do departamento científico de Neurologia Cognitiva da
Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
Outro
efeito é a neurogênese, que é a produção de novos neurônios.
Uma pesquisa publicada
em 2013 na revista Brain
Structure and Function estudou
o efeito do silêncio em ratos. Os resultados mostraram que as
cobaias produziram mais neurônios, algo essencial para combater o
mal de Alzheimer.
Mente
prudente. A
mais do que almejada paz de espírito é outra consequência do
silêncio. Ele prepara o terreno para momentos de introspecção.
Afinal, é difícil você manter o foco em si mesmo se o ambiente
oferece dezenas de estímulos ao seu cérebro. Sobretudo quanto
falamos da aprendizagem. Ela exige o isolamento para dirigirmos
nosso foco aos livros, sem dispersões.
“O
silêncio traz introspecção, que é importante para a memória e a
atenção. Ele permite rememorar, analisar e consolidar os
acontecimentos do dia”, afirma Marcio Baltazhar, também professor
de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas
(Unicamp).
Para
além da memória e da atenção, a quietude também nos leva em
direção à maturidade emocional. Esse intervalo é necessário
para adquirirmos uma distância dos acontecimentos e, assim,
adotarmos as melhores saídas disponíveis para nossos
obstáculos.“Ele propicia habilidade para resolver um problema:
você identifica o que está errado, as possíveis soluções e as
consequências de cada um”, explica Cristina Miyazaki, psicóloga
coordenadora do mestrado em Psicologia e Saúde da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto.
Além
disso, ficar em silêncio estimula uma habilidade essencial em nossos
relacionamentos: a escuta. Ao ficarmos atentos ao que nossa mente tem
a dizer, cultivamos a alteridade para com o outro. “O
relacionamento é uma troca na qual você tem que falar, mas ser
capaz de ouvir. Em silêncio, você pára para pensar, o que evita
tomar decisões impulsivas com resultados negativos”, diz Cristina,
que também faz parte da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).
Como
diria o prêmio nobel de Medicina de 1903, Roberto Koch: “Um dia a
humanidade terá que lutar contra a poluição sonora, assim como
contra a cólera e a peste”. Talvez o silêncio seja uma dessas
armas."
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO