sábado, 27 de agosto de 2022

"Sobre a Arte de Liderar e Educar"

 

“A arte de liderar: seguir na frente da multidão e ensiná-la a trabalhar”.

Confúcio

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. 

Paulo Freire

Recentemente, minha irmã me brindou com a informação de que Machado de Assis foi enxadrista. Eu desconhecia esta faceta do fundador da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. Uma grata e maravilhosa surpresa para mim, fã que sou tanto de um dos maiores escritores brasileiros quanto do xadrez.

O xadrez é um dos jogos mais antigos que se conhece. Estima-se que há mais de 600 milhões de praticantes do jogo no mundo, e alguns estimam que este número alcance 1 bilhão de praticantes. Criado na Índia no século VI, tem sua origem cercada de controvérsias. Mas há uma lenda fascinante sobre como o jogo foi criado, e que tomei conhecimento quando li a obra-prima de Malba Tahan, o maravilhoso “O Homem que Calculava”.

No reino da Índia, da região de Taligana, viveu um príncipe chamado Iadava. Considerado justo e generoso, era amado por seu povo. Suas qualidades foram colocadas à prova quando seu reino foi atacado por um exército inimigo. Iadava não fugiu à prova, e liderou suas forças militares contra o invasor. A guerra foi sangrenta, e custou muito à Iadava e a seu povo. Dentre estes custos, as inúmeras vidas perdidas. E dentre estas vidas, foi a vida do seu filho Adjamir, que sacrificou-se para manter uma posição no campo de batalha que foi decisiva para a vitória final do exército de Iadava.

Conta-se que o príncipe foi tomado de profunda tristeza, e não mais saía do palácio. Passava os dias revendo a batalha final contra o exército inimigo, como se isso pudesse lhe trazer de volta a vida do filho amado. O povo não sabia o que fazer, e apenas pedia aos deuses e deusas uma orientação ao príncipe.

Até que um dia, um jovem chamado Lahur Sessa solicitou uma audiência com o príncipe entristecido. Na audiência, disse que havia criado um jogo para entreter o príncipe e fazê-lo esquecer a tristeza. Curioso, o monarca quis conhecer o que Sessa havia elaborado. 

E então o jovem mostrou ao príncipe o jogo. Um tabuleiro, composto de 64 casas, alternadas nas cores preta e branca. Dois grupos de dezesseis peças, de cores diferentes, eram guiadas por dois jogadores. Cada grupo de peças possuía os mesmos componentes: oito peões, que representavam a infantaria; os elefantes de guerra, de grande poder destrutivo; a cavalaria, com o poder de saltar por sobre as barreiras inimigas; os vizires, que representavam a nobreza; a rainha, a peça mais poderosa de todas, que representava a nacionalidade do povo; e finalmente, o rei, o grande objetivo do jogo, pois quem capturasse o rei seria declarado o vencedor do jogo.

Sozinho, o rei tem poucas possibilidades de sobrevivência. Ela se torna poderosa quando devidamente amparada por todos as demais peças integrantes do seu reino. A rainha é a peça mais poderosa justamente porque representa este espírito de entrega do povo pelo seu líder, que não é nada sem este espírito.

Somente por isto, o jogo de Sessa já mostra grandes lições para quem se candidata a líder. Mas havia mais. Encantado, o príncipe Iadava começa a jogar com Sessa. E percebe que o jogo reproduz um campo de batalha, onde planos e estratégias são essenciais para derrotar o adversário. Jogando, o príncipe também percebe que muitas vezes são necessários sacrifícios para que o adversário não vença ou para que a vitória seja alcançada. Ainda que cada peça seja importante, o apego a uma determinada peça pode representar a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Iadava percebeu então o significado do sacrifício do filho. Ficou tão feliz que quis recompensar Lahur Sessa. Inicialmente, este recusou. Disse que criou o jogo para que o príncipe recuperasse a alegria. Mas o poderoso príncipe Iadava exigiu que Sessa aceitasse a recompensa, afirmando que daria tudo o que o jovem pedisse.

Lahur Sessa pediu sua recompensa em grãos de trigo. Iadava surpreendeu-se. Sessa insistiu no pedido, afirmando que desejaria receber um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro do jogo que havia inventado, dois grãos pela segunda casa, quatro grãos pela terceira casa, e assim sucessivamente, dobrando os grãos de trigo por cada casa do tabuleiro, até a 64ª casa.

O príncipe riu da proposta, e mandou que fosse calculado o montante de trigo a ser entregue a Lahur Sessa. Se Iadava conhecesse “progressão geométrica” não teria rido. Os matemáticos do reino efetuaram os cálculos e entregaram o resultado ao príncipe. Iadava devia a Lahur Sessa o equivalente a mais de 18 sextilhões de grãos de trigo. Para se ter uma ideia, calcula-se que o montante de grãos de areia no planeta inteiro seja de 18 quintilhões. O príncipe devia o equivalente a milhares de planetas Terra em trigo para o jovem inventor.

Segundo a história, Lahur Sessa perdoou o príncipe da dívida, afirmando que queria apenas mostrar a ele que todo poder é limitado, e é essencial para que qualquer ser humano tivesse consciência disso. O príncipe Iadava fez o que qualquer bom gestor faria ao conhecer tão sábia e corajosa pessoa: incluiu Sessa entre os seus conselheiros, e passaram muitos anos conversando e jogando xadrez.

A lenda da criação do jogo de xadrez é uma maravilhosa fonte de lição e inspiração para líderes em qualquer época. Poucas histórias trazem aspectos tão importantes da Liderança de forma tão bela e poética.

E traz lições também para aqueles que desejam compartilhar conhecimentos e experiências. Lahur Sessa desenvolveu uma forma para que Iadava vivenciasse e percebesse o que precisava aprender. Ele não apresentou argumentos racionais isolados, ou gráficos caprichados, ou relações “custo x benefício”. Sessa buscou algo que apoiasse Iadava a extrair o conhecimento de dentro de si mesmo – a forma mais poderosa de ensinar e educar que existe, talvez a única que provoque transformações construtivas e duradouras.

Milhares de anos depois da época onde Sessa e Iadava se encontraram, crescem as iniciativas baseadas na chamada “gamificação”, ou formas de ensino baseadas em jogos e na transmissão lúdica de conhecimento. Sorrio ao imaginar no que pensaria o jovem e sábio inventor ao ver não apenas seu jogo praticado por milhões, mas que seu método apoia na difusão do conhecimento em diversas áreas.

Sempre que jogo xadrez, lembro-me de suas valiosas lições. E o quanto nos mostra a importância de um aspecto que é essencial para bons líderes e bons educadores: a Prestatividade.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS

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