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Hoje,
28 de agosto 2019 completa 40 anos da Lei de Anistia Geral e
Irrestrita neste país chamado Brasil
O Brasil foi o último
país da America Latina a criar uma uma Lei de Anistia. Enquanto o
Chile e Argentina para citar dois exemplos, logo após o término da
Ditadura Militar fizeram suas leis da Anistia.
Por Ricardo Westin
Colaborou:
Arquivo do Senado
"A
Lei da Anistia completa 40 anos hoje,quando foi assinada em 28 de
agosto de 1979, o presidente João Baptista Figueiredo concedeu o
perdão aos perseguidos políticos (que a ditadura militar chamava de
subversivos) e, dessa forma, pavimentou o caminho para a
redemocratização do Brasil.
Foram
anistiados tanto os que haviam pegado em armas contra o regime quanto
os que simplesmente haviam feito críticas públicas aos militares.
Graças à lei, exilados e banidos voltaram para o Brasil,
clandestinos deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram os
processos nos tribunais militares anulados, presos foram libertados
de presídios e delegacias.
O
projeto que deu origem à Lei da Anistia foi redigido pela equipe do
general Figueiredo. O Congresso Nacional o discutiu e aprovou em
apenas três semanas.
João Figueiredo assina, em 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia (foto: Orlando Brito)
|
Documentos
de 1979 sob a guarda do Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que
os senadores e deputados da Arena (partido governista) ficaram
satisfeitos com a anistia aprovada. O Congresso fez modificações na
proposta original, mas nada que chegasse a descaracterizá-la.
Repetidas
vezes afirmou o presidente Figueiredo: “Lugar de brasileiro é no
Brasil”. Com a anistia, aquela sentença deixou de ser uma frase
para se transformar numa realidade palpitante — comemorou o senador
Henrique de la Rocque (Arena-MA). — Maridos, pais, filhos, irmãos,
noivos e entes queridos que se encontravam apartados do convívio
familiar passaram a ter a oportunidade de retornar aos seus lares e
reinaugurar as suas vidas, sem lugar para ódio e desejo de vindita
[vingança]. A anistia é o bálsamo que cicatriza feridas.
Com
suas mãos estendidas no sentido da pacificação, o presidente da República demonstrou a sua formação cívica e
espiritual e praticou um gesto de grandeza e coragem. Ninguém em sã
consciência poderá negar que a autoridade principal do país agiu
com obstinação para atender aos anseios da população brasileira —
discursou o senador Milton Brandão (Arena-PI).
Em
mensagem ao Congresso, Figueiredo defende projeto de anistia (imagem:
Arquivo do Senado)
Os
mesmos papéis históricos do Arquivo do Senado indicam, contudo, que
a Lei da Anistia não foi tão benevolente quanto os congressistas da
Arena quiseram fazer crer. Na avaliação dos perseguidos políticos,
de organizações civis e religiosas e dos parlamentares do MDB
(único partido de oposição), o projeto aprovado tinha dois
problemas graves.
O
primeiro era que a anistia era restritiva. A lei negava o perdão aos
“terroristas” que tivessem sido condenados de forma definitiva.
Eles não poderiam sair da cadeia. Eram qualificados como terroristas
os que, em ataque ao regime, haviam sido condenados por crimes como
homicídio e sequestro. Contraditoriamente, aqueles que respondessem
a processos iguais, mas ainda com possibilidade de apelar a tribunais
superiores, ganhariam a anistia.
Durante
as discussões do projeto no Congresso, os parlamentares do MDB
apresentaram inúmeras emendas para derrubar essa exclusão e
garantir uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, conforme o
slogan que se popularizou na época.
Trata-se
de uma discriminação odiosa e injustificada, uma aberração
jurídica — criticou o deputado Alceu Collares (MDB-RS). — Quem
enfrentou a justiça excepcional, foi condenado à prisão de 20, 30,
40 ou mais anos e encontra-se cumprindo a sua pena não é anistiado,
enquanto quem conseguiu escapar do processo, tendo praticado o mesmo
delito, será contemplado com os benefícios da anistia. É uma
injustiça para os condenados.
Anistia
é esquecimento, olvido perpétuo. É medida de oportunidade política
para começar, com os espíritos desarmados, uma nova marcha para o
futuro. Para isso, é preciso a reintegração de todos na vida
pública, sem exceção — acrescentou o deputado Marcos Freire
(MDB-PE).
Não
há razão para excluir os condenados por terrorismo. Tiradentes era
terrorista e subversivo. Hoje, é herói — comparou o deputado José
Frejat (MDB-RJ). Um grupo de deputados do MDB, tentando retirar a
exclusão, apelou aos sentimentos familiares do general Figueiredo.
Na justificativa de uma emenda coletiva, lembraram que o pai dele,
após lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, foi anistiado
pelo presidente Getúlio Vargas em 1934.
Cartaz pede anistia sem restrições (imagem: reprodução) |
Figueiredo
apresentou sua razão para não perdoar os terroristas condenados.
Segundo o presidente, o crime deles não era “estritamente
político”, mas sim “contra a humanidade, repelido pela
comunidade universal”. Quanto aos terroristas ainda apenas
processados, que teriam direito ao perdão, ele escreveu numa
mensagem remetida ao Congresso: "O
projeto paralisa os processos em curso até dos que, a rigor, não
estão a merecer o benefício. Ao fazê-lo, o governo tem em vista
evitar que se prolonguem processos que, com certeza e por muito
tempo, vão traumatizar a sociedade com o conhecimento de eventos que
devem ser sepultados em nome da paz”.
A
anistia não foi uma decisão espontânea da ditadura. Organizações
da sociedade civil vinham fazendo pressão. Em 1975, mães, mulheres
e filhas de presos e desaparecidos criaram o Movimento Feminino pela
Anistia. Em 1978, surgiu uma organização maior, o Comitê
Brasileiro pela Anistia, com representações em diversos estados e
até em Paris, onde viviam muitos dos exilados.
No
velório de João Goulart, em 1976, o caixão do presidente derrubado
pelo golpe militar de 1964 permaneceu envolto numa bandeira com a
palavra “anistia”. Em jogos de futebol, torcedores erguiam faixas
com a frase “anistia geral, ampla e irrestrita” para serem
captadas pelas câmeras de TV e pelos fotógrafos dos jornais.
O movimento logo ganhou o apoio de entidades influentes, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A
anistia começou a ser gestada pelo antecessor de Figueiredo. Diante
da pressão social e dos sinais de que a ditadura, desgastada, não
se sustentaria por muito tempo, o general Ernesto Geisel anunciou em
1974 que daria início a uma “lenta, gradativa e segura distensão”,
com medidas que permitiriam a redemocratização no futuro. A anistia
estava entre essas medidas.
O movimento logo ganhou o apoio de entidades influentes, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Ato pela anistia na Praça da Sé, em São Paulo (foto: Ennco Beanns/Arquivo Público do Estado de São Paulo) Fonte: Agência Senado |
Figueiredo
seguiu o plano. O último presidente da ditadura tomou posse em março
de 1979 e apresentou o projeto da Lei da Anistia já em junho. Como o
Congresso recebeu o texto às vésperas do recesso parlamentar e o
presidente da República não autorizou sessões extraordinárias em
julho, as discussões legislativas só puderam começar no início de
agosto. A aprovação viria a toque de caixa.
Assim
que o projeto de lei se tornou público, sem prever a anistia ampla,
geral e irrestrita, presos políticos deram início a uma greve de
fome em diversos presídios do Brasil, pressionando pela retirada do
artigo que os excluía do perdão. Eles ganharam o apoio dos
parlamentares do MDB. Um grupo liderado pelo senador Teotônio Vilela
(MDB-AL) percorreu várias penitenciárias e se encontrou com os
condenados, dando voz ao protesto silencioso que eles faziam.
— A
paisagem humana que vi é indescritível — discursou Teotônio após
visitar 14 presos políticos do Presídio Frei Caneca, no Rio de
Janeiro. — Devo dizer que, com a minha sensibilidade de criatura
humana, [fiquei estarrecido] ao tomar conhecimento da debilidade
total daqueles presos, em pleno estado de ruína, sacrificados em
nome de um ideal, porque ninguém se submete a esse tipo de
sacrifício se dentro de si próprio não possuir uma estruturação
espiritual superior. São jovens envelhecidos nas grades, alguns com
11 anos de cadeia, e um deles preso aos 16 anos de idade, por
conduzir debaixo do braço livros de ideologias políticas. Não é
possível que aqueles rapazes morram num deserto, castigados pela
inclemência e insensibilidade do poder.
Manifesto assinado por artistas como Eva Wilma, Glória Menezes e Antônio Fagundes (imagem: Arquivo do Senado) |
O
segundo problema grave que havia na Lei da Anistia, e que os
parlamentares do MDB também tentaram derrubar, era o perdão aos
militares que cometeram abusos em nome do Estado desde o golpe de
1964, incluindo a tortura e a execução de adversários da ditadura.
A lei lhes deu a segurança de que jamais seriam punidos e, mais do
que isso, nunca sequer se sentariam no banco dos réus.
Nesse
ponto, a lei era propositalmente obscura. Sem citar os militares,
dizia que seriam anistiados todos que tivessem cometido “crimes
conexos”, isto é, “crimes de qualquer natureza relacionados com
crimes políticos ou praticados por motivação política”. Os
agentes da repressão, assim, estariam amparados sob o amplo
guarda-chuva dos crimes conexos.
—
Pretende-se que as
mortes, os choques elétricos, as lesões corporais, as mais variadas
torturas sejam esquecidas. Elas foram compreendidas à sorrelfa
[sorrateiramente] pelo projeto de anistia, graças ao recurso de
termos ambíguos através dos quais se iludiria a nação —
denunciou o deputado Pacheco Chaves (MDB-SP).
— Que
moral tem o governo que exclui uns sob a alegação de terrorismo,
mas que nem sequer submete os torturadores a processo? Estes, sim,
jamais serão merecedores da piedade humana, porque, como se sabe,
não atuam por valores relevantes, mas sim por servilismo ou para
satisfazer instintos — atacou o senador Leite Chaves (MDB-PR).
No
esforço de convencer os colegas parlamentares de que anistiar
torturadores seria um absurdo, o senador Lázaro Barbosa (MDB-GO)
narrou um episódio que ele testemunhara anos antes:
— Eu
próprio, estudante na Universidade Católica de Goiás, em certa
noite, vi duas moças e um rapaz descendo a Avenida Universitária,
os três de braços dados. Ele, quartanista de medicina. As duas,
irmãs e acadêmicas do curso de direito. Dois carros os cercaram, e
homens armados os empurraram para dentro de um dos veículos, que
disparou em altíssima velocidade. Decorridos dois ou três meses,
apareceu o acadêmico de medicina. Estivera preso nos órgãos de
repressão, mas contra ele nada foi apurado. Um ano e meio depois, as
irmãs foram localizadas presas em Minas Gerais e em estado
lastimável. As duas foram violentadas, torturadas. Uma delas sofreu
torturas de tal monta, inclusive choques elétricos nos órgãos
genitais internos, que se tornou o espectro de si mesma. Em
julgamento, foram as duas absolvidas.
Barbosa
concluiu:
— A
meu juízo, esses torturadores não podem receber a anistia, pois
dela não são dignos. É imprescindível que tais carrascos tomem
assento no banco dos réus e respondam pelas monstruosidades
cometidas. Não foram crimes políticos. Foram, isso sim, crimes
contra a humanidade.
Durante debates sobre anistia, presos políticos enviaram ao Congresso descrição das torturas que haviam sofrido (imagem: Arquivo do Senado) |
O
projeto teve como relator o deputado Ernani Satyro (Arena-PB). No
governo do marechal Costa e Silva, ele havia sido ministro do
Superior Tribunal Militar, corte que dava a palavra final sobre o
destino dos acusados de crimes políticos. Satyro jogou um balde de
água fria nas pretensões do MDB. Ele rejeitou todas as emendas que
buscavam incluir na anistia os condenados por terrorismo.
–Os
princípios gerais do projeto do governo estão de pé. A anistia
será ampla e geral, mas não irrestrita.
O
relator também enterrou as tentativas oposicionistas de retirar do
alcance do perdão os militares que cometeram abusos contra os
perseguidos políticos. Para ele, isso seria contraditório:
Querem
o perdão, mas não perdoam. Gritam pela anistia para os seus, mas
apregoam, ao mesmo tempo e incoerentemente, a ideia de uma
investigação sobre torturas e violências. Advogam a impunidade dos
crimes de seus partidários para que, mais fortes, possam punir a
revolução [de 1964]. Dando outra estocada na oposição, Satyro
concluiu:
— O doloroso, para muitos, é saber que a anistia virá, mas virá pelas mãos do governo, por iniciativa do presidente João Baptista Figueiredo. Será atendida, assim, a autêntica voz do povo, que aspira à paz e à conciliação. Isso, para os oposicionistas, importa uma grande frustração, como frustrados se encontram pela abertura que está sendo feita pelo governo da revolução.
— O doloroso, para muitos, é saber que a anistia virá, mas virá pelas mãos do governo, por iniciativa do presidente João Baptista Figueiredo. Será atendida, assim, a autêntica voz do povo, que aspira à paz e à conciliação. Isso, para os oposicionistas, importa uma grande frustração, como frustrados se encontram pela abertura que está sendo feita pelo governo da revolução.
Em
22 de agosto, os senadores e deputados se reuniram na Câmara para
votar o projeto. As galerias estavam repletas de familiares dos
perseguidos políticos, que vaiavam os políticos da Arena e
aplaudiam os do MDB. A sessão foi tão tensa que quase houve
agressão física entre parlamentares.
A
pressão popular, porém, não surtiu efeito. No fim, em votação
simbólica (sem contagem de votos), a Lei da Anistia foi aprovada do
jeito que o governo queria. A Arena, afinal, tinha a maioria dos
parlamentares, incluindo os chamados senadores biônicos (escolhidos
de forma indireta, não pelo voto dos cidadãos, para evitar a
hegemonia do MDB no Senado).
Do
lado governista, o senador Jarbas Passarinho (Arena-PA) festejou:
–A
anistia marca o fim de um ciclo da Revolução de 64, o fim do ciclo
punitivo da Revolução de 64. Do lado oposicionista, o senador
Humberto Lucena (MDB-PB) leu trechos de um artigo de jornal do
pensador Tristão de Athayde para protestar:
–Desejávamos
uma nova Lei Áurea que anunciasse uma aurora. Deram-nos um ato sem
generosidade, sem horizontes abertos. Eu preferiria a temeridade da
princesa Isabel. É bem certo que há muita diferença entre 15 anos
de arbítrio e 300 de cativeiro. Ora, não existe apenas diferença,
e sim um abismo, entre a grandeza da lei de 13 de maio, que fulgirá
sempre como um marco luminoso em nossa história pátria, e a estátua
pigmeia da Lei da Anistia.
Na
votação simbólica final, grande parte do MDB acabou também
apoiando o projeto da ditadura. Vanessa Dorneles Schinke, professora
de direito da Universidade Federal do Pampa e autora do livro Anistia
e Esquecimento (Editora Lumen Juris), explica:
A
oposição concluiu que seria melhor ficar com a anistia do governo
do que não ter anistia nenhuma. Aquela não era a anistia ideal, mas
a possível. Considerando o contexto político de então, a lei de
1979 não deixou de ser uma vitória para a oposição.
Nos meses seguintes, a própria ditadura libertaria os presos que não haviam sido beneficiados pela Lei da Anistia. Enquanto uns ganharam o indulto do presidente Figueiredo, outros tiveram seus processos revisados pelos tribunais militares.
Se logo em seguida os beneficiaria, por que o governo brigou tanto no Congresso para manter o artigo que excluía os terroristas condenados? Para o historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro Além do Golpe (Editora Record), a exclusão deles foi apenas uma cortina de fumaça: — Não há evidências empíricas definitivas, mas eu, após anos de pesquisas e entrevistas, cheguei à conclusão de que a ditadura pôs essa interdição para encobrir aquilo que realmente desejava, que era a autoanistia. Enquanto todo mundo ficou tentando de todas as formas incluir os condenados pelos “crimes de sangue” na anistia, o perdão aos torturadores ficou em segundo plano e foi aprovado com facilidade.
Seis
dias depois da votação no Congresso, Figueiredo sancionou a lei.
Nas semanas que se seguiram, inúmeras figuras até então
perseguidas desembarcaram no Brasil, entre as quais Leonel Brizola,
Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião, Betinho,
Fernando Gabeira, Vladimir Palmeira, Carlos Minc, Darcy Ribeiro e
Paulo Freire.
Após anos de exílio na União Soviética, Luís Carlos Prestes é recebido com festa na volta ao Brasil em 1979 (foto: Sueli Tomazini/Arquivo Público do Estado de São Paulo) |
A
volta dos exilados também foi considerada parte de uma estratégia.
O governo sabia que muitos desses líderes criariam seus próprios
partidos, o que acabaria por pulverizar e enfraquecer a oposição.
Por isso, logo depois, ainda em 1979, a ditadura extinguiu a Arena e
o MDB e restabeleceu a liberdade partidária. Brizola, por exemplo,
fundou o PDT.
A
divisão dos adversários permitiu que os militares mantivessem total
controle sobre a abertura política. Figueiredo devolveria o poder
aos civis em 1985."
Reportagem
e edição: Ricardo
Westin
Pesquisa
histórica: Arquivo
do Senado
Edição
de multimídia: Bernardo
Ururahy
Edição
de fotografia: Pillar
Pedreira
Pesquisa
fotográfica: Ana
Volpe e Pillar Pedreira
Foto
da Capa: Orlando
Brito/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Fonte: Agência Senado
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