sábado, 8 de janeiro de 2022

"Se Há Humanidade, Há Conflito"

 

"O impulso de tentar resolver problemas pelo uso da força é fora de moda e ultrapassado. Desde que nós somos todos tão interdependentes, a solução apropriada é o engajamento no diálogo – é algo para o qual todos nós podemos contribuir.”                                                                           Dalai Lama


Talvez você conheça alguém que tenha Prosopagnosia. As pessoas que possuem esta característica não conseguem reconhecer os rostos humanos, incluindo os próprios. Como não percebem os rostos, muitas não conseguem reconhecer as emoções que surgem nos rostos alheios. Ou seja, literalmente elas não têm medo de cara feia, pois sequer conseguem discernir se a pessoa está furiosa, triste ou alegre.

As pessoas com Prosopagnosia aprendem a reconhecer as pessoas com as quais convivem pelos gestos, vozes, tipos de cabelo, formas de se movimentar, pelo perfume. Mude o penteado e quem tem Prosopagnosia pode não lhe reconhecer. E quem possui Prosopagnosia pode passar a vida inteira sem saber que possui esta diferença em relação à grande maioria das pessoas. Ela pode, simplesmente, ganhar fama de distraída ou, quem sabe, de “fria” por não reconhecer as emoções que os rostos transmitem. Mas não deixam de se relacionar com outras pessoas por causa disto.

Estima-se que 5 milhões de pessoas possuem Prosopagnosia apenas no Brasil.

Tomei conhecimento desta particularidade do ser humano (recuso-me chamar a Prosopagnosia de ‘doença’) ao ler um artigo, há muitos anos. Imediatamente pus-me a imaginar como seria viver sem reconhecer os rostos das pessoas próximas a mim. E dei-me conta da quantidade de mal-entendidos que uma pessoa com Prosopagnosia poderia ter que lidar, simplesmente por não reconhecer alguém pela qual passara na rua, por um motivo muito mais forte que sua vontade. Mesmo que esse alguém fosse sua esposa ou marido.

Para evitar maiores complicações, os que apresentam Prosopagnosia justificam eventuais falhas em reconhecer as pessoas explicando a sua condição, evitando que eventuais desconfortos gerem consequências mais profundas que um mero arranhão no ego alheio.

Sempre que me lembro da Prosopagnosia eu reflito sobre o desafio que é conviver com nossos semelhantes. A convivência foi uma das grandes conquistas humanas. Habitando um mundo hostil, os nossos antepassados perceberam que poderiam aumentar as chances de sobrevivência individual caso trabalhassem em conjunto. Esta percepção foi extremamente eficaz em diversas situações, como o incremento da segurança quanto da possibilidade de encontrar alimento. Outros benefícios apareceram, como o compartilhamento de conhecimento, e as bases das estruturas sociais humanas estavam lançadas.

A convivência com outras pessoas trouxe consigo uma série de benefícios, mas também trouxe uma série de demandas. Como decidir ou escolher quais os responsáveis por determinadas tarefas? Quem pode ser considerado o proprietário ou proprietária de um objeto? Por que não posso colocar música no volume máximo em minha casa às 23 horas da noite?

Quando uma situação entre integrantes de um grupo se torna divergente está instaurado o conflito. O dicionário Houaiss nos mostra que conflito é definido como “profunda falta de entendimento entre as partes”, “choque, enfrentamento”, “discussão acalorada, altercação”.

Se não há entendimento entre os integrantes de um grupo, temos uma situação de conflito, que traz tensão e desconforto. Em uma relação, qualquer situação desconfortável ocasiona um desequilíbrio no relacionamento dos integrantes do grupo. E para que o equilíbrio seja restaurado, as causas que geraram o desconforto para um ou mais envolvidos precisam ser eliminadas. Caso contrário, a relação pode se deteriorar até o grupo acabar.

E assim temos o grande desafio dos agrupamentos humanos, o de estabelecer mecanismos que possibilitem a resolução dos conflitos. Estes mecanismos foram mudando e evoluindo ao longo do tempo, mas foram a base de algo absolutamente essencial em qualquer sociedade: as leis. Basicamente, uma lei é uma diretriz aos integrantes de um grupo sobre como se comportar para evitar situações de conflito (como não tocar música alta de madrugada) ou como resolver situações que ocasionam algum desequilíbrio (como decidir quem é o proprietário ou proprietária de um imóvel). As regras também impedem que alguém ache por bem eliminar fisicamente o vizinho que escuta seu estilo predileto às 3 horas da manhã em alto e bom som, pois aponta quais as etapas que precisam ser seguidas para que o barulhento volte a se comportar conforme a lei.

Acontece que o ser humano possui a subjetividade, fonte das bênçãos e maldições que assolam a espécie. Afinal, o que é um “som tocado em volume elevado”? Se meu vizinho for surdo, isto me dá o direito de tocar a música no volume que eu desejar, na hora que eu quiser?

Além disso, as leis precisam mudar e evoluir conforme mudam e evoluem as sociedades que as criaram. É preciso, portanto, que se tenha formas que as leis possam ser debatidas, elaboradas, implementadas e alteradas quando a sociedade assim desejar.

É neste ponto que podemos perceber o poder do diálogo. Quando alguém com Prosopagnosia compartilha sua condição com alguém, torna possível que esta pessoa tome contato com uma nova forma de percepção do mundo, alterando desta forma o nível de convivência. Quando alguém se posiciona a respeito do som tocado por um vizinho, abre a chance para que a relação encontre um equilíbrio que seja adequado a ambas as partes.

A questão é que nem sempre o diálogo acontece. Seja por qualquer motivo, há aqueles que optam por fugir ou ignorar o conflito, esperando que este se resolva sozinho. Há também aqueles que simplesmente ignoram ou fingem ignorar as regras de convivência existentes, gerando tensão e desgaste desnecessários, e colocando a existência do grupo em risco, ignorando os riscos que traz a si mesmo.

E finalmente, há aqueles que ainda acreditam no uso da força como a solução de problemas. A Lei do Mais Forte é algo ultrapassado, buscam resolver o próprio desconforto utilizando remédios vencidos ou ineficazes, pois se a vontade da Força resolvesse adequadamente as questões humanas, o planeta seria um paraíso, tantas vezes ela foi usada.

É impossível conviver sem conflitos. E da mesma forma que os bons navegantes não controlam a direção dos ventos, mas são hábeis em manejar as velas, as sociedades que evoluem são aquelas que sabem manejar os conflitos de maneira a alcançar os objetivos sobre os quais ela foi baseada – de preferência, o bem comum.

Utilizando os conflitos como bons ventos, seremos capazes de definir regras e leis que sustentam a possibilidade de desenvolvimento do potencial de todos os integrantes da sociedade. E, dialogando e confiando nas regras que florescem deste diálogo, fomentaremos o que torna uma sociedade verdadeiramente forte: a Cooperação.


Maurício Luz
Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

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