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Notas & Informações - Estadão
"Contrariando os especialistas em contas públicas, o governo alardeou a tese de que a ordem jurídica e a fiscal vigentes eram incompatíveis com a redução da pobreza. Para aumentar em mais de R$ 100 bilhões os gastos em 2022, foi aprovada uma emenda constitucional autorizando o descumprimento de sentenças judiciais (o calote nos precatórios) e a determinação do limite anual de gastos não com base na inflação apurada no ano corrente, mas estimada para o ano seguinte (o “orçamento-ficção”).
Assim foi possível robustecer o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil. Como paga por seus esforços, governo e congressistas destinaram imensas parcelas dos novos recursos a mais emendas parlamentares, Fundos Partidário e Eleitoral e benefícios corporativos. As metas determinadas pela Justiça e pelo teto de gastos constitucional foram abaladas, hipotecando a credibilidade do País e suas perspectivas de crescimento, mas ao menos seria possível cumprir uma meta mais urgente: a redução da pobreza.
A redução foi determinada pelo Congresso na lei que instituiu o Auxílio Brasil. Em três anos, as taxas de pobreza e extrema pobreza deveriam ser respectivamente reduzidas a 10% e 3%.
O presidente Jair Bolsonaro, contudo, vetou essas disposições, por, segundo ele, contrariarem “o interesse público” ao impor compromissos ao governo sem estimar seu impacto no Orçamento e as medidas para compensá-lo.
O contrassenso salta aos olhos. A função das metas é precisamente obrigar o Executivo a equacionar receitas e despesas, sacrificando, se necessário, objetivos não prioritários para satisfazer um imperativo, no caso, a prioridade consensual e constitucional da redução da pobreza.
As metas foram inspiradas pelo Projeto de Lei de Responsabilidade Social, o mais robusto esforço de compatibilizar a inclusão social com o equilíbrio fiscal. Apresentado em 2020 pelo senador Tasso Jereissati, o projeto prevê diversos mecanismos no caso de descumprimento das metas, como a redução de gastos tributários, o acionamento de gatilhos do teto de gastos ou a suspensão de descontos no Imposto de Renda.
No texto da Lei do Auxílio Brasil não há previsão de aumento de gastos nem de punição aos gestores e nem sequer dos mecanismos compensatórios. Há somente uma previsão genérica atribuindo ao próprio Executivo a discricionariedade de determinar as medidas que julgar cabíveis para cumprir as metas, e, caso não sejam, justificar os motivos e estabelecer providências para reajustar a rota. Mas um planejamento como esse implicaria compromisso demais com uma prioridade que, indisfarçavelmente, não é a de Jair Bolsonaro.
“Realmente não dá para entender, porque não há nenhuma lógica, nenhuma coerência nesse veto”, disse Jereissati. “A única consistência que pode haver é que não é um programa de ataque à pobreza. É um programa de curto prazo, eleitoreiro.”
A manobra escancara a maneira demagógica com que a pobreza é tratada no Brasil. Já em 2015, o Congresso aprovou um plano de metas de redução da pobreza, mas foi vetado. Entra governo, sai governo e, quanto mais se multiplicam os salvadores do povo, mais o povo é negligenciado.
Metas trazem para o mundo real da ação aquilo que está só na esfera ideal das palavras. Obrigam os gestores da República a implementar os meios para concretizar seus fins últimos, inscritos na Constituição. Por isso foram estabelecidas metas para a inflação, juros, gastos, alfabetização, desmatamento e outras prioridades.
As metas para a pobreza estabelecidas pelo Legislativo fixam um parâmetro objetivo para que o Executivo discuta, formule e execute a sua solução à equação entre gastos sociais, para garantir as necessidades básicas de todos os pobres, e investimentos e reformas, para garantir o crescimento econômico e, consequentemente, o mecanismo mais eficaz para libertar os pobres da pobreza: o emprego.
Mas, com seu veto, Bolsonaro revela que sua única meta em relação aos pobres é amealhar seus votos. Resta ao Congresso derrubá-lo."
Fonte: Estadão
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