sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

"OS ESTATUTOS DO HOMEM " de Thiago de Mello

Thiago de Mello defensor da Amazônia
 

"Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem."

Esse texto é do poeta THIAGO DE MELLO 

Por Iolanda Ventura, da redação do Amazonas atual

"O poeta Thiago de Mello deixa como legado o compromisso com a vida, a resistência e a valorização da Amazônia, temas retratados nas obras do escritor destacados por poetas amazonenses, afirmam escritores. Thiago de Mello morreu aos 95 anos em casa, em Manaus, na madrugada desta sexta-feira (14)."

"Amadeu Thiago de Mello nasceu em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha (a 330 quilômetros de Manaus), no dia 30 de março de 1926. Ele também era tradutor. É um dos mais influentes e respeitados escritores no país e no exterior, reconhecido como um ícone da literatura regional.

Ainda criança, mudou-se com a família para Manaus onde começou os estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e, depois, no Ginásio Pedro II. Dez anos mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 1950, ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, mas não chegou a concluir o curso. Optou por seguir a carreira literária.

Durante a década de 50, colaborou com veículos de comunicação de oposição ao governo de Getúlio Vargas, fundou a Editora Hipocampo e dirigiu o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Após um período servindo no Itamarati como agente diplomático de cultura do Brasil na Bolívia e, posteriormente, no Chile (onde conheceu o poeta Pablo Neruda).

Em 1965, retorna para o Brasil. Porém, três anos após a sua chegada é perseguido pelo regime militar e se vê forçado a viajar novamente para Santiago (Chile), onde permanece exilado por 10 anos, tempo suficiente para escrever algumas de suas maiores obras que lhe renderam também um prêmio concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, ainda durante o regime militar.

Entre suas obras destacadas mundialmente, estão “Os Estatutos do Homem”, “Faz escuro, mas eu canto”, “Silêncio e palavra” e “Manaus, amor e memória”. Além da dedicação à literatura, exerceu o jornalismo e serviu no Itamaraty, como adido cultural no Chile, onde cultivou uma grande amizade com Pablo Neruda e Salvador Allende."

Fonte: Amazonas atual                

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