segunda-feira, 15 de abril de 2019

Cultura: Petrobras corta patrocínios de 13 projetos culturais incluindo festivais de cinema, música e teatro


"Estatal segue determinação do governo Bolsonaro"


Por Jan Niklas, Alessandro Giannini e Nelson Gobbi


RIO — “A Petrobras cortou o patrocínio de treze projetos culturais que apoiava historicamente. A lista inclui o Festival do Rio de cinema, o Anima Mundi e a Casa do Choro. A decisão foi antecipada pela rádio CBN a partir de um documento enviado pela empresa aos deputados federais Áurea Carolina e Ivan Valente, do PSOL, ao qual O GLOBO também teve acesso. Na área da música, o corte também afeta o tradicional  Prêmio da Música Brasileira , que no ano passado recebeu R$2,5 milhões da empresa, e o Clube do Choro de Brasília. No cinema, a lista inclui a Mostra de Cinema de São Paulo, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o Festival de Cinema de Vitória, o CineArte e a Sessão Vitrine. Já no teatro foram cortados o Festival Porto Alegre em Cena e o Festival de Curitiba.

A decisão segue a determinação do governo Bolsonaro de reavaliar os contratos de patrocínio da empresa, segundo informa a Secretaria de Governo da Presidência da República no documento. Em fevereiro, o presidente publicou no Twitter que, embora reconheça "o valor da cultura e necessidade de incetivá-la",  acredita que esse financiamento "não deve estar a cargo de uma petrolífera estatal".

No dia 11 de abril, Diego Pila, gerente de patrocínios da Petrobras, disse em audiência pública sobre patrocínios estatais na Comissão de Cultura da Câmara, em Brasília, que a diretoria da empresa teve um corte no orçamento destinado à comunicação, que abrange a cultura:

Tinhamos um orçamento aprovado para 2019 de R$ 180 milhões. Ele foi cortado em cerca de 30%, caiu para R$ 128 milhões. Isso reduziu muito nossa possibilidade de investimento para este ano. Temos um orçamento destinado a cumprir com nossas obrigações contratuais e algum espaço para novos projetos. Devemos nos próximos dias divulgar o resultado do nosso edital de projetos de música, vamos colocar R$ 10 milhões em 19 projetos dessa área nos próximos dois anos.

Procurada nesta segunda, a Petrobras respondeu por meio de sua assessoria:
"A Petrobras segue realizando apoio a projetos culturais. O orçamento para patrocínios, assim como diversas outras áreas, sofreu redução à luz do Plano de Resiliência divulgado no dia 8/3/19. Por esta razão, tivemos projetos nas áreas de audiovisual e artes cênicas já concluídos, que não foram renovados. Os contratos vigentes estão em andamento e com seus desembolsos em dia."

A resposta diz ainda que a Petrobrás "está revisando sua política de patrocínios para readequar seu orçamento e em alinhamento ao posicionamento de marca da empresa, com intenção de maior foco nos segmentos de ciência & tecnologia e educação, principalmente infantil."
Idealizador do Prêmio da Música Brasileira, José Maurício Machline conta que estava fechando um projeto mais amplo para a 30ª edição da cerimônia, em 2019, que incluiria um documentário e uma turnê. O produtor (que em 2017 conseguiu fazer a premiação sem petrocínio, com ajuda de parceiros e dos artistas, que abriram mão de cachê) segue captando com outras empresas via Rouanet para não deixar de realizar o evento este ano.

No fim do ano passado estávamos com as negociações avançadas. O fim do patrocínio nos pegou de surpresa, já que, segundo a própria Petrobras, o Prêmio era uma das principais ações em termos de retorno de imagem e marca — comenta Machline. — Não acho que empresas como a Petrobras devam ser vistas como mecenas da arte. Por isso mesmo eles sempre foram rigorosos nos processos para analisar o quanto de retorno cada projeto gera.
Um dos diretores da Casa do Choro , no Rio de Janeiro, Paulo Aragão informou que o instituto foi comunicado na semana passada do corte. No entanto, afirmou que a casa seguirá funcionando. 
Claro que a retirada do patrocínio nos impacta, então é possível que seja uma série (de shows) menor. Mas não deixaremos de fazer— afirmou.


Os organizadores do Anima Mundi, festival internacional de animação realizado concomitantemente no Rio e em São Paulo, já haviam sido avisados de que haveria o corte de patrocínio da Petrobras este ano. Das 26 edições do evento, realizado desde 1993, só as três primeiras não tiveram patrocínio da estatal.  



Segundo César Coelho, um dos quatro diretores do Anima Mundi com Aída Queiroz, Lea Zagury e Marcos Magalhães, a Petrobras contribuía em média com R$ 1,2 milhão anuais em um orçamento que girava em torno de R$ 3 milhões. Nos últimos anos, diz Coelho, esse valor diminuiu para R$ 700 mil.

— Não faz muito sentido (o corte). O patrocínio cria um vínculo da empresa com a população, e isso tudo a custos interessantes. É um investimento mínimo em troca de um retorno enorme. Ainda mais considerando que é uma empresa que se identifica muito com o país. Ainda preciso entender isso — diz ele.

Cias estrangeiras acompanham situação

O diretor do Anima Mundi diz que os organizadores pretendem continuar em busca de novos patrocinadores tanto aqui no Brasil quanto no exterior. Um dos principais argumentos utilizados é um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas para o evento Rio de Janeiro a janeiro no qual se atesta que a última edição do evento, no ano passado, movimentou R$ 26,8 milhões e gerou R$ 2,6 milhões em impostos; trouxe 13,5 mil  turistas ao Rio de Janeiro (nacionais e estrangeiros), que gastaram entre R$ 300 (nacionais) e R$ 400 (estrangeiros), e gerou um público estimado de 50 mil pessoas (Rio de Janeiro e São Paulo).



Diretor-geral do Porto Alegre em Cena, um dos festivais de teatro mais tradicionais do calendário brasileiro, Fernando Zugno diz que o fim do apoio da estatal, depois de mais de duas décadas, gera um impacto inevitável na programação (na última edição, a mostra recebeu R$ 510 mil da empresa). Mas descarta qualquer risco de o evento não ser realizado, em setembro.

A Petrobras é a maior patrocinadora da cultura no Brasil, e certamente que sua saída é um baque para qualquer projeto. Mas ainda contamos com o patrocínio da Brastemp e o apoio da prefeitura de Porto Alegre. Estamos conversando com outras empresas e  temos certeza que o Porto Alegre em Cena vai seguir com a mesma potência — comenta  Zugno.  — Quem trabalha com cultura no Brasil já tem um traquejo, sabe que é impossível ter um orçamento fechado. As companhias internacionais com quem temos uma longa relação acompanham o momento no Brasil, e muitas se dispõem a colaborar, até onde é possível."
Fonte: O Globo 

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