“Conhece-te a ti mesmo.”
Frase escrita na entrada do Templo de Delfos, na Grécia
Em 1978, a escola de samba União da Ilha do Governador, do Rio de Janeiro, entrou na avenida cantando “O Amanhã”. Em um dos mais belos e populares sambas já feitos, o compositor João Sérgio criou uma música que resume a questão que persegue o ser humano desde o início dos tempos: “O que será o Amanhã? Como vai ser o meu destino?”.
O templo de Apolo em Delfos, na Grécia, tornou-se muito famoso na Antiguidade justamente por este motivo. O deus grego não era apenas o deus do Sol e das Artes, mas também da profecia. As sacerdotisas do templo dedicado a ele, chamadas de pitonisas, desenvolveram o dom da adivinhação. E por isto, reis, generais e imperadores corriam a Delfos em momentos de crise ou de decisões importantes, com o intuito de obter uma dica sobre o que o futuro lhes aguardava.
Só que as previsões feitas eram, em muitas vezes, dúbias ou enigmáticas, o que demandavam esforço de interpretação que nem sempre resultavam no que as pessoas esperavam. Um exemplo foi o caso do rei Creso, considerado o homem mais rico da Antiguidade. Tão rico que o seu nome se tornou sinônimo de opulência e riqueza até os nossos dias. Creso sentia-se ameaçado pelo crescimento do império persa, sob comando de Ciro, o Grande. Desejando eliminar o rival, Creso fez uma consulta às pitonisas de Apolo, recebendo como resposta do Oráculo de Delfos a seguinte frase: “Se cruzar o rio Hális, um grande império cairá”. Satisfeito, Creso movimentou suas tropas e atacou o exército de Ciro. E foi derrotado facilmente. O oráculo estava certo, um grande império caiu.
Creso sentiu-se ameaçado por um oponente e decidiu medir forças com ele. Foi derrotado, talvez por não ter seguido a inscrição tão poderosamente sábia na porta do templo onde quis descobrir o seu destino. Se ele se conhecesse realmente bem, teria tomado a decisão de atacar Ciro?
Este é a primeira e mais importante pergunta a ser feita quando temos um desafio a encarar: “eu me conheço bem para lidar com a situação?”. Sun Tzu, famoso general chinês e que escreveu a imortal obra “A Arte da Guerra”, já dizia que “se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.”.
Um oponente pode ser, por este ponto de vista, uma excelente forma de gerar autoconhecimento, de mergulhar em si mesmo e identificar talentos, pontos positivos e fraquezas.
O antropólogo e escritor norte-americano Joseph Campbell fez do estudo da mitologia a sua missão de vida. Apaixonado pelo tema, estudou culturas e mitos ao redor do mundo. Escreveu livros que são fonte de conhecimento e inspiração para pessoas de diversas áreas, inclusive da arte e da literatura.
Em 1949, Campbell lançou o livro “O Herói de Mil Faces”, onde descreve o que foi denominado “a jornada do herói”. Segundo ele, quando um herói empreende uma jornada ou aventura, esta é formada de várias etapas que precisam ser superadas para que o herói possa evoluir e, desta forma, realizar a sua missão. Campbell mostrou que as fases da aventura são as mesmas para qualquer herói, em qualquer parte do mundo, independente da cultura de origem. Atualmente, as etapas da jornada heroica discriminadas por Campbell são tema obrigatório de qualquer curso para roteiristas e escritores/ escritoras. Para quem gosta do tema, é muito interessante analisar qualquer obra literária ou cinematográfica e identificar as fases do processo de evolução do herói discriminadas por Campbell.
Todo herói ou heroína possui um antagonista, um oponente que fará o que achar necessário para impedir que a jornada tenha sucesso. Quanto mais poderoso o antagonista, maior o desafio a ser superado. O papel do vilão é tão importante para a evolução do herói que dificilmente temos grandes histórias sem um grande antagonista. A ponto de muitos monstros ou vilões terem fãs fervorosos, ou pelo menos, uma discreta simpatia ou admiração do público.
Na mitologia ao redor do mundo, podemos encontrar diversos tipos de antagonistas. Há monstros, como nos doze trabalhos de Hércules, que enfrentou criaturas como a Hidra de Lerna e Cérbero, o cão de guarda do reino dos mortos. Deuses, como na saga do deus Osíris, no antigo Egito, onde o grande adversário a ser derrotado era seu irmão e deus Seth. Ou a própria morte, como na epopeia de Gilgamesh, o mais antigo relato de aventura já encontrado pelo ser humano.
As aventuras e jornadas heroicas são uma forma de aceitarmos os desafios que nos são impostos pelas circunstâncias da vida. Por este motivo, os heróis são fonte de inspiração ao longo do tempo em todas as culturas, enfatizando e reforçando comportamentos e sentimentos que a sociedade valoriza.
Mas não precisamos enfrentar cães de três cabeças ou deuses enfurecidos para realizar atos heroicos em nossa jornada pela Humanidade.
Reflito sobre a jornada do herói e sobre o maravilhoso trabalho de Campbell após uma breve leitura das notícias. E leio que a confiança da população nas instituições democráticas tem decrescido em todo o planeta favorecendo o aparecimento de populistas, aproveitadores e déspotas em países onde tal fenômeno pareceria enredo de filme ruim. Temperaturas recordes tem sido registradas em todo o planeta, acelerando o derretimento de geleiras e tornando cada vez mais próximo da nossa realidade os cenários mais críticos sobre as mudanças climáticas.
Onze milhões de toneladas de plástico são jogadas nos oceanos a cada ano, fazendo com que este material já faça parte de nossa cadeia alimentar – é estimado que o ser humano ingere mensalmente o equivalente a uma peça de Lego devido aos micro plásticos. Ao mesmo tempo, a degradação dos biomas leva à extinção em massa e à proximidade com vírus, bactérias e micro-organismos que podem gerar pandemias devastadoras. A concentração de renda cresce em todo o planeta, não respeitando continente, crença religiosa, sistema político ou econômico, colocando em risco a estrutura de sociedades inteiras.
Lendo as perguntas, o imortal samba de Sérgio Camargo começa a tocar em minha cabeça: O que será o Amanhã? Como vai ser o meu destino?
Muitos desafios se colocam perante a todos nós. E me faço a pergunta: se a Humanidade fosse o herói de sua jornada, qual seria nosso antagonista? A quem devemos superar para evoluirmos e alcançarmos um novo patamar?
Talvez um católico ou cristão apontasse em Lúcifer, o anjo rebelde, como o inimigo a ser derrotado. Talvez um muçulmano dissesse que o inimigo a ser combatido é Sheytan, um ente rebelde cujo objetivo é prejudicar os seres à sua volta. Um budista talvez dissesse que o grande inimigo é Mara, a ilusão, ou a Roda do Sansara, o ciclo infinito de encarnações a que todos os não-iluminados estão presos. Talvez um cientista afirmasse ser a falta de educação o inimigo a ser derrotado.
Olhando para a jornada de todos os homens e mulheres que, sejam eles míticos ou não, fizeram coisas fantásticas, podemos notar que tiveram antagonistas soberbos. Inimigos que não hesitavam em encontrar e utilizar a fraqueza do herói contra ele mesmo.
E a grande fonte destas fraquezas estava dentro do próprio herói. Nosso inimigo externo é apenas a representação de sentimentos e sombras que estão em nós, manipulando-nos e nos fazendo tomar decisões que nos afastam do triunfo de nossa jornada.
Não é Ishtar quem polui os mares. Não é Lúcifer quem destrói o meio ambiente, ou Sheytan que faz com que as pessoas escolham protótipos de ditadores para governá-las. Também não é Mara ou qualquer outro ser mítico ou monstro que nos faz ter comportamentos que nos levam à destruição ou ao sofrimento. Somos nós, e apenas nós. Nenhum herói completa a sua jornada sem assumir suas fraquezas. Somente assim se torna verdadeiramente forte a ponto de superar o antagonista externo.
A primeira e definitiva vitória do herói é sobre si mesmo. Somente assim deixaremos de criar os monstros que nos destroem - sendo capazes de exercer naturalmente a característica que nos faz alcançar este triunfo: a Responsabilização.
Maurício Luz |
1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”.
E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..
Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ.
Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.
Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012).
Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019).
Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.
Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS
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