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Por
Maurício
Cancilieri
Edição:
Rafael Plaisant
“O
apelo ético sobre os testes em animais para fabricação de produtos
de beleza ainda não conseguiu mobilizar, no Brasil, uma mudança
abrangente de legislação, a não ser no estado de São Paulo, o
primeiro a proibir a prática em 2014, e na cidade de Porto Alegre
(RS), onde a Câmara aprovou, neste ano, um projeto de lei com a
mesma pauta.
Para
bióloga Bianca Marigliani, doutoranda em biotecnologia pela Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo), não há motivo para a prática
seguir legalizada no país.
“A
gente não pode fazer a lei em cima do que a indústria quer. Esses
testes nunca foram 100% seguros”, disse em entrevista à DW
Marigliani, única brasileira a ganhar o maior prêmio internacional,
de 2015, para iniciativas alternativas aos testes em bichos, o Lush
Prize, de uma rede britânica de cosméticos naturais.
Convicta
disso e vegetariana há pelo menos 15 anos, a especialista na área
levou, além do reconhecimento, 10 mil libras. O dinheiro será
investido no estudo de um método in
vitro de
cultivo de células em meio sintético e não em meio suplementado
por soro bovino fetal, substância amplamente usada para avaliar
riscos de alergia a diversos elementos químicos. O soro é obtido do
sangue retirado dos fetos ainda vivos por meio de punção cardíaca.
DW
Brasil: A indústria cosmética até hoje no Brasil tem permissão
para fazer testes em animais. É possível bani-los?
Bianca
Marigliani: Sim.
Para os testes cosméticos, hoje já é possível eliminar o uso de
animais. A União Europeia, por exemplo, baniu testes em 2013. É uma
questão de legislação e incorporação de novas tecnologias. Os
métodos alternativos incluem a diminuição no número de animais
nos testes e a substituição. O que a gente quer realmente é a
substituição. Para isso, existem os métodos in
vitro,
que seriam os cultivos celulares (geralmente células humanas), os
químicos e os in
silico,
que são computacionais. A união dos três pode ser usada para
substituir os animais. No caso da sensibilização cutânea, é um
processo complexo, que envolve diferentes etapas, diferentes tipos
celulares. O que se fala na Europa e outros países é como montar
uma estratégia de bateria de testes que consiga trazer uma resposta
mais segura.
Por
que o Brasil segue sem conseguir se adequar? É a sociedade que não
cobra ou cientistas que automatizaram o processo e nem percebem mais?
A
sociedade vem se mostrando cada vez mais participativa nessa questão.
Poucos anos atrás, esse tema não era discutido, principalmente
porque as pessoas, em geral, nem tinham conhecimento de que aquele
cosmético que elas estavam usando era testado em animais. Muitas
vezes, quando a pessoa fica sabendo, ela diz: “Mas está errado,
não tem outro jeito?”. Por falta de conhecimento, às vezes as
pessoas dizem: “Não, tem que testar.” É um pensamento antigo.
Eu acho que é uma questão regulatória mesmo, de legislação. A
partir do momento que você tem uma legislação que diz que pode ou
que não pode, a indústria tem que correr atrás. A gente não pode
fazer a lei em cima do que a indústria quer. Eu entendo que é
necessário que exista um prazo para adequação porque a
incorporação de novas tecnologias não é uma coisa que se faz do
dia para a noite. Mas as indústrias têm que se adaptar. Mesmo
porque essa é uma barreira comercial. Se você tem um cosmético
produzido no Brasil que é testado em animais, ele não vai ser
vendido na Europa.
Qual
o problema da adequação? É financeiro? É mais caro produzir sem
testes em animais?
Depende.
Como os testes com animais já estão estabelecidos, trazer um método
novo num primeiro momento vai ser mais caro porque você não tem um
laboratório adequado para cultivo de células humanas. O
investimento inicial vai ser maior. Mas ao longo do tempo, esse custo
vai sendo diluído. Eu realmente não acredito que o custo seja a
principal barreira. Mesmo se for, se ficar mais caro, é uma questão
de desenvolvimento econômico. Você está abrindo mercado. As
indústrias cosméticas geralmente terceirizam os testes. Não são
elas que fazem. Então, para a indústria em si, não faz diferença.
Por
que você decidiu defender essa causa?
A
questão do uso de animais, em geral, sempre me preocupou. Nunca fez
muito sentido para mim. Eu sempre gostei de animais. Fui fazer
biologia por gostar muito de bichos. Eu quis seguir uma carreira em
que eu conseguisse juntar coisas que eu gostava de fazer, com poder
promover algumas mudanças que eu gostaria que acontecessem.
Nos
testes sem animais, existe algum risco para as pessoas?
A
gente já sabe que as células humanas, o corpo humano, responde de
maneira semelhante aos animais, mas não idêntica. Os testes em
animais nunca foram 100% seguros.
Na sensibilização cutânea, por exemplo, o camundongo não gera uma resposta imunológica ao níquel, que é uma das substâncias que mais causam dermatite de contato (alergia – inflamação da pele). Acho que todo mundo conhece alguém que já teve alergia à bijuteria.
Para o camundongo, o níquel não é um sensibilizador. Não causa alergia. O animal reage a muitos químicos de forma parecida, mas a muitos outros não. Com os métodos in vitro, conforme a gente vai tendo mais conhecimento dos processos biológicos, conseguimos pensar em cada uma das etapas. São testes feitos com células humanas. Eles acabam sendo mais seguros.
Existe, óbvio, um receio da mudança de um método tradicional que as pessoas acreditam que seja seguro. Mas, conforme as pessoas entenderem como as tecnologias atuam, elas vão se sentir mais seguras. A união de diferentes métodos numa bateria de testes já se mostra eficiente. Algumas já conseguem 100%.
Na sensibilização cutânea, por exemplo, o camundongo não gera uma resposta imunológica ao níquel, que é uma das substâncias que mais causam dermatite de contato (alergia – inflamação da pele). Acho que todo mundo conhece alguém que já teve alergia à bijuteria.
Para o camundongo, o níquel não é um sensibilizador. Não causa alergia. O animal reage a muitos químicos de forma parecida, mas a muitos outros não. Com os métodos in vitro, conforme a gente vai tendo mais conhecimento dos processos biológicos, conseguimos pensar em cada uma das etapas. São testes feitos com células humanas. Eles acabam sendo mais seguros.
Existe, óbvio, um receio da mudança de um método tradicional que as pessoas acreditam que seja seguro. Mas, conforme as pessoas entenderem como as tecnologias atuam, elas vão se sentir mais seguras. A união de diferentes métodos numa bateria de testes já se mostra eficiente. Algumas já conseguem 100%.
Como
você vai investir o valor do prêmio?
O
dinheiro do prêmio vai ser usado para comprar os reagentes
necessários, a linhagem de células, o meio quimicamente definido,
os químicos de referência para que eu possa fazer essa adaptação
celular a um meio sintético sem soro. E testar se elas (as células)
respondem da mesma maneira que o método validado para, então,
solicitar uma atualização dele para um método que não utilize
mais o soro. O objetivo é ter testes alternativos in
vitro totalmente
livres de produtos de origem animal.”
Fonte: DW- Brasil
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